O Brasil vem desperdiçando uma fortuna com a reinjeção do gás natural do pré-sal. Não se trata de um exagero. A cada ano, é jogado fora um potencial de R$ 8 bilhões.
Esse recurso, segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), corresponde à arrecadação a que estados e municípios teriam direito a receber caso o país não devolvesse para o subsolo 25% do total reinjetado atualmente – o equivalente a 15 milhões de metros cúbicos/dia.
A conta inclui participação especial, royalties e ICMS. Não é pouco dinheiro: R$ 8 bilhões, só como parâmetro, equivale ao orçamento de 2021 de uma cidade como Salvador — a quarta maior do país.
Hoje, essa renda não vem chegando à sociedade brasileira. Uma das principais razões é a insuficiência de infraestrutura.
Mesmo considerando a reinjeção por motivos técnicos, seria perfeitamente viável produzir esse volume de gás se o gasoduto Rota 3 já estivesse em operação.
Do lado da oferta, a falta de novas rotas de escoamento é um dos entraves.
Do lado da demanda, temos várias possibilidades de impulsionar o mercado de gás: a implementação de usinas térmicas com maior inflexibilidade e um plano estruturado para a adoção do gás natural em transporte de carga e de passageiros, a exemplo do que acontece na Europa, na América do Norte e até mesmo em vizinhos sul-americanos como Peru, Chile e Colômbia.
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“Nos últimos dez anos, o mercado de gás só cresceu graças às distribuidoras de gás natural canalizado”
Outro ponto importante, na geração de demanda, é valorizar o papel das distribuidoras: são elas que mantêm relação próxima com seus mercados e identificam oportunidades, conversam com os consumidores e propõem ofertas de valor para os clientes.
Isso vai muito além das aplicações mais usuais, mas se estende a soluções energéticas e automotivas — climatização, microcogeração e uso do GNV em frotas.
Realizar esse trabalho está na natureza da atividade de distribuição de gás canalizado.
Como em toda indústria de rede, o suprimento do serviço depende da implantação prévia da rede de distribuição e posterior coordenação dos fluxos, visando o ajuste da oferta e da demanda, sem colocar em risco a confiabilidade do sistema.
Nos últimos dez anos, o mercado de gás só cresceu graças às distribuidoras de gás natural canalizado. Entre 2011 e 2020, elas duplicaram a rede de distribuição, adicionando mais de 19.000 quilômetros de tubulações, ao passo que a malha de transporte estacionou nos cerca de 9.500 quilômetros.
Isso só foi possível com investimentos, que vêm ocorrendo em diversas regiões do País, sem exceção.
No Sul, no ano de 2020, a Sulgás elevou em 19,7% o volume de investimentos no Rio Grande na comparação com 2019, destinando R$ 41,5 milhões para expansão de rede canalizada, ligação de clientes, elaboração de projetos executivos e melhorias na área de TI e de Operações.
No Sudeste, os aportes anuais da Gasmig giram em torno de R$ 80 milhões, com projetos em fase de licitação ou de estudos de viabilidades técnica e financeira, inclusive projetos como o gasoduto que ligará Betim a Divinópolis, previsto para 2022.
No Nordeste, a Bahiagás vem avançando com o Gás Sudoeste, com extensão prevista de 306 quilômetros, interligando os municípios de Itagibá e Brumado, passando por Jequié e Maracás. O empreendimento está estimado em cerca de R$ 372 milhões, contabilizando as três etapas da obra.
Afora as obras, as distribuidoras vêm mostrando empenho em buscar novas opções de suprimento, mediante chamadas públicas para aquisição de gás, algumas delas feitas de forma conjunta e outras por conta própria.
Uma das iniciativas mais interessantes está no Ceará, com o crescimento da participação de gás natural renovável na matriz da Cegás, percentual que já chega a 17%.
No Paraná, a Compagas vem estudando com a Sanepar a possibilidade de aproveitamento do lodo excedente gerado no processo de tratamento de esgoto, visando a produção de biometano.
Em meio a esse conjunto de esforços, um dos passos mais animadores para fomentar o mercado de gás está na consulta pública aberta pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), em que se discute a proposta de prorrogação da concessão da Comgás.
Pela sua própria expressão, o estado de São Paulo é referência em diversos setores da economia nacional — e na cadeia de gás natural não poderia ser distinto.
Prorrogação do contrato da Comgás é um passo gigantesco para a universalização
Em 2001, São Paulo foi protagonista na expansão do uso de gás natural no País e, também, pelo sucesso da operação do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), iniciada em 1999.
À época, a Comgás distribuía 7 milhões de metros cúbicos de gás natural/dia, em média.
Hoje, movimenta, em média, 13 milhões de metros cúbicos/dia, com picos de até 16 milhões de metros cúbicos/dia, atendendo a mais de 2,1 milhões de usuários por intermédio de 19 mil quilômetros de rede que alcançam 92 cidades das regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas, da Baixada Santista e do Vale do Paraíba.
O trabalho de captação de novos clientes, além de levar os benefícios do gás canalizado a milhares de residências, colaborou para reduzir os impactos do recuo da demanda industrial ao longo de 2020, devido às restrições da pandemia.
A expansão do serviço de distribuição na área de concessão da Comgás permitiu ainda a redução da margem de distribuição em 18,5%, promovendo modicidade tarifária para todos os usuários.
A assinatura do 7º termo aditivo com a Arsesp, prorrogando o contrato, irá manter o ritmo de investimentos do concessionário, com previsão de R$ 1 bilhão anuais e extensão da rede de distribuição para mais 41 municípios e outros 2,3 milhões de clientes, um passo gigantesco para a universalização do serviço em todo o estado de São Paulo, uma vez que a antecipação da prorrogação do contrato de concessão estabelece a interconexão de redes de distribuição com as demais operadoras paulistas a partir de 2025.
A prorrogação, por fim, é um sinal positivo para impulsionar o mercado, especialmente em um cenário de redução da participação da Petrobras em diversos elos da cadeia produtiva da indústria do gás natural.
A manutenção de um operador experiente, com apetite de investimentos, traz uma contribuição relevante para o chamado Novo Mercado de Gás, que só se estabelecerá com mais demanda e mais oferta.
Marcelo Mendonça é diretor de Estratégia e Mercado da Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado)