Se o Brasil quiser descarbonizar sua economia e efetivamente cumprir os compromissos internacionais, como o Acordo do Clima de Paris, será necessário ratear os custos de acordo com o consumo, afirma Erasmo Carlos Battistella, CEO da BSBIOS, maior produtora de biodiesel do país.
Em entrevista à epbr, o executivo argumenta que o repasse do custo de descarbonização para o consumidor – como acontece em economias liberais – seria a forma mais democrática de pagar a conta da transição.
“Aqui no Brasil, parece que estamos com medo de ter essa discussão. Isso independe de governo. Estamos em uma corrida contra o tempo para a redução de gases de efeito estufa, aumentando a necessidade de energia. Para essa conta fechar, vai ser preciso muito investimento. E não vai ser só do governo. A sociedade também precisa contribuir”.
Erasmo cita como exemplo as companhias aéreas, que já começaram a informar quanto o cliente paga pelas medidas de descarbonização – o setor já se movimenta para cumprir o Corsia (programa para a redução e compensação de emissões de CO2 da aviação internacional).
“Não há outra forma. É inviável os países bancarem isso com dinheiro do tesouro, porque não é só uma vez que paga. É uma conta a ser paga todos os dias em que se consome energia”.
Nos últimos dois anos, a indústria de biodiesel vem sofrendo com as medidas do governo para tentar conter a alta do preço do diesel ao consumidor final.
O cronograma com percentual mínimo de adição de biodiesel no diesel não é cumprido integralmente desde 2020, em um dos reflexos da pandemia de covid-19.
A alta no preço das commodities elevou o preço do óleo de soja – principal matéria-prima do biodiesel – impactando o custo do biocombustível, que chegou a ultrapassar R$ 7/litro durante negociações em abril do ano passado.
Levantamento de janeiro da ANP, mostra o preço médio do biodiesel a R$ 6,52 por litro, na semana de 10 a 16/01/2022.
Como medida para tentar segurar o preço do diesel B (diesel + biodiesel), o governo Bolsonaro definiu para 2022 o percentual de mistura de 10% do biocombustível ao diesel fóssil. Decisão que, segundo Battistella, foi política, porque o preço do diesel não reduziu.
“Tanto não reduziu que o governo está novamente retirando impostos”, diz Battistella.
A decisão do CNPE foi judicializada.
A cúpula do governo está articulando com o Congresso Nacional uma PEC para tirar projetos antigos do papel: recursos para subsidiar a venda de diesel B, com a formação de um fundo e alterações tributárias. Jair Bolsonaro (PL) já promete “zerar” impostos nesse ano eleitoral.
Na visão de Erasmo Battistella, que acaba de voltar da National Biodiesel Conference & Expo 2022, em Las Vegas, nos Estados Unidos, o Brasil deveria seguir o exemplo do maior mercado global de biocombustíveis.
“O exemplo mais relevante [dos EUA] é do estado da Califórnia, onde a mistura média está em B20 e H8, ou seja, 20% de biodiesel e 8% de HVO [diesel verde]. Também na Califórnia bombas nos postos de combustível vendem o R95 – com 95% de diesel renovável e 5% de biodiesel. E a Califórnia pretende até 2035 não utilizar mais combustíveis fósseis”.
O estado tem um programa de descarbonização cujo modelo inspirou a política brasileira de biocombustíveis, o RenovaBio.
Ao invés de fixar um percentual de mistura de biocombustíveis, a política é baseada na intensidade de carbono e os biocombustíveis são utilizados para cumprir as reduções de emissões.
‘Setor precisa se unir’
Com as mudanças em curso este ano no setor de biodiesel – como o novo modelo de comercialização e introdução de novos combustíveis do ciclo diesel – Battistella defende a união das quatro associações que hoje representam a cadeia produtiva em uma organização única, para englobar também o diesel verde e o SAF (combustível sustentável de aviação).
“Hoje tem quatro associações e isso não é bom para o setor”. E cita como exemplo a recente troca de nome da National Biodiesel Board, dos EUA, para Clean Fuels Alliance America com objetivo de reforçar o posicionamento dos biocombustíveis avançados no país.
Tanto o biodiesel, quanto o diesel verde e o SAF são produzidos a partir da mesma matéria-prima, por isso a necessidade de uma associação para trabalhar essas pautas juntas, explica.
“O Brasil vai precisar instituir esses combustíveis porque sem o HVO não tem SAF. E sem SAF não vai cumprir o Corsia. É uma questão de tempo. Se nós ficarmos perdendo tempo, não vamos atender o Corsia e, em 2027, vamos ter que trazer SAF importado do Paraguai, Europa, EUA”.
‘Se estão achando biodiesel caro, vão ver quando chegar o hidrogênio’
Tanto o HVO quanto o SAF precisam de hidrogênio na sua produção.
“Se o pessoal está achando que o biodiesel é caro, quando souberem o preço do HVO e do hidrogênio, aí vão ver o que é caro”.
Hoje o HVO no mundo custa o dobro do biodiesel, enquanto o hidrogênio [verde] custa de 4 a 5 vezes mais por quilômetro rodado.
“É preciso esclarecer isso para a sociedade, porque estão colocando como uma oportunidade, e é uma oportunidade ambiental, mas vai ter um custo maior ainda do que tem os biocombustíveis atuais, o etanol e o biodiesel”.
E, apesar do potencial brasileiro para ser um grande produtor de combustíveis avançados, ainda não há previsão para o início desse mercado no país.
“Sem um marco regulatório muito forte, principalmente agora com o que aconteceu com o biodiesel, ninguém vai investir. O governo quebrou um elo de confiança e o empresário faz essa conta. É o retorno versus o risco”.