Opinião

O ano do biometano: uma virada para a transição energética no Noroeste paulista

Avanços regulatórios e de projetos colocam o Noroeste paulista como polo estratégico do biometano para descarbonizar agro, transporte pesado e a matriz energética, escreve Ricardo Cantarani

Usina de biometano de resíduos da atividade agropecuária (Foto Jan Nijman/Pixabay)
Usina de biometano de resíduos da atividade agropecuária (Foto Jan Nijman/Pixabay)

O biometano fez história em 2025 ao se consolidar como protagonista da política energética brasileira. Após um período de descarbonização lento e irregular, o país passou a reconhecer no gás de origem renovável um vetor de transformação e desenvolvimento capaz de operar com escala, segurança e competitividade, com projetos que avançaram de forma consistente ao longo do ano.

Três fatores convergiram para essa mudança: avanços regulatórios, rearranjos geopolíticos e maturidade da infraestrutura.

No front regulatório, debates que se arrastavam há anos finalmente ganharam forma, com a sanção da Lei Combustível do Futuro, em outubro de 2024.

Contudo, a viabilidade econômica da produção do biometano e interligação com a infraestrutura de movimentação pressupõe a discussão de uma tarifa específica de injeção, condição indispensável para alocar custos de forma justa, dar previsibilidade aos produtores e clareza aos consumidores, evitando subsídios e preservando a competitividade industrial.

Além disso, melhorias nas normas de qualidade, nos protocolos de medição e na integração entre políticas climáticas e planejamento energético passaram a ocupar as agendas setoriais, criando um ambiente regulatório atrativo para que o biometano avance sem gerar distorções tarifárias ou insegurança jurídica e regulatória.

Externamente, a dinâmica do mercado de energia mudou e provocou uma reorganização da oferta de gás natural no Brasil. A redução progressiva da disponibilidade boliviana, somada às tensões geopolíticas e às restrições do mercado global de energia, evidenciou que nem mesmo o aumento da produção offshore no Brasil eliminou riscos estruturais.

Foi necessário diversificar a matriz energética doméstica para a formação de mercados mais resilientes e para a mitigação de riscos de suprimento e de volatilidade dos preços.

A ampliação da infraestrutura de distribuição completa o quadro. A entrada em operação de novas plantas de biometano foi decisiva para o mercado, incrementando a oferta com regularidade e escala inéditas. Às novas plantas, dotadas de tecnologias mais modernas, somaram-se a expansão da rede de gás canalizado, com novos trechos, reforços operacionais e a modernização de ramais existentes.

Essa combinação permitiu reduzir perdas, elevar a segurança e a confiabilidade do suprimento, oferecer complementaridade com o setor sucroenergético e aproximar áreas de produção e consumo, resultando em uma infraestrutura energética mais resiliente, ininterrupta e competitiva.

Nesse cenário, o Plano Estadual de Energia 2050 já reconhece essa direção ao destacar o potencial do biometano para a transição paulista, e o Noroeste do estado emergiu como território-chave para acelerar a transição energética.

Os investimentos previstos para a região pelos próximos cinco anos indicam que o ritmo de expansão está em fase acelerada, com investimentos expressivos para mercados cativo e livre e em projetos de biometano a serem aprovados junto à Agência Reguladora. O principal estímulo é a conexão de novos produtores, visando a descarbonização. A viabilidade econômica dessa expansão está atrelada, contudo, à evolução regulatória.

Enquanto países nórdicos aproveitaram políticas de longo prazo para desenvolver cadeias de biometano aplicadas ao transporte público e ao agronegócio, o interior de São Paulo reúne condições estruturais e conjunturais que permitem galgar posições ainda mais altas, uma vez em que a disponibilidade de substrato é contínua, a indústria sucroenergética está madura, a tecnologia é conhecida e consolidada e a demanda pela descarbonização no setor logístico é crescente.

Se há um segmento no qual o biometano se consolida como solução de valor, certamente esse é o agro. O Noroeste Paulista tem capacidade de produzir energia renovável que é consumida no próprio território, e essa particularidade posiciona o Brasil como potencial líder global de biometano no agronegócio.

O impulso ao setor, entretanto, ainda pode ser alavancado, dada a ausência de mecanismos específicos de estímulo, o que retarda a viabilidade econômica dos projetos para os investidores. Existem 135 potenciais unidades produtoras na região, com capacidade de gerar mais de 6 milhões de m³/dia de biometano.

Muitas dessas unidades produtoras estão a poucos quilômetros de redes de distribuição e centros de demanda e poderiam integrar a produção do biometano às operações rurais, com a transformação de resíduos hoje subutilizados em receita, segurança energética e valorização ambiental, ao mesmo tempo em que descarboniza as operações no entorno das plantas.

No transporte pesado, longe de se posicionar como solução única, o biometano oferece de forma imediata e robusta uma contribuição complementar às alternativas de baixo carbono. Sua vantagem reside na maturidade, na sua característica drop-in, na infraestrutura extensa instalada e na capacidade de reduzir drasticamente as emissões sem exigir mudanças significativas nas cadeias.

A disponibilidade crescente de caminhões e ônibus movidos a biometano e gás natural, fabricados em território nacional por empresas de marcas consagradas no mercado automobilístico, reforça a entrada do combustível no mercado de transporte pesado. Parcerias recentes garantem que os veículos pesados que utilizavam óleo diesel saiam de fábrica com garantia e motor dedicado a operar com gás natural e biometano, dimensionado para sua operação.

No interior paulista, onde o agronegócio move um dos maiores fluxos de cargas do país, a adoção desses veículos tende a avançar com ainda mais velocidade, já que a proximidade entre produção e consumo reduz custos, melhora a segurança do suprimento e cria um ciclo virtuoso em que os resíduos se convertem em energia para a própria cadeia produtiva, em um exemplo concreto de economia circular.

Essa convergência coloca, mais uma vez, o biometano como peça estratégica para tornar o transporte regional mais competitivo, previsível e alinhado às metas de descarbonização.

A incorporação do biometano à matriz energética brasileira ganha mais fôlego após a COP30. O documento final do encontro estabelece que o mundo precisa alcançar reduções consideráveis e imediatas das emissões de gases de efeito estufa — 43% até 2030 e 60% até 2035 relativas aos níveis de 2019 — e reforça que a transição energética deve ser ordenada, inclusiva e global, com mecanismos de implementação e apoio internacional.

Se 2025 foi o ano da consolidação, 2026 poderá ser o da integração entre produção, regulação e infraestrutura do biometano. No Noroeste paulista, a expectativa é abrir espaço para outros projetos de economia circular.

Esse conceito já começou em Presidente Prudente, que é hoje 100% abastecida por gás de origem renovável, gerado a partir de resíduos sucroenergéticos, purificado, transformado em biometano e distribuído aos diversos segmentos consumidores.

A circularidade começa a despontar também em Ribeirão Preto e em outros municípios, onde o insumo percorre a rede canalizada e retorna às próprias usinas e frotas como combustível limpo.

O biometano não é mais uma promessa: é uma realidade! O passo seguinte dependerá da capacidade de avanços concretos no ambiente regulatório para fortalecer e adensar a infraestrutura, ampliando as interconexões e acelerando a entrada de novos produtores, expandindo a oferta do biocombustível.

Os dutos e as concessionárias estão prontos, e, agora, esses elementos precisam convergir rumo aos gasodutos para que o biometano se integre à política de Estado.


Ricardo Cantarani é gerente executivo Institucional da Necta.

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