O autor do PL 528/21, que cria um mercado brasileiro de créditos de carbono, deputado federal Marcelo Ramos (PL/AM), confia que será possível chegar a um acordo para aprovar o projeto na quarta (3).
O deputado, que também é vice-presidente da Câmara, reconhece que a agenda é difícil, com a pauta dos precatórios, mas defende a urgência do tema como uma ação efetiva do Brasil durante a COP26, que iniciou nesse domingo (31) em Glasgow, na Escócia.
“As primeiras manifestações do Brasil são absolutamente frustrantes e incompatíveis com as ambições que foram geradas em relação ao país a partir do Acordo de Paris e da perspectiva de aprovação do Artigo 6”, afirma Marcelo Ramos.
O governo elevou de 43% para 50% a redução de emissões de gases de efeito estufa até 2030, com base no volume de emissões de 2005. A nova contribuição nacionalmente determinada (NDC) à ONU, também estabelece que o país deverá atingir neutralidade de carbono até 2050.
Foi um realinhamento com planos originais, que haviam sido desidratados no governo Bolsonaro.
O Artigo 6 é um tema central da COP26: a regulamentação de regras para um intercâmbio internacional de créditos de carbono, um dos mecanismos previstos no Acordo de Paris. Para cumprir os prazos, as negociações precisam ser concluídas este ano.
Ramos participou da live Estratégia ESG – De olho na COP26, promovida pela agência epbr e pela Alter Conteúdo.
Pauta verde da Câmara
A versão mais recente do projeto propõe a criação de um sistema de comércio de emissões, análogo ao que é praticado no exterior, a exemplo do ETS europeu. O texto final, contudo, ainda é negociado.
“O problema é que o governo quer já estabelecer a modelagem desse mercado regulado. E entendemos que a modelagem apresentada por eles é muito ruim”, diz.
O plano é ter um período de transição, de dois anos (em versões do texto, já chegou a cinco), para regulamentação infralegal do mercado e, assim, chegar a um consenso na Câmara.
A tentativa de restringir o texto a regras de compensação voluntária foi superada, diz Ramos.
“A tese do Arthur Lira [presidente da Câmara dos Deputados], influenciado pelo governo, era legislar apenas sobre o mercado voluntário. Mas, se vamos regular um mercado voluntário, ele deixa de ser voluntário. Precisamos estabelecer um mercado regulado”.
Um ponto defendido por Ramos é garantir a remuneração do emissor dos créditos, em alguns casos, em negociações subsequentes.
“A ideia que não importa se o crédito será negociado no mercado secundário, terciário, seja o que for… Sempre terá um mecanismo de reversão para a população que ocupa a área preservada”.
Além do projeto de Marcelo Ramos, está no radar da Câmara dos Deputados um texto aprovado no Senado, de Kátia Abreu (PP/TO), que antecipa a metas de controle do desmatamento para 2025, mas reduz a ambição climática brasileiras em termos de emissões, o que precisa ser corrigido, de acordo com o deputado.
E um texto de Rodrigo Agostinho (PSB/SP), da bancada ambientalista, que inclui a sustentabilidade climática como direito fundamental.
“A semana acabou comprometida por essa obsessão da PEC dos Precatórios e, sinceramente, não sei se haverá espaço”, ponderou Marcelo Ramos.
A ideia de Ramos com a aprovação do PL 528 é mostrar ao mundo que o Brasil está promovendo ações efetivas contra as mudanças climáticas e pela regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que cria um mercado global de carbono.
Assim, o projeto aprovado poderia reverter as impressões da participação do governo brasileiro no primeiro dia de conferências da COP26, considerada decepcionante por muitos especialistas.
Plano climático precisa de mais transparência
O debate contou ainda com a participação de Fernanda Delgado, professora e Assessora Estratégica na FGV Energia, e Ronaldo Seroa da Motta, professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Para Fernanda Delgado, da FGV Energia, e Ronaldo Seroa, da Uerj, as falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do ministro do Meio Ambiente, Joaquim, sobre os compromissos do Brasil no segundo dia da COP26 mostraram que falta ao governo brasileiro mostrar efetivamente o que fará para atingir esses objetivos.
Ambos concordam que os discursos feitos à distância – Bolsonaro estava na Itália, e o ministro, no Brasil – foram superficiais e nada ousados.
“A nova meta de redução das emissões proposta pelo ministro (de 50% até 2030 em relação aos níveis de 2005, antes os 43% propostos anteriormente) não foi nada demais, foi apenas uma correção. Sobre energia, se coloca um aumento de 46% para 50% das renováveis, o que é absolutamente nada. Podemos fazer muito mais”, avalia Fernanda.
Seroa avalia que houve mudanças no posicionamento do Brasil de Paris para Glasgow.
“Para um país que negou o Acordo de Paris e fez pronunciamentos contra a mudança do clima, o Brasil ter aumentado sua meta agora significa que, enfim, há uma percepção de que as mudanças climáticas são um problema para o país, problema que vai ter que ser enfrentado. Vejo como algo positivo.”
Contudo, assim como Fernanda, o professor da Uerj espera que as falas se transformem em compromisso efetivos.
“O problema, mais uma vez, é como isso vai acontecer aqui no país. Estamos vivendo um desmantelamento da questão ambiental. É preciso, portanto, cobrar a factibilidade do que o governo está prometendo. O programa de crescimento verde precisa de mais detalhes. É preciso dizer também quais serão as mudanças nos incentivos e nos subsídios”.