BRASÍLIA — O governo brasileiro, a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) defenderam, durante audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta quinta-feira (11/12), a técnica do fraturamento hidráulico (fracking) para a produção de petróleo e gás natural, sob o argumento da segurança energética.
A discussão ocorre três dias após o presidente Lula (PT) determinar aos ministérios de Minas e Energia (MME), Fazenda e Meio Ambiente (MMA), além da Casa Civil, a elaboração de “diretrizes para elaboração do mapa do caminho para uma transição energética justa e planejada, com vistas à redução gradativa da dependência de combustíveis fósseis no país”.
Apenas o MMA se manifestou contra o fracking na audiência desta quinta.
Condenada por ambientalistas por seu risco ambiental, além de ser mais uma rota de exploração de fósseis, a atividade é objeto de um Incidente de Assunção de Competência (IAC) sobre as condições ou possibilidade/impossibilidade dessa modalidade de exploração no STJ.
O IAC é um instrumento do Código de Processo Civil que permite o julgamento por um órgão colegiado em processos de grande relevância social, com a finalidade de criar jurisprudência e criar precedente.
Embora não tenha participado da audiência, pois cumpria agenda com o presidente Lula em Itabira (MG), o ministro Alexandre Silveira (PSD) mandou dois representantes para transmitir o recado do MME: Renato Dutra, secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; e Carlos Cabral, diretor de Exploração e Produção.
“O tema de hoje não tem confronto com o tema da transição energética. É um tema que nos leva à pergunta: que decisão nós queremos e devemos tomar, de modo que no futuro não nos arrependamos no planejamento energético nacional?”, discursou o secretário Renato Dutra.
“Nós vamos fazer uma trajetória de longo prazo consistente, na direção da sustentabilidade. Isso é um processo de transição, não de disrupção energética. Nós não podemos deixar de lado a equidade energética e a segurança energética. O Brasil é um país que já esteve afeto a choques externos robustos no setor energético”, completou.
Sempre que a pauta é focada em gás natural, o ministro Alexandre Silveira aponta que o país precisa reduzir a reinjeção e aumentar a produção e é crítico a legislações estaduais que proíbem a atividade.
Uma das soluções defendidas pelo MME é que o Brasil deve explorar gás natural de fontes não convencionais por meio de fracking. O argumento é que o energético produzido a partir dessa técnica em outros países já é consumido pelo mercado brasileiro.
“A partir de 20230, vamos ter uma queda na produção porque não estamos descobrindo novas reservas de petróleo. Mesmo no pré-sal tivemos muitas devoluções porque poços deram seco”, defendeu na audiência o diretor Carlos Cabral.
“Até 2040, vamos voltar a ser importadores de petróleo e vamos importar de quem mais emite gases de efeito estufa. Por isso, é importante explorarmos a Margem Equatorial, a Bacia de Pelotas e os recursos não convencionais”, argumentou.
“Proibição criaria reserva de mercado”
Responsável na Casa Civil pelo setor de energia do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), João Henrique do Nascimento afirmou que o STJ não deveria “de forma alguma” optar pela proibição, mas por uma regulação rigorosa.
Ele citou movimento histórico adotado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 2014, época em que a commodity estava próxima às máximas históricas, mas houve uma decisão do cartel em não realizar cortes na produção. O resultado foi uma forte reversão na tendência de preços, com o petróleo saindo de US$ 105 o barril para fazer fundo em US$ 30.
“O banimento da técnica é de interesse dessas instituições. A OPEP ficaria muito feliz se essa Corte decidisse banir [o fracking]. Vai criar uma reserva de mercado para os EUA, a Argentina e a OPEP, de quem nós importamos petróleo e gás a partir de fraturamento. Seria sacramentar uma reserva de mercado tranquila, sem competição e sem contestação”, criticou Nascimento.
Ele também sustentou que acidentes ocorridos no passado não podem servir como justificativa para impedir a prática no presente e no futuro.
Segundo o representante da Casa Civil, o aprimoramento tecnológico da prática vem ocorrendo, de modo a não apenas mitigar riscos ambientais, mas para reduzir custos num mercado altamente competitivo.
O diretor jurídico da área ambiental da Petrobras, Frederico Ferreira, se uniu ao coro, alegando que a técnica de fraturamento hidráulico é inerente à atividade de exploração e produção de petróleo e gás e auxilia no aumento de produtividade de um poço.
Cálculos apresentados pelo gerente da estatal durante a audiência apontam que mais de 13 mil poços foram perfurados por fracking desde 1961, quando houve a primeira perfuração.
ANP defende tratamento moderado
Embora o movimento em busca do banimento da atividade no Brasil tenha forte coordenação de grupos ambientalistas, o fracking é alvo de ações movidas também pelo agronegócio, que teme concorrência com recursos hídricos e risco de contaminação em áreas de produção agropecuária.
A ANP deu especial relevância ao assunto e foi representada pelo diretor-geral, Artur Watt. Segundo ele, há preocupação de que uma eventual decisão da Corte venha em termos abstratos e acabe vedando a técnica.
Watt pontuou que é possível proibir o uso de determinadas substâncias e práticas, mas manter a exploração a partir da tecnologia.
“Podem proibir, por exemplo, o uso de mercúrio, a instalação em ambientes urbanos, são nuances que se colocam regulatoriamente na dinâmica técnica”, defendeu o diretor.
“Quando falamos em fraturamento hidráulico, quer dizer que terá injeção de água com aditivo. Apontar que aditivos são esses, se essa água serviria para o consumo, se o aditivo é tóxico ou não, tudo isso pode ser objeto de regulamentação”, completou.
Watt também apontou que atualmente há vedação por meio de liminares proibindo a prática e defendeu um tratamento moderado para o tema.
“O que a ANP sugere não é aplicar a técnica amanhã, de forma indiscriminada, mas colocar de modo que não sirva a uma vedação geral da atividade para que a gente possa avançar com estudos e análises de forma técnica”, finalizou.
Ambientalistas querem fim da atividade
Levantamento do Instituto Arayara aponta que mais de 500 municípios já aprovaram legislações que proíbem ou restringem a atividade em seus territórios. Nos estados, Paraná e Santa Catarina têm leis próprias de proibição do fracking.
Também tramitam nas assembleias legislativas de Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Mato Grosso do Sul projetos anti-fracking.
“Quando o fracking chegou na Argentina, centenas de cooperativas agrícolas faliram. A contaminação da água e do solo comprometeu a produção de frutas. No Brasil, agricultores correram o risco de perder seus certificados fitossanitários devido à contaminação. Se isso acontecer, milhões de pessoas serão afetadas”, disse Juliano Bueno, presidente da Arayara.
Segundo Bueno, o fraturamento utiliza mais de mil produtos químicos, que trazem prejuízos à saúde.
“Essas substâncias causam mutações genéticas e abortos. Eu fui a Vaca Muerta 18 vezes e vi pessoalmente a morte de crianças e o sofrimento das famílias, além dos trabalhadores”, frisou.
