RECIFE — Análise da Carbon Market Watch, organização sem fins lucrativos especializada em precificação de carbono, levantou nesta terça (31/5) ‘cartão amarelo’ para o anúncio da Federação Internacional de Futebol (FIFA) de que a Copa do Mundo do Catar será um evento ‘neutro em carbono’.
Segundo Yellow card for 2022 FIFA World Cup’s carbon neutrality claim, a estimativa da FIFA de que o evento emitirá 3,6 megatoneladas de dióxido de carbono (MtCO₂e) não representa com precisão a pegada de carbono real do torneio.
O país teve que investir maciçamente em infraestrutura, incluindo a construção de sete novos estádios de futebol, que foram projetados em um orçamento de US$ 8 bilhões.
Os estádios permanentes construídos especificamente para a competição foram alocados ao evento com base em use-share. Isso significa que o número de dias do evento foi dividido pela vida útil estimada dos estádios para chegar à parcela das emissões associadas à construção dessas instalações.
De acordo com o Carbon Market Watch, essa decisão é problemática porque o uso extensivo futuro de boa parte desses estádios, em um espaço geográfico tão pequeno, é incerto, especialmente quando considerado contra o fato de que Doha — capital do país — tinha apenas um grande estádio antes de ser escolhida como sede da Copa do Mundo de 2022.
“Isso exclui notavelmente as emissões do resfriamento do estádio e é altamente sensível à intensidade de carbono da geração de energia no país específico onde o estádio está localizado”, afirma o documento.
“Pelo menos um relatório FIFA destaca a eficiência energética da tecnologia de refrigeração instalada nos estádios da Copa do Mundo de 2022, garantindo até 45% de economia de energia. No entanto, o documento não menciona a linha de base com a qual a economia relatada é comparada”, completa.
Energia fóssil em campo
O uso de energia no país é um ponto de atenção. No Catar, 99% da eletricidade é gerada a partir de combustíveis fósseis.
O relatório indica que o impacto do uso dos estádios pode ser alto, já que as emissões operacionais de um estádio com base na média dos quatro estádios da Copa do Mundo de 2022, com 40.000 lugares, representam entre 22,8% e 38,4% das emissões totais do ciclo de vida para os estádios.
Em contrapartida, o Comitê Supremo para Entrega e Legado, responsável pela organização do evento, informou que a infraestrutura da Copa está avançando rapidamente.
“Um torneio neutro em carbono é realizado por meio de um processo de quatro etapas: conscientização, medição, redução e compensação. Estamos progredindo rapidamente em todas as áreas. As soluções de energia renovável são planejadas sempre que possível; iluminação a energia solar já foi instalada em estacionamentos e perímetros de delegacias. O monitoramento da qualidade do ar movido a energia solar está sendo testado em locais de treinamento”.
Além dos estádios, a FIFA também anunciou a construção de uma espécie de viveiro de árvores, formado por plantas regionais de baixo consumo de água. Para o espaço foram inseridos 500 mil m² de grama, 5 mil árvores e 80 mil arbustos, que foram plantados ao redor dos estádios e espaços públicos em todo o Catar.
“Embora a irrigação use água de esgoto tratada, a alegação de que isso absorverá as emissões de CO₂ da atmosfera e contribuirá para reduzir o impacto do evento não é crível, pois é improvável que esse armazenamento de carbono seja permanente nesses espaços verdes artificiais e vulneráveis, enquanto o dióxido de carbono permanece na atmosfera por séculos a milênios”, alerta o relatório.
Com relação aos transportes responsáveis pelo deslocamento dos torcedores até os estádios, o governo local anunciou o desenvolvimento dos transportes públicos, incluindo o metrô de Doha, novas rotas de ônibus e sistemas de bonde em Lusail e Education City. A gestão também pretende mudar 25% da frota dos ônibus para modelos elétricos até 2022, durante o torneio.
Compensação de carbono
O Governo do Catar também comunicou que fará compensação de carbono durante a temporada da Copa do Mundo no país, em parceria com o Global Carbon Council.
Com sede no Catar, o conselho deve fornecer parte das compensações de carbono de fontes locais.
“Mediremos nosso inventário de carbono, em colaboração com a FIFA, incluindo todo o trabalho que fizemos até agora na redução de emissões, como estádios eficientes em energia e água, uso de materiais reciclados e implementação de estratégias de gerenciamento de resíduos”, disse o governo.
Já o Carbon Market Watch faz ressalvas à ação, principalmente em relação à adicionalidade, já que a maioria dos projetos que aguardam registro são de energia renovável conectados à rede.
“Eles tendem a não ser ‘adicionais’, ou seja, é provável que aconteçam independentemente de poderem vender créditos de carbono porque a energia renovável tornou-se competitiva em termos de custos em muitas regiões do mundo. Isso significa que os créditos geralmente têm um baixo nível de integridade ambiental”.
O grupo explica que a maioria desses tipos de projetos não pode mais ser registrada sob os dois maiores padrões de crédito de carbono — Verra e Gold Standard — devido à preocupação com a falta de integridade.
“Por fim, não está claro como a Copa do Mundo no Catar se relaciona com a meta de neutralidade climática da própria FIFA para 2040. A federação anunciou essa meta em 2021, mas poucos detalhes são disponíveis e informações básicas como a cobertura da meta, anos de referência e inventário de GEE não parecem estar disponíveis publicamente”, completa a organização.