A discussão sobre a antecipação da prorrogação do contrato de concessão da Comgás – maior distribuidora de gás do país – traz à luz um debate importante para o mercado de gás natural: qual a variável chave para aumentar a demanda de gás natural no Brasil?
A proposta de prorrogação da concessão está calcada na ideia de que novos mercados serão destravados pela expansão da malha de distribuição.
E ainda, que esses novos mercados seriam a âncora necessária para viabilizar novos projetos oriundos do pré-sal, incentivando, inclusive, a redução da taxa de reinjeção de gás nos campos produtores.
Nas palavras Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo, “a ampliação da disponibilidade de gás está condicionada à previsão de mercado consumidor, que em última instância depende da expansão dos gasodutos de distribuição como forma de ampliação do consumo, que está intrinsecamente relacionada a investimentos pelo concessionário dos serviços públicos locais, à luz do contrato de concessão”.
Para analisar a suposição, vamos olhar para o passado, considerando que é uma boa referência para prever o futuro.
Trata-se até de uma premissa conservadora, visto que os consumidores mais acessíveis já foram interligados e as expansões previstas no novo contrato abarcariam áreas menos atrativas.
Analisando o caso específico da Comgás, verificamos que nos últimos 13 anos a concessionária investiu quase R$ 8 bilhões, boa parte disso em expansão das redes e interligação de novos consumidores.
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E qual foi o comportamento da demanda?
No gráfico abaixo demonstra-se que a demanda andou de lado, com tendência negativa. Em 2008, a Comgás movimentou 4,9 bilhões de metros cúbicos (bcm) para os clientes não térmicos.
Essa cifra caiu para 4,5 bcm em 2019 (sendo que em 2020, o volume de gás vendido foi até menor, por causa dos efeitos da pandemia). Estes números parecem irrefutáveis para contrapor o argumento proposto para prorrogação da concessão.
Ou seja, não se vislumbra qualquer relação entre as variáveis “Expansão da Rede” e “Aumento de demanda”. Pior, estatisticamente, a correlação é negativa (-0,52).
Outro argumento utilizado pela concessionária durante a audiência pública é que a margem (ou tarifa) de distribuição vem caindo ao longo da concessão.
Esse argumento poderia ser suportado pelo fato de a expansão trazer novos clientes, como os residenciais, e que estes pagam valores unitários superiores e, por isso, estariam colaborando para a redução do custo médio para todos. Com isso, a margem de distribuição reduziria.
Infelizmente os dados não sustentam essa hipótese.
Na apresentação a Comgás tenta sustentar essa teoria ao pinçar a margem máxima da distribuidora do mês de abril/2004 para comparação.
O gráfico abaixo apresenta o comportamento dos últimos 12 anos da margem máxima – em termos reais, ajustado pelo IPCA. A linha de tendência (em vermelho) evidencia uma clara de elevação da margem máxima ao longo do tempo.
Os dados apresentados refutam as miraculosas projeções que subsidiam a prorrogação do contrato da Comgás.
Os consumidores estão incomodados e preocupados com a perspectiva de obrigação de investimentos que serão realizados pela concessionária, mas com risco alocado ao mercado consumidor.
Cabe ressaltar que nenhum agente da cadeia seria contrário a investimentos da concessionária se estes efetivamente se mostrarem viáveis.
E por viável entendemos: investimentos em expansão de rede que produzam aumento da demanda e redução tarifária para todos.
Como evidenciado, não é o caso da maior distribuidora de gás do país.
A experiência internacional demonstra que o aumento sustentável da demanda de gás só virá pela competitividade do custo final deste insumo.
Novas plantas industriais energointensivas só sairão do papel quando conseguirmos nos equiparar com outros países. A manutenção desse modelo de negócio – expansão a qualquer custo (até 2049!) – traz riscos não só para os consumidores, mas também para a própria concessão.
Ao flertar com a elevação das tarifas, incentiva a busca por energéticos alternativos por parte dos usuários. Dessa forma, ao invés de gás para todos, teremos gás para ninguém.
Adrianno Lorenzon é gerente de Gás Natural na ABRACE – Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres