O governo tinha tudo preparado para conseguir passar no último dia 12 o substitutivo do Projeto de Lei 6.407/2013, do deputado Marcus Vicente (PP/ES), na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Era o último ato programado para o Gás para Crescer, lançado em meados de 2016, ainda este ano.
Logo cedo a Petrobras soltou para a imprensa uma carta aberta de apoio ao projeto. “A convergência de visões dos agentes na grande maioria dos aspectos debatidos aponta para um mercado competitivo, com uma diversidade de participantes que contribuam para seu desenvolvimento, propiciando a adequada remuneração de investimentos e transações comerciais e aprimorando o atendimento aos consumidores”, diz o texto.
A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, em carta assinada pelo seu presidente Eduardo Eugênio Gouveia Vieira, encaminhou apoio ao projeto, destacou a urgência da sua votação e ofereceu ao ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, suporte com informações e esclarecimentos.
E por qual razão não conseguiu?
1 – Falta consenso sobre a regulação da ANP do mercado livre
O governo sabia que enfrentaria resistência. Desde que começou a tocar o projeto Gás para Crescer conseguiu convergir em vários temas, mas teve muita dificuldade em chegar em consenso em outros. A regulação do mercado livre de gás pela ANP é um desses pontos. A constituição prevê que os estados são responsáveis por essa atividade e tirar esse poder das mãos dos governadores na véspera de uma eleição não parece nada simples.
Desde as discussões internas do Gás para Crescer, ainda no Ministério de Minas e Energia, sabia-se que não havia consenso em alguns temas. A própria Abegás, associação que representa as distribuidoras de gás natural, acabou se retirando das discussões.
2- Distribuidoras e estados mobilizaram bancadas
As distribuidoras de gás natural se moveram para evitar isso dentro do Câmara. Têm capacidade de mobilizar bancadas estaduais. O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) afirmou ao Valor Econômico ter recebido, na véspera da votação, um alerta do governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), de que o projeto poderia trazer prejuízos às distribuidoras estaduais. O estado trabalha para realizar, junto com o BNDES, a privatização da distribuidora local no segundo semestre de 2018. Vender a empresa sem o monopólio da regulação pode significar perda de valor.
O deputado José Carlos Aleluia entrou com requerimento para alterar a tramitação do projeto junto à mesa diretora da Câmara. O parlamentar pediu e conseguiu a redistribuição do PL para a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. Aleluia tem forte interlocução com as distribuidoras de gás e já havia tentado passar na MP do Repetro quatro emendas para retirar da base de cálculo do PIS e Cofins os valores envolvendo os contratos firmados para o transporte e distribuição do gás natural.
3 – Indústria petroquímica também mobilizou bancada
A indústria petroquímica, em busca do gás natural barato para uso como matéria-prima, também se moveu. O deputado Davidson Magalhães (PCdoB/BA), que já foi presidente da distribuidora de gás natural da Bahia, a Bahiagás, apresentou uma série de emendas ao substitutivo para criar um programa de incentivo do uso do gás como matéria-prima. As emendas acabaram não sendo aprovadas pelo relator no projeto. Aliás, nenhuma das 31 emendas apresentadas na Comissão de Minas e Energia foi aceita.
4 – Gas-to-wire sem as distribuidoras
Em julho deste ano, ficou claro que a Petrobras e as demais produtoras de gás natural queriam fazer uma mudança na legislação para que projetos gas-to-wire, onde uma termelétrica é implantada próxima ao campo produtor de gás natural para viabilizar a produção do energético, não fossem considerados como “serviço local de gás canalizado” e, portanto, sem a obrigação de interveniência da distribuidora de gás local.
A proposta foi descrita na contribuição feita pela empresa na consulta pública do Projeto Reate (Programa de Reativação das Atividades de E&P em áreas terrestres), que é comandado pelo Ministério de Minas e Energia. A petroleira alegava que a cobrança do serviço de distribuição de gás natural neste modelo de negócio gera distorções.
O primeiro problema apontado é que geralmente as instalações são construídas pelo próprio produtor, ficam dentro das instalações industriais da própria empresa e depois acabam transferidas para a distribuidora, como é o caso da Eneva, que teve que transferir um gasoduto para a Gasmar, na Bacia do Parnaíba.
O governo acabou fechando questão a favor da proposta da Petrobras. O entendimento interno no MME é que texto do substitutivo buscou efetuar a separação entre as atividades de distribuição, que compreende a movimentação de gás em dutos, e de comercialização, relacionada à compra e venda do gás natural. Essa definição não pretende, ainda na avaliação do governo, atingir a competência estadual para a prestação dos serviços locais de gás canalizado, nos termos do 2o. do art. 25 da Constituição Federal.
5 – Alto grau de judicialização
O texto do substitutivo prevê que a distribuição de gás natural é um serviço público que acontece em rede. Como esses projetos não estão ligados em rede estariam fora dessa regulação.
A Abegás já ameaçou ir à Justiça. O diretor da ANP, Césário Cecchi, um especialista em gás natural, disse logo após tomar posse que o tema tem “potencial de judicialização um pouco elevado”.
Dois dias antes da votação, uma reunião na CME da Câmara dos Deputados, deixou o governo mais confiante da aprovação do mérito da proposta. O entendimento parecia estar próximo. Nos bastidores, contudo, havia articulação forte para deixar a matéria para 2018.
6 – O inesperado – fator Eunício
Quem conhece um pouco do Congresso Nacional sabe que este tema terá muita dificuldade para ser aprovado em um ano em que se elegem governadores. Um dos candidatos será o próprio ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, que disputará o governo de Pernambuco.
Mesmo assim o governo seguia confiante. Só não contava com a decisão do presidente do Senado, Eunício Oliveira, de presidir a sessão conjunta do Congresso na mesma data da reunião da CME que votaria o substitutivo do deputado Marcus Vicente (PP/ES). O presidente do Senado decidiu por si só que votaria a LOA de 2018 e com isso antecipou as férias dos senadores e deputados.