Energia

Um ano após a nova lei, um pouco mais de gás para o novo mercado, por Hugo Repsold

Estados devem definir com clareza a formação de tarifas no mercado de gás natural para dar segurança aos investidores

Um ano após a nova lei, um pouco mais de gás para o novo mercado
Infraestrutura de petróleo e gás da 3R Petroleum (Divulgação)

As condições de temperatura e pressão no mercado de gás mundial não andam nada normais. O mundo está às voltas com uma guerra entre Rússia e Ucrânia que vem se prolongando e que compromete as condições de suprimento de quase 40% do gás natural utilizado pela Europa.

Esses eventos geram uma reação em cadeia, que se expande pelo globo e produzem efeitos importantes sobre o esforço realizado aqui no Brasil para o desenvolvimento do Novo Mercado de Gás.

É um momento de aprendizado sobre a importância da geopolítica na construção de políticas públicas para o desenvolvimento do setor de energia. Este conflito também compromete, ainda que temporariamente, os esforços globais para levar adiante a agenda da transição energética, tão importante para o século 21.

Temas como segurança energética e garantia de suprimento ao mercado voltam a ocupar um lugar central na agenda política global. Alguns países retomam o uso do carvão e grandes nomes comumente ligados ao desenvolvimento de alternativas renováveis e energias limpas têm vindo a público pedir para que a indústria do petróleo e gás volte a realizar investimentos e aumentar a oferta destes insumos, que podem garantir a segurança energética de muitas nações.

A redução da oferta mundial, a competição pelo gás disponível no mundo e os riscos de um eventual desabastecimento passaram a ser pauta relevante para a indústria.

Papel do gás natural

O gás natural foi o combustível que apresentou o maior crescimento de participação na matriz energética mundial na última década, chegando ao final de 2019 atendendo 23% da demanda mundial de energia primária. Aqui no Brasil, a participação do gás natural estacionou em 10% da oferta primária de energia, segundo dados do BNDES, e pouco evoluiu nos últimos dez anos.

Além disso, em tempos de demanda aquecida, temos que lembrar que 45% do que consumimos vem de fora.

Em 2021, por exemplo, foram produzidos em média, no Brasil, 134 milhões de m³/dia de gás natural, de acordo com dados divulgados pelo Boletim Mensal de Acompanhamento da Indústria de Gás Natural. Desse total, 51,5 milhões de m3/d foram ofertados ao mercado.

O restante para atender a demanda doméstica de 94 milhões de m3/d veio de fontes externas, seja via gasoduto Brasil-Bolívia ou via terminais de regaseificação de gás liquefeito. Ou seja, 45% do gás consumido no Brasil foi importado a preços internacionais.

Lei do Gás completa um ano

Neste mês em que completamos um ano da Nova Lei do Gás, diante do cenário mundial e dos avanços alcançados com a sua implementação, temos a oportunidade de refletir e pavimentar o caminho que precisa ser trilhado daqui para frente.

A distância entre as projeções de aumento de volumes produzidos e a oferta de gás nacional ao mercado vem alimentando a mais de uma década a expectativa por um tsunami de gás que ano após ano vem sendo postergado.

Muitos atribuem à carência de infraestrutura, outros alegam que falta um mercado firme para este gás, entre várias outras explicações e argumentos que, de certa forma, têm algum fundamento, mas o fato é que medidas concretas para o aumento da oferta de gás precisam ter prioridade.

O país está diante de uma grande oportunidade nas regiões onde já existe infraestrutura e onde as novas empresas de petróleo nacionais já começar a realizar investimentos que levarão ao aumento da oferta de gás.

Já existem consideráveis investimentos previstos nos campos maduros das bacias terrestres brasileiras, com potencial para materializar uma importante contribuição para o aumento da oferta de gás, deslocando o gás importado via preços mais competitivos, permitindo a retomada do desenvolvimento do mercado nestas regiões.

Essas bacias estão sendo repensadas e serão redesenvolvidas e revitalizadas, dando início a um círculo virtuoso perfeitamente alinhado aos objetivos do Novo Mercado de Gás.

A perspectiva de aumento de oferta mais iminente reside nestes investimentos, que vão contribuir para a redução de dependência internacional. Desenvolver um ambiente de negócios seguro e atraente para os produtores significa muito para que todos consigam obter recursos no sistema financeiro privado.

Transparência na definição das tarifas estaduais

Neste sentido, dois pilares são fundamentais: o sinal de preços e a transparência do ambiente de negócios.

Os preços praticados baseados na paridade de importação indicam claramente que o aumento da oferta nacional deverá substituir, onde for possível, o insumo importado.

Assim já aconteceu até o início da última década, com a precificação baseada numa cesta de petróleo, o que permitiu deslocar o óleo combustível e substitui-lo pelo gás.

Já existe um mercado que está sendo suprido pelo insumo importado e que os produtores nacionais poderão acessar se forem mais competitivos e tiverem preços menores.

É possível aumentar a oferta nacional com inúmeros benefícios para o país como geração de empregos e renda, tributos, investimentos sociais e todas as externalidades associadas à indústria do petróleo e gás regionalmente.

A transparência precisa se traduzir num arcabouço regulatório harmonizado e homogêneo.

O mercado de gás vem se transformando num dos mais complexos ambientes de negócios do mundo com dezenas de regulações estaduais – cada uma com suas peculiaridades e com diferenças relevantes entre elas.

No Brasil, já temos vários tributos indiretos incidindo sobre os investimentos e sobre gastos incorridos antes da obtenção de qualquer resultado.

Esse fato já causa grandes reduções na capacidade de investimento das empresas e reduz substancialmente a competitividade do produto nacional, impedindo a redução de preços e o aumento da oferta.

Deslocar estes tributos para os resultados não trará nenhum impacto na arrecadação final, ao contrário, o aumento de oferta nacional virá seguido por fortes aumentos de arrecadação.

Produzir petróleo e gás já expõe os agentes a muitas incertezas inevitáveis, como as relacionadas com a natureza e com variáveis de mercado. Porém, é preciso que os custos de produção e distribuição do gás sejam previsíveis e calculáveis.

As legislações estaduais devem definir com clareza os mecanismos de formação de tarifas, se possível com métodos de cálculos e conceitos relacionados às participações a que os investidores e as empresas de petróleo e gás vão estar expostas, conforme já previsto na lei federal, com observância aos princípios da razoabilidade, da transparência e da publicidade.

Se isto for respeitado nas leis, será possível planejar adequadamente os investimentos, viabilizando muitos projetos.

Serviços de distribuição

Outro ponto importante envolve uma melhor definição sobre o serviço de distribuição do gás.

Da forma como as coisas acontecem hoje, em alguns estados são cobradas tarifas sem nenhuma contraprestação de serviços, como se fossem tributos estaduais recolhidos por agentes privados apenas pelo fato de o produtor movimentar algum volume de gás e suas próprias instalações.

E, em alguns casos, com valores estabelecidos após a realização de investimentos, o que introduz graves incertezas sobre as decisões de investimento que precisam ser tomadas.

Por fim, é preciso que os investimentos em novos dutos dedicados de distribuição sejam sincronizados com os projetos como um todo ou permitir que os produtores realizem estes investimentos de acordo com seus cronogramas para evitar perdas com espera por projetos inacabados.

Para estes dutos, deve haver um tratamento individualizado sem a utilização de tarifas postais que vão aumentar custos e consequentemente retirar a competitividade do gás nacional que precisa deslocar seu competidor importado. E de nenhuma forma expropriar os agentes de seus ativos nem os reverter para os estados.

A expropriação de ativos vai minar a confiança necessária aos investidores e interromper o ciclo de investimentos ou, no melhor cenário, aumentar o custo dos projetos de incremento de produção de gás, reduzindo a vida útil dos campos e gerando menos empregos e renda para o próprio estado.

Temos todas as condições para continuar avançando com o Novo Mercado e assim garantir que o círculo virtuoso que envolve o mercado de gás possa seguir impulsionando a economia, trazendo consigo o desenvolvimento, a geração de empregos, renda, tributos, investimentos sociais e um mundo mais sustentável.

Hugo Repsold é diretor Corporativo e de Gás e Energia na 3R Petroleum, empresa de capital aberto com projetos de produção de petróleo e gás natural