Uma análise da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) divulgada nesta quinta (3/2) indica que a União Europeia poderia reduzir suas importações de gás natural russo em mais de um terço no prazo de um ano, por meio de uma combinação de medidas consistentes com o Green Deal Europeu.
A dependência do gás natural importado da Rússia tomou os holofotes das discussões sobre segurança energética do bloco após a invasão russa da Ucrânia.
O plano de 10 pontos da IEA para reduzir a dependência da União Europeia do gás natural russo inclui uma série de ações complementares que podem ser tomadas nos próximos meses, como recorrer a outros fornecedores e fontes de energia e acelerar os esforços para fornecer alternativas limpas e eficientes ao gás natural.
Além disso, propõe que nenhum nenhum novo contrato de gás com a Rússia seja assinado.
Em conjunto, essas medidas poderiam reduzir as importações em mais de 50 bilhões de metros cúbicos, ou mais de um terço, dentro de um ano, estima a IEA.
O cálculo leva em consideração a necessidade de reabastecimento adicional das instalações europeias de armazenamento de gás em 2022.
Em 2021, a União Europeia importou 155 mil milhões de metros cúbicos de gás natural da Rússia. O volume corresponde a cerca de 45% das importações de gás da UE e cerca de 40% do seu consumo.
Segundo a agência, as medidas são consistentes com o Pacto Ecológico Europeu e o pacote Fit for 55, abrindo caminho para novas reduções de emissões nos próximos anos.
“Ninguém mais tem ilusões. O uso da Rússia de seus recursos de gás natural como arma econômica e política mostra que a Europa precisa agir rapidamente para estar pronta para enfrentar a incerteza considerável sobre o fornecimento de gás russo no próximo inverno”, diz Fatih Birol, diretor executivo da IEA.
Ontem (2), o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou um plano de resiliência para o país, e o governo trabalha em um conjunto de medidas para garantir segurança energética, afirma Barbara Pompili, ministra da Transição Ecológica da França, que atualmente ocupa a presidência da UE
“Mais do que nunca, é essencial se livrar dos combustíveis fósseis russos e dos combustíveis fósseis em geral. O que está em jogo é a necessidade de acelerar a luta contra as alterações climáticas e, como podemos ver agora, a segurança energética a curto prazo do continente europeu”.
A ministra também diz que as propostas da IEA serão analisadas em detalhes, e que poderão convergir com o plano francês.
Já Kadri Simson, comissária europeia para a Energia, afirma que a Comissão Europeia vai propor, na próxima semana, um caminho para a Europa tornar-se independente do gás russo “o mais rapidamente possível”.
“A análise da IEA descreve uma série de passos concretos que podemos tomar para atingir esse objetivo”, comenta.
O relatório da IEA observa que outros caminhos estão disponíveis para a UE se desejar ou precisar reduzir a dependência do gás russo ainda mais rapidamente – mas com compromissos significativos.
A principal opção de curto prazo envolveria deixar de consumir gás no setor de energia por meio do aumento do uso da frota a carvão da Europa ou usando combustíveis alternativos, como petróleo, nas usinas a gás existentes — alternativa que vai na contramão de compromissos climáticos para abandono de fósseis.
No entanto, esses combustíveis podem deslocar grandes volumes de gás com relativa rapidez, avalia o estudo, reduzindo em mais de 80 bilhões de metros cúbicos a dependência do gás russo.
Os 10 pontos:
- Não assinar nenhum novo contrato de fornecimento de gás com a Rússia, o que permitiria diversificação maior da oferta este ano e além;
- Substituir gás russo por fontes alternativas. Como efeito, haveria um aumento do suprimento de gás não russo em cerca de 30 bilhões de metros cúbicos em um ano;
- Introduzir obrigações mínimas de armazenamento de gás, aumentando a resiliência do sistema de gás no próximo inverno;
- Acelerar a implantação de novos projetos eólicos e solares. O impacto estimado é a redução do uso de gás em 6 bilhões de metros cúbicos em um ano;
- Maximizar a geração de energia a partir de bioenergia e nuclear. O potencial de redução do uso de gás é calculado em 13 bilhões de metros cúbicos em um ano;
- Decretar medidas fiscais de curto prazo sobre lucros inesperados para proteger consumidores de eletricidade vulneráveis de preços altos;
- Acelerar a substituição de caldeiras a gás por bombas de calor. A medida poderia reduzir o uso de gás em mais dois bilhões de metros cúbicos em um ano;
- Acelerar as melhorias de eficiência energética em edifícios e indústria. Potencial de corte de mais 2 bilhões de metros cúbicos em um ano, aproximadamente;
- Incentivar uma redução temporária do termostato de 1°C pelos consumidores. Isso cortaria o consumo de gás em cerca de 10 bilhões de metros cúbicos/ano;
- Intensificar os esforços para diversificar e descarbonizar as fontes de flexibilidade do sistema de energia, afrouxando os fortes vínculos entre o fornecimento de gás e a segurança elétrica da Europa
Conflito leva preços de óleo e gás a máximas
A invasão da Ucrânia, Kiev por tropas russas começou na semana passada (24/2) pressionando os preços de combustíveis e fertilizantes ao redor do mundo.
A Rússia é uma das maiores produtoras mundiais de petróleo e a principal fornecedora de gás natural para a União Europeia, que tenta por meio de sanções econômicas frear a ofensiva russa.
Em relação ao gás natural, os preços do contrato do TTF alcançaram na semana passada EUR 127,3 MWh, maior valor desde dezembro de 2021, segundo levantamento da consultoria StoneX.
O preço já andava em patamares elevados desde o ano passado, devido a cortes no fornecimento do gás por parte da Rússia e menor estoque dos países europeus.
A situação pode ser agravada com possíveis danos à estrutura de gasodutos que ligam a Rússia à União Europeia, e que passam por território ucraniano.
Nesta quinta (3/2), o petróleo do tipo WTI, referência americana, estava sendo negociado no nível mais alto desde 2008 enquanto o Brent, referência global, atingiu sua máxima desde 2013.