RIO — A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN) pretende discutir com o setor de gás natural, nesta quarta-feira (27/04), a proposta de criação de uma nova lei do gás para o Estado.
O Projeto de Lei nº 371/2021, encaminhado pelo governo estadual, trata da exploração dos serviços locais de gás canalizado e traça algumas regras para a abertura do mercado livre no estado.
O que você vai ver aqui:
- Lei do Gás do Rio Grande do Norte em debate: entenda os principais pontos da proposta original e o que produtores e consumidores tentam modificar no texto;
- Debate sobre lei potiguar ocorre em meio à transformação do mercado de gás do Rio Grande do Norte; veja quem são os atores desse processo;
- A regulamentação do gás tem sido objeto de judicialização em outros estados: saiba quais são os pontos controversos em SP e CE.
A Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) se articulam para tentar mudar alguns pontos do PL que entendem ser barreiras ao desenvolvimento do mercado livre local. A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (FIERN) também apresentou sugestões de mudanças no texto.
O PL tramita, neste momento, na Comissão de Educação, Ciências e Tecnologia, Desenvolvimento Socioeconômico, Meio Ambiente e Turismo da ALRN, sob relatoria do deputado estadual Francisco do PT — líder do governo na Assembleia.
De acordo com informações do gabinete do deputado, a expectativa é que a matéria seja votada no plenário da ALRN até o recesso parlamentar de julho. Para disso, o texto ainda precisa passar pelas comissões de Comissão de Constituição, Justiça e Redação e de Administração, Serviços Públicos, Trabalho e Segurança Pública.
O que diz a Lei do Gás do Rio Grande do Norte
O PL nº 371/2021 é fruto de uma proposta concebida pelo Executivo e encaminhada ao Legislativo em outubro do ano passado. O texto original é extenso, com mais de 40 páginas, e, em resumo, apresenta as seguintes propostas:
- Consumidor livre: A lei permite a migração para o mercado livre de usuários com consumo mínimo de 5 mil metros cúbicos diários (m3/dia) na média anual.
- Gasodutos próprios: O consumidor livre, o autoprodutor ou o autoimportador cujas necessidades não possam ser atendidas pela distribuidora poderão construir, por conta própria, instalações e dutos para o seu uso específico. A concessionária, nesse caso, prestará o serviço de operação e manutenção dos ativos.
- Tarifas para usuário livre: O consumidor livre pagará ao concessionário uma Tarifa de Movimentação de Gás na Área de Concessão (TMOV), que refletirá o custo de capital e os custos operacionais do sistema de distribuição. A regra de formação da TMOV será a mesma aplicada à formação das tarifas do mercado cativo, mas abatidos os custos do gás e de comercialização do gás.
- Classificação de gasodutos: O PL permite que sejam classificados como dutos de distribuição aqueles gasodutos que se iniciam em unidades de processamento, gasodutos de transporte, terminais de gás natural liquefeito (GNL) ou em outras instalações de distribuição e que terminam em outras instalações de distribuição ou de usuários livres. A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte (Arsep) poderá classificar como gasoduto de distribuição as instalações localizadas na área geográfica do Estado, consideradas de interesse para o serviço local.
- Comercializador de gás: Compete à Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte (Arsep) autorizar os interessados em atuar como comercializadores na área de concessão potiguar. A atividade de comercialização também fica sujeita à fiscalização pela agência estadual.
- Chamadas públicas: A distribuidora estadual deverá realizar chamada pública para contratação de supridores de gás. O processo poderá ser feito de forma coordenada com outros concessionários, visando ao ganho de escala e competitividade das condições comerciais. Em condições de emergência devidamente justificada, o concessionário é dispensado da obrigatoriedade de realizar chamada pública.
- Reajustes tarifários: As tarifas deverão ser reajustadas automaticamente e a qualquer momento, quando verificado prejuízo ao concessionário, em resposta a qualquer evento que tenha efeito prejudicial no equilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão, na forma e nos termos necessários para evitar e corrigir perdas ou reduções de receita ou da taxa de retorno do capital investido do concessionário.
O que a indústria quer mudar na lei potiguar
Produtores e consumidores de gás entendem que alguns pontos da proposta original limitam a abertura do mercado local e outros pontos ultrapassam os limites da competência estadual — dentre eles a questão da classificação de gasodutos e aspectos relacionados à regulação do agente comercializador de gás.
ABPIP, Abrace e FIERN apresentaram uma série de emendas ao texto original nos últimos meses. O ranking regulatório da Abrace, que classifica as regulações estaduais dentro de critérios pró-abertura do mercado, coloca a legislação originalmente proposta pelo governo do Rio Grande do Norte como a décima mais amigável à abertura do setor.
O relator da Lei do Gás potiguar se mostrou aberto a algumas das mudanças propostas, mas, de acordo com fontes ligadas ao gabinete do deputado, não existe hoje nenhuma questão fechada sobre o PL. A ideia é que a minuta do marco legal seja rediscutida do zero com a sociedade.
Os consumidores e os produtores independentes pedem, dentre outros pontos:
- que a lei estadual seja clara em atribuir à ANP a competência para autorizar as atividades do comercializador. A proposta original do governo potiguar atribui à Arsep a autorização dos agentes interessados em atuar como comercializadores no estado. A Nova Lei do Gás (nº 14.134/2021), de âmbito federal, no entanto, cita que as distribuidoras, consumidores livres, produtores, autoprodutores, importadores, autoimportadores e os comercializadores “poderão exercer a atividade de comercialização de gás natural, por sua conta e risco, mediante autorização outorgada pela ANP”. Os consumidores pedem também a retirada de uma série de obrigações atribuídas aos comercializadores;
- que o marco legal do gás no Rio Grande do Norte inclua a existência de uma TMOV-E, ou seja, uma tarifa específica para os consumidores livres atendidos por dutos dedicados, construídos especificamente para abastecer um usuário;
- que a lei obrigue a Arsep a realizar processo de Revisão Tarifária para aprovação da metodologia e cálculo da margem de distribuição da tarifa de movimentação (TMOV) a ser praticada pela distribuidora no ciclo tarifário seguinte, dando ampla publicidade e transparência a este processo e à estrutura tarifária definida;
- que, na situação em que os gasodutos dedicados sejam construídos pelo consumidor livre, o investimento em questão não seja contabilizado na base de ativos da concessionária;
- que a classificação de gasodutos de distribuição respeite o disposto na Nova Lei do Gás, de âmbito federal. A proposta original do governo potiguar abre espaço para que os gasodutos que se conectam diretamente a terminais de GNL e unidades de processamento ou tratamento de gás, por exemplo, sejam classificados como dutos de distribuição. A legislação federal estabelece que gasodutos que conectam instalações de distribuição às unidades de processamento ou de tratamento, de estocagem ou a um terminal de GNL “serão classificados nos termos da regulação da ANP”.
Este tema, em específico, é um dos principais pontos de judicialização do setor, hoje. A ABPIP, por exemplo, pretende acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), entre maio e junho, contra Lei do Gás do Ceará (Lei nº 17.897/2022). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) questionará, dentre outros pontos do marco legal cearense, a competência estadual para classificação dos gasodutos de distribuição.
O caso se assemelha ao impasse que envolve a regulamentação do mercado de gás de São Paulo. A diretoria da ANP decidiu acionar a Justiça para derrubar o decreto de João Dória (PSDB), que criou regras locais de classificação de gasodutos, em julho de 2021.
Mercado potiguar ganha novo dinamismo
O debate sobre a criação de uma lei estadual para o mercado livre potiguar acontece num momento importante de diversificação do setor no Rio Grande do Norte.
Com a venda dos campos maduros da Petrobras, o estado ganhou novos atores nos últimos anos, com destaque para a PetroReconcavo, operadora do polo Riacho da Forquilha, e a 3R Petroleum, dona do polo Macau e que tem contrato assinado para aquisição do polo Potiguar.
Essa diversificação permitiu à distribuidora estadual de gás canalizado, a Potigás, deixar de comprar gás natural da Petrobras em 2022.
O contrato com a PetroReconcavo possibilitou um ganho de competitividade para a concessionária local — acentuado pelo reajuste de 50% implementado pela Petrobras em janeiro, nos novos contratos assinados com as distribuidoras estaduais.
A entrada da PetroReconcavo no mercado potiguar de gás só foi possível graças ao acesso da companhia à UPGN de Guamaré (RJ), depois de muitas negociações com a Petrobras e mediação da ANP na resolução dos conflitos entre as partes. Ao fim, a abertura da unidade de processamento potiguar funcionou como uma espécie de laboratório para o acesso de infraestruturas essenciais a terceiros no processo de abertura do mercado brasileiro.
Além de supridores do mercado cativo, os novos produtores da Bacia Potiguar despontam como atores potenciais da abertura do mercado no Rio Grande do Norte.
A PetroReconcavo já manifestou o interesse em fornecer gás para o mercado livre. A 3R também se posicionou como produtora relevante de gás no estado, mas o recurso será usado, prioritariamente, para a maximização da produção de petróleo nos campos operados pela companhia.