Opinião

A Hora do Brasil na atração de investimentos em energia: previsibilidade política e segurança regulatória

Incertezas e falta de continuidade na política energética norte-americana tornam Brasil destino natural para receber investimentos, escreve Pietro Mendes

Pietro Mendes participa de discussões do Fórum Econômico Mundial 2025, no Rio de Janeiro, em 2 de junho de 2025(Foto Ricardo Botelho/MME)
Pietro Mendes participa de discussões do Fórum Econômico Mundial 2025, no Rio de Janeiro, em 2 de junho de 2025(Foto Ricardo Botelho/MME)

A indústria norte-americana tem mostrado preocupação com a falta de previsibilidade da política energética e as dificuldades para se investir naquele país devido às mudanças constantes a cada 4 anos em razão dos processos eleitorais.

As preocupações, que decorrem do fato de que os investimentos em energia demoram mais de 20 anos para serem recuperados e que não pode haver tomada de decisão final de investimento em cenário de tamanha incerteza, foram apresentadas em painéis do evento Energy Live promovido pela Reuters em dezembro deste ano[1].

Com a mudança da presidência do governo Biden para o governo Trump, houve a emissão da Ordem Executiva 14.154, chamada de “Liberando a Energia Americana” em tradução livre, com instrução para que todas as agências interrompessem o desembolso de fundos relacionados ao Inflation Reduction Act (IRA) e a revisão dos processos de concessão de subsídios, empréstimos, contratos ou qualquer outro desembolso financeiro de fundos alocados.

Deve ser destacado, também, o Memorando M-25-13, que exigia das agências a suspensão temporária de todos os programas de subsídios, empréstimos e assistência financeira até que fosse concluída a sua revisão, incluindo os trabalhos relacionados ao clima e à justiça ambiental interligados também ao IRA.

A descontinuidade do IRA traz maior competitividade ao Brasil e à América Latina, que possuem custos de produção de energia renovável inferiores à maior parte dos países, segundo dados de Agência Internacional de Energia e cuja competitividade era menor pelos fortes subsídios praticados.

O gás natural segue no centro dos debates de energia dos Estados Unidos em pautas para recuperar a competitividade da indústria, com defesa de construção de mais quilômetros de gasodutos, investimentos para fornecer energia para data centers e inteligência artificial, bem como para produção de hidrogênio de baixo carbono em processo inovador da ETCH que foi apresentado no evento.

A depender da renovabilidade do grid, o hidrogênio produzido, a partir do gás natural, tem menos de 1kg de dióxido de carbono equivalente por kg de hidrogênio produzido, em um processo inovador que pode substituir o processo de reforma do metano e usa muito menos energia do que o processo de eletrólise. O carbono do metano vira carbono sólido, não sendo emitido na atmosfera.

A energia geotérmica também tem destaque, sendo apresentados avanços tecnológicos para atingir regiões com maior temperatura no subsolo estadunidense e, portanto, com maior geração de energia.

Brasil fez seu dever de casa, agora, é colher os frutos

O Brasil é o celeiro do mundo para investimentos em energia. Possui longa tradição no respeito aos contratos, previsibilidade da política energética, condições naturais diferenciadas e segurança regulatória.

Nos últimos anos, lideramos os principais eventos de transição energética do mundo como G20, Clean Energy Ministerial (CEM), BRICS e COP30. Nessas oportunidades, compartilhamos com o mundo que não existe uma só solução para transição energética e que precisamos considerar mais de uma opção. Fortalecemos a cooperação do Sul-Global.

Além de liderar a agenda internacional energética, fizemos nosso dever de casa internamente: aprovamos a Lei do Combustível do Futuro, com introdução do querosene de aviação sustentável (SAF) no querosene de aviação fóssil, possibilidade de chegar a 35% de etanol na gasolina e 25% de biodiesel no diesel, mandato do biometano, captura e estocagem geológica de dióxido de carbono, mandato para o diesel verde e primeiros passos para a produção de combustíveis sintéticos.

Avançamos, também, no marco legal das eólicas offshore e do hidrogênio de baixo carbono, onde temos potenciais gigantescos em toda a sua paleta de cores.

No futuro, teremos também propostas de marcos legais para os combustíveis marítimos sustentáveis e para energia geotérmica, após a conclusão dos grupos de trabalho criados pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Quando ainda estava à frente da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, trabalhamos fortemente para ter o Programa Nacional de Energia Geotérmica (Progeo), que, agora, dá seus primeiros passos. Temos toda vocação para liderar esta iniciativa com a expertise da nossa geologia, geofísica e engenharia do setor de petróleo e gás natural que pode ser aplicada nesta nova fronteira.

Combinado aos marcos legais, que dão segurança jurídica aos investimentos, temos trabalhado na ANP para acelerar a regulamentação dos marcos de transição energética sob nossa responsabilidade e fornecer toda segurança regulatória para que o Brasil receba investimentos.

No Brasil, a pauta de energia tem avançado em regime harmônico do Poder Executivo, Congresso Nacional, Agências Reguladoras e setor privado e somos, portanto, destino natural para quem quer estabilidade e segurança jurídica para investir.

A legislação brasileira que foca em redução de emissões (como, por exemplo, no caso do biometano, SAF e hidrogênio) e a estabilidade do Brasil foram elogiadas como forma de atrair investimentos. Os mandatos ajudam a superar o dilema do que vem primeiro a oferta ou a demanda, reduzindo incertezas e trazendo previsibilidade que podem gerar contratos off take necessários para conseguir financiamentos e viabilizar novas tecnologias.

Há clara preferência dos investidores por um ambiente sem escolhas pré-definidas de rotas tecnológicas como no caso do SAF, onde se busca eficiência em termos de redução de emissões com competição entre diferentes matérias-primas e rotas tecnológicas e o caso do hidrogênio em que se estabelece um teto de emissões de 7 kg de dióxido de carbono equivalente por kg de hidrogênio produzido.

Em conclusão, o Brasil pode se beneficiar das incertezas políticas e regulatórias dos Estados Unidos para receber investimentos para produção de biocombustíveis no âmbito do Programa Combustível do Futuro, de hidrogênio de baixo carbono, eólicas offshore e energia geotérmica. Sem os fortes subsídios do IRA, somos extremamente competitivos para atrair investimentos que ficaram represados lá.

Pietro Adamo Sampaio Mendes é diretor da ANP, ex-secretário nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e ex-presidente do conselho de administração da Petrobras.

Este artigo reflete opiniões pessoais do autor.


[1] Anotações do evento Energy Live da Reuters em Houston – Powering the Next Era of American Energy – em tradução livre “Impulsionando a Próxima Era de Energia Americana”.

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