Não, não se assuste: não se trata de um artigo zoofóbico ou contra o meio ambiente, nem tampouco de aversão a esse réptil tão simpático e característico, cuja movimentação é lenta e que sofre dificuldades para alcançar alguns lugares.
Este texto é um manifesto contra a inserção, em projetos de lei e outras normas do setor elétrico, de comandos sem um fundamento preciso ou pertinente ao tema para privilegiar ou blindar determinados segmentos à custa do consumidor.
Hoje, é grande a ameaça que esse expediente não só amplie as pressões sobre as contas de energia, como comprometa a tão necessária modernização para um futuro mais eficiente no setor elétrico nacional.
O movimento de enxertar projetos de lei com benesses ou temas estranhos ao seu objeto apelidamos de “jabutis”. Coitados dos bichinhos, levaram a péssima fama da prática legislativa abominável, só porque eles não chegam sozinhos a qualquer lugar. Se eles se encontram em locais estranhos, como no topo de postes ou no ápice de torres de transmissão — para ficarmos no ambiente setorial —, é porque alguém, certamente, os colocou lá.
Isso vem acontecendo por muito tempo e a conta só aumenta: a maior parte dos encargos setoriais que pressiona as contas de luz se deve a escolhas políticas descabidas, viabilizadas por meio desse tipo de expediente.
- Na epbr: A temporada dos jabutis Setor elétrico se fechou em si mesmo e acabou favorecendo interesses de um grupo VIP, ao final, acomodados na conta de energia
Alguma vez, enquanto consumidor, você já se deu conta de quantos encargos integram o custo final da energia elétrica que consumimos para a produção de bens e serviços; para o trabalho doméstico; a educação presencial e remota; o lazer; ou até mesmo para o dormir enquanto o resto do mundo ao nosso redor permanece ativo?
Pois bem, atualmente o segmento de consumo convive com um enorme conjunto de encargos incidentes na conta de luz, listados a seguir:
Encargos Serviços do Sistema
Segurança Energética Importação de Energia Restrição Elétrica – Constrained On Restrição Elétrica – Constrained Off Restrição Elétrica – Unit Comitment Serviços Ancilares – Compensação Síncrona Serviços Ancilares – Reserva de Potência Serviços Ancilares – Equipamentos Deslocamento hidráulico Energético Deslocamento hidráulico Elétrico Diferença CMO x PLD
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CDE
Tarifa Social Baixa Renda Carvão Mineral CCC – Isolados Descontos Tarifários na Distribuição Descontos Tarifários na Transmissão Subvenção cooperativas Fontes Renováveis e Gás Natural Indenização de Concessões Subvenções e verbas diversas COVID – TE COVID – TUSD
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Encargos de Energia de Reserva
Encargo de Reserva de Capacidade
PROINFA
Migração para o ACL
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Os jabutis da modernização do setor elétrico
Não são poucos e custam muito! Apenas o orçamento da CDE que será repassado aos consumidores neste ano — recém aprovado pela Aneel — aumentou 54% e vai passar de R$ 30 bilhões.
Fazendo justiça, é imprescindível destacarmos que alguns encargos derivados de política pública que têm por escopo fomentar o crescimento setorial, bem como beneficiar os menos favorecidos — como a tarifa social baixa renda — são integralmente oportunos e moral e legalmente viáveis.
Por outro lado, há aqueles que não contribuem em nada para o setor e tampouco para o desenvolvimento ou igualdade social, beneficiando somente segmentos que, atualmente, não precisam de qualquer subsídio.
- Na epbr Consumidores de energia: do cardápio ao lugar à mesa PL 414/21: é preciso evitar a inclusão de ‘jabutis’ que comprometam a sustentabilidade e a competitividade da energia
O PL 414/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, foi concebido para modernizar o setor elétrico, promover a abertura do mercado, atrair investimentos e racionalizar os encargos. Tudo isso pressupõe a correção de distorções e o aumento da transparência na definição dos preços e tarifas, com a alocação mais justa de riscos e custos setoriais.
No entanto, novas inserções estranhas e onerosas ameaçam esse projeto. Por isso, em meio a toda essa incerteza, alertamos e chamamos os consumidores para que digam “não aos jabutis”: os custos, precificação e tarifação da energia elétrica têm de ser tratados com o cuidado e respeito que merecem!
Nesse contexto, merece destaque em particular a perspectiva de inserção, no texto legal, de comandos relativos à renovação de contratos de térmicas desnecessárias e à obrigatoriedade de os consumidores pagarem, via conta de luz, pela construção de novos gasodutos caríssimos e inúteis.
- No primeiro caso, trata-se de usinas a diesel e óleo combustível construídas na esteira do racionamento de 2001, cujos contratos se encerram nos próximos anos e que não fazem mais sentido na atual configuração do setor elétrico.
- Quanto aos novos gasodutos, a preocupação diz respeito, em particular, aos dutos que teriam de ser construídos para alimentar os 8 GW de novas térmicas cuja contratação está prevista na lei que autoriza a capitalização da Eletrobras — outro jabuti bilionário que terá de ser carregado pelo consumidor.
Pouco adiantará o esforço da modernização e reestruturação do setor, com a obrigatória racionalização dos encargos e a efetiva alocação de riscos aos agentes por eles responsáveis, se o parlamento ignorar o tão necessário lema de que o consumidor é a razão de ser do setor de energia. Então, diga não aos jabutis!
Mariana Amim é diretora de Assuntos Técnicos Regulatórios e assessora jurídica da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).