Congresso

Diga não aos jabutis da modernização do setor elétrico, por Mariana Amim

Pouco adianta o esforço da modernização se o Congresso ignorar que o consumidor é a razão de ser do setor de energia

Linha de Transmissão de energia com visão, de baixo para cima, da parte interna da torre de transmissão
Linha de Transmissão de energia

Não, não se assuste: não se trata de um artigo zoofóbico ou contra o meio ambiente, nem tampouco de aversão a esse réptil tão simpático e característico, cuja movimentação é lenta e que sofre dificuldades para alcançar alguns lugares.

Este texto é um manifesto contra a inserção, em projetos de lei e outras normas do setor elétrico, de comandos sem um fundamento preciso ou pertinente ao tema para privilegiar ou blindar determinados segmentos à custa do consumidor.

Hoje, é grande a ameaça que esse expediente não só amplie as pressões sobre as contas de energia, como comprometa a tão necessária modernização para um futuro mais eficiente no setor elétrico nacional.

O movimento de enxertar projetos de lei com benesses ou temas estranhos ao seu objeto apelidamos de “jabutis”. Coitados dos bichinhos, levaram a péssima fama da prática legislativa abominável, só porque eles não chegam sozinhos a qualquer lugar. Se eles se encontram em locais estranhos, como no topo de postes ou no ápice de torres de transmissão — para ficarmos no ambiente setorial —, é porque alguém, certamente, os colocou lá.

Isso vem acontecendo por muito tempo e a conta só aumenta: a maior parte dos encargos setoriais que pressiona as contas de luz se deve a escolhas políticas descabidas, viabilizadas por meio desse tipo de expediente.

  • Na epbr: A temporada dos jabutis Setor elétrico se fechou em si mesmo e acabou favorecendo interesses de um grupo VIP, ao final, acomodados na conta de energia

Alguma vez, enquanto consumidor, você já se deu conta de quantos encargos integram o custo final da energia elétrica que consumimos para a produção de bens e serviços; para o trabalho doméstico; a educação presencial e remota; o lazer; ou até mesmo para o dormir enquanto o resto do mundo ao nosso redor permanece ativo?

Pois bem, atualmente o segmento de consumo convive com um enorme conjunto de encargos incidentes na conta de luz, listados a seguir:

Encargos Serviços do Sistema

Segurança Energética

Importação de Energia

Restrição Elétrica – Constrained On

Restrição Elétrica – Constrained Off

Restrição Elétrica – Unit Comitment

Serviços Ancilares – Compensação Síncrona

Serviços Ancilares – Reserva de Potência

Serviços Ancilares – Equipamentos

Deslocamento hidráulico Energético

Deslocamento hidráulico Elétrico

Diferença CMO x PLD

 

CDE

Tarifa Social Baixa Renda

Carvão Mineral

CCC – Isolados

Descontos Tarifários na Distribuição

Descontos Tarifários na Transmissão

Subvenção cooperativas

Fontes Renováveis e Gás Natural

Indenização de Concessões

Subvenções e verbas diversas

COVID – TE

COVID – TUSD

 

Encargos de Energia de Reserva

 

Encargo de Reserva de Capacidade

 

PROINFA

 

Migração para o ACL

 

Os jabutis da modernização do setor elétrico

Não são poucos e custam muito! Apenas o orçamento da CDE que será repassado aos consumidores neste ano — recém aprovado pela Aneel — aumentou 54% e vai passar de R$ 30 bilhões.

Fazendo justiça, é imprescindível destacarmos que alguns encargos derivados de política pública que têm por escopo fomentar o crescimento setorial, bem como beneficiar os menos favorecidos — como a tarifa social baixa renda — são integralmente oportunos e moral e legalmente viáveis.

Por outro lado, há aqueles que não contribuem em nada para o setor e tampouco para o desenvolvimento ou igualdade social, beneficiando somente segmentos que, atualmente, não precisam de qualquer subsídio.

O PL 414/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, foi concebido para modernizar o setor elétrico, promover a abertura do mercado, atrair investimentos e racionalizar os encargos. Tudo isso pressupõe a correção de distorções e o aumento da transparência na definição dos preços e tarifas, com a alocação mais justa de riscos e custos setoriais.

No entanto, novas inserções estranhas e onerosas ameaçam esse projeto. Por isso, em meio a toda essa incerteza, alertamos e chamamos os consumidores para que digam “não aos jabutis”: os custos, precificação e tarifação da energia elétrica têm de ser tratados com o cuidado e respeito que merecem!

Nesse contexto, merece destaque em particular a perspectiva de inserção, no texto legal, de comandos relativos à renovação de contratos de térmicas desnecessárias e à obrigatoriedade de os consumidores pagarem, via conta de luz, pela construção de novos gasodutos caríssimos e inúteis.

  • No primeiro caso, trata-se de usinas a diesel e óleo combustível construídas na esteira do racionamento de 2001, cujos contratos se encerram nos próximos anos e que não fazem mais sentido na atual configuração do setor elétrico.
  • Quanto aos novos gasodutos, a preocupação diz respeito, em particular, aos dutos que teriam de ser construídos para alimentar os 8 GW de novas térmicas cuja contratação está prevista na lei que autoriza a capitalização da Eletrobras — outro jabuti bilionário que terá de ser carregado pelo consumidor.

Pouco adiantará o esforço da modernização e reestruturação do setor, com a obrigatória racionalização dos encargos e a efetiva alocação de riscos aos agentes por eles responsáveis, se o parlamento ignorar o tão necessário lema de que o consumidor é a razão de ser do setor de energia. Então, diga não aos jabutis!

Mariana Amim é diretora de Assuntos Técnicos Regulatórios e assessora jurídica da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).