Diálogos da Transição

Investidores internacionais querem financiar descarbonização do Brasil, mas enfrentam escassez

Estudo da Janus Henderson sugere que demora do governo e de planos das empresas atrasa financiamento climático

Investidores internacionais querem financiar descarbonização do Brasil, mas enfrentam escassez. Na imagem: Vista aérea de emissões poluentes sendo lançadas na atmosfera em complexo industrial, em uma grande cidade (Foto: Marcin Jozwiak/Pixabay)
De US$ 1 trilhão em emissões climáticas globais, apenas US$ 45 bilhões das emissões de mercados de capitais de dívidas internacionais vieram da América Latina, diz Janus Henderson (Foto: Marcin Jozwiak/Pixabay)

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Diálogos da Transição

eixos.com.br | 07/03/22

Editada por Nayara Machado
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Estudo da gestora de ativos Janus Henderson sugere que a demora do governo brasileiro e de empresas do setor privado para criar planos de investimentos rumo à neutralidade de emissões é a razão pela qual países latino-americanos estão atrasados no financiamento climático quando comparados a outros mercados.

O grupo analisou um mercado global de US$ 1 trilhão em emissões climáticas — incluindo títulos verdes (green bonds) e instrumentos sustentáveis — e identificou que apenas US$ 45 bilhões das emissões de mercados de capitais de dívidas internacionais vieram da América Latina.

Essas emissões foram para títulos verdes (US$ 26 bilhões), energia renovável e financiamento climático (US$ 17 bilhões) e títulos de sustentabilidade (US$ 2,8 bilhões).

A questão não é de demanda, mas de oferta — há poucos países latino-americanos que emitiram quantias significativas de dívida sustentável em moeda forte”, diz Jennifer James, gerente de Portfólio de Dívidas de Mercados Emergentes da Janus Henderson.

A especialista destaca que nem mesmo o Brasil, que tem sido um dos poucos emissores ativos no espaço de renda fixa, chegou perto da quantia necessária para os financiamentos de dívidas.

De acordo com o levantamento, o Brasil é o segundo maior emissor de títulos climáticos na região, com emissão total de US$ 8,7 bilhões — mas a escala de seu financiamento verde é pequena devido ao tamanho do país.

Já o Chile é o principal emissor, com US$ 9 bilhões em títulos em circulação.

O relatório também aponta o potencial de investimento no setor energético da região, com destaque para países que já têm uma matriz com alta participação de renováveis, como Haiti (76,2), Guatemala (64,1), Uruguai (60,7), Paraguai (59,2), Honduras (50,1) e Brasil (47,1%).

“Os investidores internacionais estão mais interessados em investir em novos projetos de energia para aumentar ainda mais esta porcentagem”, diz o documento. Veja na íntegra (.pdf)

A previsão da Agência Internacional de Energia é de 34% de aumento na produção a partir de renováveis nos próximos cinco anos na América Latina, passando de 278 gigawatts no final de 2020, para 374 GW, até o final de 2026.

“Quando se trata de financiar as iniciativas de descarbonização, acreditamos que os governos soberanos tenham um papel maior a desempenhar; os países podem aumentar a dívida em níveis menores e ajudar a estabelecer uma taxa de referência para outras entidades”, completa James.

Ela também alerta para a diferença entre disposição e capacidade de descarbonizar a economia.

“As nações em desenvolvimento precisam de apoio, que obviamente poderia vir de subsídios multilaterais, mas que também pode assumir a forma de transferências de tecnologia ou outros meios não financeiros”.

No mundorelatório (.pdf) divulgado na semana passada pelo CDP, organização que criou um padrão para empresas e investidores reportarem dados climáticos, mostra que apenas quatro mil empresas, dentre 13 mil que divulgaram seus dados climáticos em 2021, têm um plano alinhado com meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

E menos de 1% delas (135) relatou todos os 24 indicadores considerados chave para que seus planos de transição sejam classificados como confiáveis.

Outro relatório alarmante divulgado na semana passada veio das Nações Unidas. E mostra que as consequências do aumento da temperatura global já estão impulsionando situações que ameaçam os direitos humanos, como conflitos e deslocamentos.

Nas regiões mais vulneráveis, o número de mortes por secas, enchentes e tempestades foi 15 vezes maior na última década do que nas regiões menos vulneráveis.

Os efeitos também são sentidos pelo setor produtivo. No Brasil, o PIB agropecuário teve retração de 0,2% em 2021, por conta das perdas causadas por secas e geadas no setor. Valor

Uma sinalização para os investidores de que a janela para investir em ativos “sujos” está fechando.

segundo volume do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, diz que ainda é possível evitar os resultados mais catastróficos das mudanças climáticas, mas mesmo com as reduções mais rápidas nas emissões de gases de efeito estufa, teremos que lidar com algum grau de agravamento do clima.

De acordo com análise do Observatório do Clima, o documento destinado a tomadores de decisão teve suas mensagens diluídas em relação ao rascunho inicial, colocado em discussão em 14/1 entre os membros do painel e os representantes de 196 países.

“Vários dados sobre impactos foram eliminados e a expressão ‘injustiça climática’, que seria uma inovação nos alertas do IPCC, desapareceu do texto. A menção a ‘países mais vulneráveis’ e ‘países menos vulneráveis’ também foi alterada para um termo mais genérico, ‘regiões’, que evita responsabilização individual”.

No entanto, a manutenção da expressão “perdas e danos”, à qual os EUA se opunham, foi uma vitória do painel e deve ajudar a pautar as discussões sobre o tema na COP27, a conferência do clima do Egito, no fim deste ano.

A conferência anual da ONU para o Clima deve discutir o financiamento a perdas e danos decorrentes de impactos climáticos aos quais já não cabe adaptação.

“A grande mensagem do Grupo 2 do IPCC neste relatório é que a mudança climática é um brutal agravador de desigualdades e um perpetuador de pobreza”, afirma Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima.

“A justiça climática precisa entrar na ordem do dia, e esse relatório é a demonstração mais cabal já feita de que já estamos vivendo um contexto de injustiça climática, onde os impactos adversos de eventos climáticos extremos variam por diferenças na exposição e vulnerabilidade, com regiões como a África e a América Latina sendo desproporcionalmente afetadas”.

Para a agenda

Nesta quarta (9/3), mais de 230 organizações da sociedade civil e movimentos sociais se juntarão a um grupo de cerca de 40 artistas para o Ato pela Terra, em Brasília. O evento está marcado para as 15h, em frente ao Congresso Nacional.

O grupo de artistas entregará ao presidente do Senado um pedido para que nenhum dos projetos do “combo da morte” seja votado até que esteja alinhado “com a ciência, com as demandas das populações tradicionais e à luz da emergência climática”.

O evento foi convocado pelo cantor Caetano Veloso em protesto contra um conjunto de projetos de lei em tramitação que pode anistiar a grilagem, extinguir na prática o licenciamento ambiental e aumentar a invasão de terras indígenas.

Já na quinta (10/3), o Instituto E+ realiza o webinar Economia Política da Transição Energética: Desafios e oportunidades no mercado de trabalho de energia para as mulheres no Brasil.

Celia García-Baños (programme officer na IRENA) e Fabiola Sena (cofundadora na Head Energy) vão abordar oportunidades e desafios para as mulheres na transição energética e compartilhar suas experiências. O encontro será moderado por Alice Amorim (Humboldt Chancellor Fellow e presidente do Conselho Administrativo do Instituto E+).

Em debate: Igualdade de gênero para a perspectiva da transição energética e como aproveitar esse potencial para criar novos empregos (verdes) e promover o empoderamento das mulheres.

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