Opinião

Lei nº 15.075/2024 e o conteúdo local no setor de óleo e gás

Lei traz mudança relevante na política de conteúdo local, mas será preciso acompanhar de perto seus efeitos para que a flexibilização não se transforme em concentração, escreve Alessandra Montet

Alessandra Montet, advogada do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados (Foto Divulgação)
Alessandra Montet, advogada do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados (Foto Divulgação)

Aprovada em 2024, a Lei 15.075/2024 trouxe mudanças significativas ao regime de conteúdo local aplicado aos contratos de exploração e produção de petróleo e gás no Brasil.

Essa legislação tem como objetivo flexibilizar as regras de conteúdo local, permitindo que as operadoras administrem de forma mais eficiente seus portfólios de contratos, enquanto se mantém o incentivo ao desenvolvimento da cadeia produtiva nacional.

Ela altera importantes leis no âmbito da exploração e da produção de petróleo, dentre elas a Lei 9.478/1997, que instituiu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A nova lei tem o condão de autorizar a transferência de excedentes de conteúdo local entre contratos para exploração e produção de petróleo e gás natural vigentes.

Os contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural incluem cláusulas de conteúdo local, determinando que parte dos bens e serviços adquiridos para tais atividades no Brasil seja nacional.

Esse mecanismo assegura a preferência pela contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas propostas apresentem condições equivalentes de preço, prazo e qualidade em relação aos demais participantes convidados.

A política de conteúdo local tem como finalidade fortalecer a participação da indústria brasileira de bens e serviços, em condições de competitividade, nos empreendimentos voltados à exploração e ao desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural.

Como resultado, pretende-se estimular a inovação tecnológica, ampliar a qualificação profissional e contribuir para a criação de empregos e geração de renda nesse mercado.   

Historicamente, a política de conteúdo local surgiu como instrumento regulatório para fortalecer a indústria nacional de bens e serviços do setor de óleo e gás.

A ANP estabeleceu os compromissos de conteúdo local já na 1ª Rodada de Licitações de blocos exploratórios, realizada em 1999, por meio de cláusula contratual específica inserida nos contratos de exploração e produção.

Nos primeiros leilões, até a 4ª Rodada, as empresas concorrentes tinham liberdade para propor os percentuais de utilização de bens e serviços nacionais, sendo esse fator considerado na pontuação das ofertas.

A partir das Rodadas 5 e 6, essa sistemática foi modificada, com a definição de percentuais mínimos obrigatórios, distintos conforme a localização dos blocos (em terra, águas rasas ou águas profundas).

Com a 7ª Rodada, novas mudanças foram incorporadas: passaram a existir limites mínimo e máximo para os percentuais de conteúdo local, além da divisão dos compromissos em itens e subitens, cada qual com peso definido pelo licitante.

Nesse mesmo período, foi criado o sistema de certificação, que delegou a organismos credenciados pela ANP a medição do conteúdo local de bens e serviços, conforme metodologia oficializada na Cartilha de Conteúdo Local.

Um marco relevante ocorreu na 14ª Rodada, em 2017, com a edição da Resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) nº 7. O conteúdo local deixou de ser critério de pontuação e os compromissos foram simplificados.

Para blocos terrestres, fixou-se a exigência de 50% tanto na fase de exploração quanto no desenvolvimento da produção.

Já para blocos marítimos, estipulou-se 18% na fase exploratória e percentuais específicos na etapa de desenvolvimento: 25% para construção de poços, 40% para sistemas de coleta e escoamento e 25% para unidades estacionárias de produção.

No ano seguinte, a Resolução ANP nº 726/2018 regulamentou três instrumentos contratuais adicionais: isenção (waiver), ajuste e transferência de excedentes. Essa norma possibilitou a adaptação de contratos em vigor ao novo modelo.

A isenção passou a ser aplicável em situações como ausência de fornecedores nacionais, preços ou prazos excessivos, ou utilização de novas tecnologias, sempre com consulta pública.

O aditamento foi facultado a todos os contratos ainda vigentes, aplicando-se apenas às fases não concluídas. O prazo para solicitar o aditamento encerrou-se em 10 de agosto de 2018, e os pedidos registrados podem ser consultados no portal da ANP.

Recentemente, em outubro de 2025, o CNPE aprovou os índices mínimos de conteúdo local para embarcações de apoio marítimo produzidas no Brasil.

As regras determinam que essas embarcações atinjam, no mínimo, 60% de conteúdo local global, com pelo menos 50% em dois dos três grupos de investimentos: engenharia; máquinas, equipamentos e materiais; e construção e montagem.

Exceções foram previstas para embarcações inovadoras, como as com motorização híbrida ou tecnologias sustentáveis equivalentes, que deverão cumprir índices mínimos de 50% global e 40% nos grupos selecionados.

Já a transferência de excedentes foi prevista na Resolução nº 726/2018 da ANP que permite que uma empresa contratante “compense” a sua obrigação de conteúdo local em um contrato, transferindo o excedente de um compromisso que ultrapassou o mínimo exigido para outro contrato ou outra fase da produção.

A principal inovação da nova lei de conteúdo local é a possibilidade de transferir excedentes de conteúdo local entre contratos vigentes de exploração e produção.

Ou seja, se uma operadora superar a exigência mínima em determinado contrato, poderá utilizar esse excedente para cumprir obrigações em outro contrato da mesma empresa.

Para que essa transferência seja válida, os contratos devem estar em vigência, as fases contratuais precisam ser compatíveis, os bens e serviços devem pertencer a macrogrupos equivalentes e o excedente deve ser certificado pela ANP.

A lei, no entanto, estabelece limitações: créditos relativos a fases já encerradas não podem ser transferidos, evitando que a medida se torne um mecanismo indiscriminado de “mercado secundário” de conteúdo local.

A ANP assume papel central de fiscalização, certificação e controle, o que implica a necessidade de sistemas robustos de monitoramento e auditoria para assegurar a efetividade da medida.

Na prática, a lei impacta diferentes atores do setor. Para as operadoras, oferece flexibilidade para alocar investimentos de forma estratégica e otimizar custos, permitindo equilibrar contratos que cumprem ou excedem metas com aqueles em que há dificuldades para atingir os requisitos mínimos.

Já para os fornecedores nacionais, principalmente pequenas e médias empresas, há risco de concentração de demanda em grandes contratos, podendo reduzir oportunidades em projetos menores.

Além disso, a lei reforça o papel da ANP de fiscalizar as transferências de excedentes, garantindo transparência e segurança jurídica. Essas alterações no cumprimento das metas de conteúdo local podem gerar discussões sobre equilíbrio econômico-financeiro nos contratos e eventual judicialização por fornecedores que se sintam prejudicados.

Outra novidade trazida pela lei é a possibilidade de reduzir a alíquota de royalties de contratos de concessão de exploração e produção de petróleo e gás natural oriundos da Rodada Zero de licitações, podendo chegar até 5% sobre o total da produção.

Essa redução está condicionada a investimentos em novas Unidades Estacionárias de Produção (UEPs) que atendam aos requisitos de conteúdo local estabelecidos na legislação.

O Decreto nº 12.362/2025 regulamenta detalhadamente esse mecanismo, definindo que a redução de royalties será calculada com base no Valor Presente Líquido a Compensar (VPL-C), correspondendo à diferença entre os custos estimados de contratação e construção da nova UEP com e sem conteúdo local.

O valor do VPL-C é compensado por meio da redução dos royalties, aplicando-se o Custo Médio Ponderado de Capital (WACC), até que o saldo seja totalmente absorvido, respeitando-se o limite mínimo de 5% estabelecido pela lei.

A operacionalização do benefício envolve atuação coordenada do governo federal: a Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME) é responsável pela análise das solicitações, bem como pela publicação da Portaria de Enquadramento da nova UEP, detalhando parâmetros técnico-financeiros, percentual de conteúdo local projetado e o VPL-C a ser compensado.

A ANP, por sua vez, verifica a razoabilidade das diferenças de custo, certifica o conteúdo local da UEP e valida a elegibilidade para a redução dos royalties.

Essa medida visa fomentar investimentos estratégicos em conteúdo local, impulsionar o desenvolvimento da indústria nacional e gerar impactos econômicos positivos para as regiões de exploração de petróleo e gás.

Em suma, a Lei 15.075/2024 representa uma mudança relevante e inovadora na política de conteúdo local, ao permitir maior eficiência operacional e estratégias contratuais otimizadas.

Se bem aplicada, a nova lei pode estimular a inovação tecnológica, ampliar a capacitação profissional e gerar empregos em várias regiões do país.

Mas, como em toda mudança regulatória, será preciso acompanhar de perto seus efeitos para que a flexibilização não se transforme em concentração.


Alessandra Montet é advogada atuante nas áreas de Direito Administrativo, Direito Societário, Contratos, Direito Processual Civil, Direito Regulatório e Direito de Imigração do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados.

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