Energia

Hidrogênio azul: uma oportunidade para o Brasil

Produção de hidrogênio azul vem da gaseificação do carvão e posterior captura de CO₂ e reação pressure swing absorption (PSA), escreve Fernando Zancan

Fernando Zancan, presidente da ABCM, (Foto: Divulgação)
Fernando Zancan, presidente da ABCM, (Foto: Divulgação)

Os recursos de carvão mineral nacional, que representam 77 % da energia fóssil do Brasil (BEN 2020) e 89% estão localizados no Rio Grande do Sul, podem viabilizar a produção de hidrogênio para uso doméstico ou para exportação.

A produção de hidrogênio a partir do carvão é feita por meio da gasificação, quando o carvão é aquecido a alta temperatura tipicamente reagindo com oxigênio para produzir um gás de síntese.

O gás é melhorado com a reação water-gas shift (WGS): CO + H₂O ⇄ CO₂ + H₂.

O CO₂ é capturado por adsorção usando Selexol e Rectisol. O hidrogênio com pureza de 99,8% é obtido pela reação pressure swing absorption (PSA). Está alinhado ao mundo de baixo carbono e é chamado de hidrogênio azul (blue hydrogen).

Uma das unidades que produz hidrogênio com captura de CO₂ é a de Great Plains, nos Estados Unidos, que começou a operar em 1998 e desde 2000 captura cerca de 3 milhões de toneladas de CO₂/ano.

A planta opera com 14 gasificadores que, por meio da Tecnologia Lurgi Mark IV, produzem gás natural sintético (SNG) e sulfato de amônio (fertilizante) com uso de oxigênio.

Custo do hidrogênio azul

O volume de recursos gastos na produção do hidrogênio azul varia a partir de diferentes fatores, como custo das fontes renováveis e dos combustíveis fósseis, fator de capacidade e taxas de carbono.

Estudos realizados pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos (.pdf), em 2020, mostram que o hidrogênio azul custa de US$ 1,6/kg a US$ 2,4/kg, valor mais barato que o hidrogênio verde na razão de 3:1.

O custo do hidrogênio azul é fortemente influenciado pelo investimento (capex de 80 a 85%). Estudos do governo britânico (Element Energy, 2018) mostram que, em 2050, o capex poderá ser reduzido entre 45 e 50%, o que pode diminuir o custo do hidrogênio entre 10 e 15%.

O gás de síntese produzido pela maioria dos processos de gaseificação sob altas pressões já contém uma quantidade significativa de hidrogênio (H₂), que pode ser aumentada por meio da reação WGS. O resultado é um H₂ puro, que atende aos padrões de qualidade da indústria.

Embora a maior parte do hidrogênio seja produzida pela reforma a vapor do gás natural (95% do total mundial), a produção ou coprodução de hidrogênio a partir do gás de síntese, gerado pela gaseificação de sólidos e líquidos, também é praticada comercialmente.

Na China, diversas usinas que produzem fertilizantes e amônia em grande escala e carecem de gás natural de baixo custo optam por gaseificar o carvão.

O produto, em seguida, é convertido em H₂ antes de reagir com o nitrogênio para formar a amônia.

Na verdade, o cenário em que haja alto custo ou baixa disponibilidade de gás natural e, ao mesmo tempo, exista disponibilidade de carvão a baixo custo — como é no Rio Grande do Sul –, é favorável à produção de hidrogênio a partir do carvão.

Tecnologias para uso de H₂

Estão em andamento estudos sobre a utilização do CO₂ na fabricação do metanol — produto importante para a indústria química e que o Brasil importa — que já alcançam 30% do uso do CO₂ e podem reduzir o custo de todo o processo industrial.

Com 90% de resultado, a tecnologia de captura de CO₂ (na sigla, em inglês, CCUS — Carbon, Capture, Utilisation and Storage) permitirá atingir menos que 3 kg de CO₂/kgH₂, podendo chegar a 100 % de captura.

Se for utilizada a biomassa como combustível consorciado ao carvão, pode gerar emissões negativas.

Transportador de energia do futuro

As tecnologias de produção de H₂ estão ganhando cada vez mais atenção porque podem transformar o hidrogênio no transportador de energia do futuro.

É um produto extremamente limpo quando reage com o oxigênio (produzindo água) e apresenta alta densidade de energia por massa.

Fomentado pelos governos do Japão e da Austrália, o consórcio formado por diferentes empresas, entre elas Kawasaki Heavy Industries, Shell Japão, J-Power e AGL Energy, está desenvolvendo a cadeia produtiva para produzir hidrogênio no Ladrobe Valley (120 Km de Melbourne, Austrália) e transportá-lo para o Japão.

Em fevereiro deste ano, o primeiro navio com hidrogênio azul australiano partiu para o Japão. Esse processo inclui a captura do CO₂ e o desenvolvimento de navios para o transporte do H₂.

Com investimento de US$ 370 milhões, o projeto da planta piloto é visto como a primeira etapa para desenvolver uma cadeia produtiva de zero carbono, tornando-se um exemplo mundial.

O hidrogênio pode ser usado para alimentar células de combustível ou queimado em uma turbina de hidrogênio para gerar eletricidade. E  pode ainda alimentar veículos com células de combustível.

Embora existam desafios a serem superados, a gaseificação de carvão para produzir H₂ é um componente-chave para a economia de hidrogênio e para geração de energia. Tem todo o potencial para desenvolver uma cadeia produtiva no Brasil, gerando emprego e renda no sul do país.

Fernando Luiz Zancan é presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM).

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.