Às vésperas do ano novo, em 31 de dezembro, a Comissão Europeia apresentou um plano para incluir projetos de gás natural e energia nuclear na taxonomia de financiamento sustentável da União Europeia (UE).
A taxonomia da UE é uma ferramenta que possibilita aos investidores aportar recursos em projetos de transição para uma economia de baixo carbono.
“A Comissão considera que o gás natural e a nuclear desempenham um papel fundamental para facilitar a transição para um futuro predominantemente baseado nas renováveis”, disse em nota.
Um rascunho preliminar da proposta, segundo a Reuters, rotularia como verde usinas nucleares com licenças de construção antes de 2045 e que possuam um plano e local para descarte de resíduos radioativos com segurança.
Já no caso de usinas de gás natural, elas deveriam seguir alguns critérios como: ter emissões abaixo de 270g de CO2 equivalente por quilowatt-hora (kWh); substituir uma usina de combustível fóssil mais poluente; receber uma licença de construção até 31 de dezembro de 2030 e possuir um plano de transição para gases de baixo carbono até o final de 2035.
A metas do bloco incluem a redução de, pelo menos, 55% das emissões em relação aos níveis de 1990 e atingir a neutralidade climática em 2050.
A proposta tem simpatia de países como a França, que vem apostando na expansão da capacidade nuclear do país para alcançar a neutralidade de carbono, além de Hungria e República Checa.
O ministro de assuntos europeus da França, Clément Beaune, disse ao The Guardian que a proposta era boa em um nível técnico e que a UE não poderia alcançar sua meta de neutralidade de carbono até 2050 sem a energia nuclear.
Em novembro do ano passado, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou a construção de novos reatores nucleares para diminuir a dependência de países estrangeiros no abastecimento de energia e cumprir as metas contra o aquecimento global.
Investimentos estão longe do necessário. Para alcançar as metas do Acordo de Paris e limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC até 2100, o mundo vai precisar investir quase US$ 6 trilhões na transição para economia de baixo carbono.
Entre 2019 e 2020, o financiamento do clima atingiu US$ 632 bilhões, aponta o Laboratório Global de Inovação em Finanças Climáticas (Lab).
Resistência inclui ameaça de levar proposta aos tribunais
A decisão final sobre a classificação das fontes deve ser tomada em até quatro meses. Uma possibilidade é o veto.
O governo da Áustria ameaçou processar a Comissão caso a proposta siga adiante.
“Vamos examinar o projeto atual com cuidado e já encomendamos um parecer jurídico sobre a energia nuclear na taxonomia. Se esses planos forem implementados desta forma, iremos processar”, afirmou Leonore Gewessler, ministra da Ação Climática do país.
Segundo ela, nem o gás nem a nuclear pertencem à taxonomia “porque são prejudiciais ao clima e ao meio ambiente e destroem o futuro de nossas crianças”.
Além do teor da proposta, a Comissão também foi criticada pela maneira como ela foi feita, às vésperas do ano novo sem participação popular.
O ministro de Energia de Luxemburgo, Claude Turmes, classificou a atitude como uma “operação noturna e nebulosa” e descreveu o projeto como uma provocação.
A Comissão também foi criticada pelo pouco tempo hábil para receber propostas dos Estados-Membros, que terão até o dia 12 de janeiro para enviar suas contribuições – ou seja, apenas oito dias úteis.
“Para gás fóssil e nuclear, temos um documento escrito a portas fechadas e publicado na véspera de Ano Novo. Se a UE está confiante nesta proposta, deve realizar uma consulta pública”, disse Henry Eviston, porta-voz de finanças sustentáveis do WWF European Policy Office, que integra o grupo de taxonomia da UE.
No caminho contrário, a Alemanha anunciou que irá fechar mais três usinas nucleares até a próxima sexta-feira, seguindo o cronograma que prevê a extinção dessa fonte de energia até o fim de 2022.
Para o ministro das Finanças e Proteção Climática e vice-chanceler da Alemanha, Robert Habeck, o plano apresentado pela Comissão Europeia, para inclusão de nuclear e gás natural em financiamento sustentável consistiria na prática de greenwashing.
Segundo ele, medidas como essa apresentada pela Comissão “enfraquecem o bom rótulo de sustentabilidade”. Além disso, Habeck disse que é “questionável se este greenwashing terá aceitação no mercado financeiro”.