Opinião

Petrobras, Lightsource bp e o risco de confundir transição energética com má alocação de capital

Entrada na Lightsource bp não é passo óbvio nem inteligente para uma companhia como a Petrobras, escreve Jean Paul Prates

Ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates em entrevista ao estúdio eixos, durante a CERAWeek 2024, da S&P Global (Foto Reprodução eixos)
Ex-presidente da Petrobras Jean Paul Prates em entrevista ao estúdio eixos, durante a CERAWeek 2024, da S&P Global (Foto Reprodução eixos)

A transição energética não autoriza improvisos. Tampouco justifica que empresas estatais estratégicas se transformem em compradores de ativos que já não fazem sentido para seus antigos donos. 

A eventual entrada da Petrobras na Lightsource bp, especialmente por meio da aquisição de metade do capital, sem controle, levanta questões graves de coerência estratégica, racionalidade econômica e visão de longo prazo.

Lightsource bp é uma empresa essencialmente dedicada ao desenvolvimento, construção e operação de projetos solares utility scale, com forte presença em mercados maduros e altamente concorrenciais.

Trata-se de um negócio financeirizado, de margens comprimidas, baixo risco e retorno previsível. Um bom ativo para fundos de infraestrutura. Um negócio legítimo para empresas privadas focadas em gestão de portfólio e PPAs corporativos.

Mas não um passo óbvio, nem inteligente, para uma companhia com o perfil, a história e as responsabilidades da Petrobras.

A Petrobras sempre construiu seu valor a partir da engenharia complexa, da integração industrial, da gestão de risco tecnológico e da capacidade de operar em ambientes extremos.

Foi assim no offshore profundo, no pré-sal, na logística integrada, no refino e na química. Sua vantagem competitiva nunca esteve em atividades comoditizadas, pulverizadas ou excessivamente concorrenciais. 

Entrar em solar fotovoltaica em larga escala, justamente o segmento mais saturado das renováveis, significa abandonar esse DNA sem colocar nada equivalente no lugar.

Não se trata de rejeitar renováveis. Ao contrário. A Petrobras tem, talvez como nenhuma outra empresa brasileira, as condições de liderar uma transição energética robusta, justa e industrialmente consistente. 

Mas os caminhos naturais para isso passam por eólica offshore integrada à engenharia marítima, por biocombustíveis avançados conectados ao refino e à química, por hidrogênio de baixo carbono articulado com gás, captura de CO₂ e indústria pesada, e pela eletrificação de processos industriais onde a empresa já conhece o cliente, a demanda e a escala.

Solar utility scale não entrega nada disso. Não gera aprendizado estratégico relevante. Não cria cadeias industriais nacionais. Não dialoga com a base tecnológica da companhia. Não fortalece a soberania energética. É, no máximo, uma diversificação financeira, e ainda assim questionável.

O problema se agrava quando se observa o perfil internacional da Lightsource bp. A empresa opera em quase vinte países, exigindo presença regulatória, jurídica e comercial robusta em múltiplas jurisdições.

A Petrobras, por decisão estratégica nos últimos anos (a meu ver equivocada), promoveu uma profunda desinternacionalização, inclusive no seu próprio core business. Saiu da África, do Golfo do México, do downstream internacional, enxugou estruturas técnicas e comerciais fora do país.

Reconstruir essa musculatura para gerir parques solares no Reino Unido, nos Estados Unidos, na Índia ou na Austrália não é trivial, nem barato, nem coerente com o estágio atual da companhia.

No Brasil, as supostas sinergias são ainda mais frágeis. O portfólio local da Lightsource bp inclui PPAs corporativos e até geração distribuída, segmentos onde a Petrobras não possui vantagem competitiva clara. 

Não há integração relevante com refino, gás, logística, petroquímica ou fertilizantes. Não há indução de demanda industrial. Não há contribuição significativa para uma transição justa regional. 

Trata-se de um mercado já maduro, pulverizado e ocupado por inúmeros players privados mais ágeis e especializados.

A hipótese de aquisição de 50% da empresa, sem controle, é talvez o ponto mais preocupante. É o pior dos mundos.

A Petrobras assumiria risco financeiro relevante sem comandar a estratégia, sem definir prioridades geográficas, sem ditar o ritmo de investimentos e sem garantir captura de sinergias.

Na prática, entraria com capital enquanto o parceiro monetiza ativos maduros. Isso não é parceria estratégica. É transferência de risco com retorno limitado.

É impossível ignorar o contexto. A BP foi uma das grandes empresas europeias que apostaram de forma precoce e afobada na solarização do seu portfólio, subestimando a compressão de margens e a brutal concorrência global, especialmente asiática.

Agora, revisa a estratégia e busca desinvestir ou dividir risco. Nada mais normal para uma empresa privada. O que não é normal é que uma estatal estratégica brasileira se coloque como compradora de última instância de um modelo que o próprio criador já decidiu revisar.

A Petrobras não precisa de solar para aprender renováveis. Precisa de renováveis para redefinir o futuro do seu core industrial, tecnológico e estratégico. Isso exige escolhas coerentes, integradas e alinhadas com o interesse nacional.

Comprar metade de uma plataforma solar global, sem controle, sem sinergia estrutural e sem projeto industrial associado, não atende a esses critérios.

Transição energética não é um portfólio de ativos. É um projeto de país. E projetos de país não se constroem com atalhos mal pensados, por mais bem embalados que pareçam.


Jean Paul Prates é presidente do Conselho Gestor do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne). Prates é mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e mestre em Economia da Energia pelo IFP School (Paris). Foi secretário de Estado de Energia do RN (2007-2010), presidente da Petrobras (2023-2024) e Senador da República (2019-2023).

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