SÃO PAULO — O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Fernando Mosna, cobrou explicações da Enel São Paulo sobre a atuação da empresa durante o ciclone extratropical que atingiu a região entre terça (9/12) e quarta-feira (10).
Em ofício (veja na íntegra em .pdf) enviado ao presidente da distribuidora, Guilherme Lencastre, Mosna questiona a resposta da companhia ao evento, que deixou mais de 2 milhões de unidades consumidoras sem luz — o equivalente a 31,81% de toda a área atendida.
A cobrança acentua, assim, a pressão regulatória sobre a companhia, que tem a concessão em disputa e sob risco de caducidade por descumprimentos contratuais recorrentes.
Esta é a terceira grande interrupção em pouco mais de dois anos, repetindo falhas em escala massiva. Veja o histórico abaixo.
“A constante recorrência e a gravidade das falhas na prestação do serviço constituem descumprimento de cláusulas contratuais e dispositivos legais e regulamentares, podendo ensejar a recomendação de caducidade da concessão”, diz Mosna no documento.
O diretor deu um prazo de cinco dias para resposta e advertiu que a reincidência resultará na “adoção de medidas regulatórias e punitivas em estrita conformidade com o arcabouço regulatório e com o contrato de concessão”.
A exigência de respostas detalhadas em prazo curto reforça o tom de ultimato da agência reguladora.
A Enel SP, que já responde a processos por desempenho insatisfatório, agora tem até a próxima semana para prestar contas sob a ameaça explícita de “medidas regulatórias e punitivas” que podem levar ao fim de sua concessão.
Veja os itens exigidos no ofício enviado à distribuidora paulista:
- Descrição detalhada do evento climático, com aspectos técnicos e fotos.
- Descrição da aplicação do plano de contingência, identificando o nível de pré-alerta, o nível de contingência acionado e respectivas datas e horários.
- Cópia do laudo meteorológico que embasou o pré-alerta.
- Data e horário exatos em que a empresa tomou conhecimento da magnitude do evento e deu início ao acionamento do plano, com comprovações.
- Gráfico da “Curva de Recomposição” mostrando o “pico” de unidades interrompidas e o percentual de reestabelecimento por hora, com justificativas.
- Detalhamento da mobilização do call center para atender o volume de chamadas durante o evento.
- Detalhamento da mobilização de equipes próprias e terceirizadas, com comprovações.
- Comprovação de que a estrutura operacional da Enel SP é compatível com a dimensão e complexidade de sua área de concessão, “capaz de responder de forma ágil e eficaz a eventos climáticos”.
Mais de um milhão ainda sem luz
Cerca de 1,3 milhão de unidades consumidoras permanecem sem energia elétrica na região metropolitana de São Paulo às 13h de quinta-feira (11/12), após as fortes ventanias que atingiram a região.
Na capital paulista, aproximadamente 1 milhão de unidades consumidoras estão afetadas. O problema também atinge municípios como Barueri, Carapicuíba, Cotia, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra e São Bernardo do Campo.
A distribuidora mobilizou mais de 1.600 equipes para reparos na infraestrutura e disponibilizou 700 geradores para atender situações prioritárias.
Na quarta-feira (10), o número de clientes sem luz chegou a mais de 2 milhões, segundo a Enel. Os impactos se estendem pela cidade: mais de 200 semáforos estão desligados, contribuindo para congestionamentos de 97 km.
Os aeroportos de Congonhas, na capital, e de Guarulhos já somam 408 voos cancelados desde ontem (10); só hoje (11), foram 160 cancelamentos.
Os estragos foram causados por um vendaval histórico que atingiu 98 km/h, que derrubou árvores sobre a rede e causou mais de 500 quedas registradas. A Defesa Civil confirmou uma morte em Campos do Jordão devido a um deslizamento provocado pelo temporal.
Sem água também: o caos
A Sabesp informou que, na manhã de quinta-feira (11/12), diversas regiões da capital e da Grande São Paulo ainda sofriam com a interrupção no abastecimento de água, consequência direta das falhas no fornecimento elétrico.
“Sem eletricidade, o bombeamento cessa e a água não chega até as residências”, diz a concessionária.
A empresa esclareceu que o retorno do serviço será gradual conforme a energia for restabelecida, e que mantém contato com a Enel para acompanhar a situação.
“Quando o abastecimento é retomado, as moradias mais próximas dos reservatórios recebem água primeiro. À medida que esses imóveis são abastecidos, a água avança para as residências seguintes”, explicou.
Todo o sistema de água — desde a captação até a distribuição nas residências — depende de bombas elétricas para funcionar, o que explica a interrupção generalizada quando falta energia.
Processo pode levar ao fim da concessão
A Enel SP já é alvo de um termo de intimação da Aneel apara apurar falhas que podem levar ao fim da concessão.
A conclusão desse processo é um pré-requisito para a agência avaliar a extensão do atual contrato, que vence em 2028. A companhia já solicitou à Aneel a renovação da concessão.
A Prefeitura de São Paulo também entrou com uma ação na Justiça Federal para impedir a renovação, endossada pelo Ministério Público Federal.
A origem do termo de intimação foi o descumprimento do plano de contingência durante as fortes chuvas que atingiram a área de concessão da empresa em novembro de 2023.
O processo está parado desde novembro, quando a diretora relatora, Agnes da Costa, propôs estender sua vigência até março de 2026 para observar o desempenho da empresa em um novo período úmido.
A Enel SP afirmou ter reduzido em 90% as interrupções de energia superiores a 24 horas no período de novembro de 2023 a outubro de 2025, segundo informações apresentadas à agência. A empresa também citou investimentos de R$ 10,4 bilhões previstos até 2027.
TCU recomenda intervenção
Há exatos dez dias, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou formalmente que a Aneel analise a possibilidade de intervir na concessão da Enel SP.
Segundo o órgão, as melhorias apresentadas pela empresa após os apagões de 2023 e 2024, além deste ano, foram pontuais, emergenciais e insuficientes para comprovar a correção definitiva das falhas.
A recomendação, da Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear (AudElétrica), argumenta que a distribuidora ainda não demonstrou capacidade de manter um desempenho adequado sob condições críticas, especialmente no período chuvoso, quando seus indicadores historicamente pioram, segundo informações da Megawhat.
O documento aponta problemas no tempo médio de atendimento a emergências, no número de consumidores sem luz por mais de 24 horas e na execução de planos de contingência para eventos climáticos severos.
O tribunal também observou que as multas aplicadas pela Aneel à Enel SP, que somam mais de R$ 260 milhões ainda não pagos devido a decisões judiciais, tiveram baixa eficácia, reforçando a necessidade de considerar medidas mais drásticas.
A recomendação da AudElétrica não é vinculante e será submetida ao ministro-relator Augusto Nardes e, posteriormente, ao plenário do TCU.
Se acatada, a Aneel será instada a realizar estudos técnicos detalhados sobre os riscos e impactos de uma intervenção.
Em nota, a Enel SP afirmou que cumpre integralmente suas obrigações, tem investido na rede e obtido melhoria em seus indicadores operacionais.
Problema recorrente em paralelo à renovação das distribuidoras
Em novembro de 2023, 2 milhões de consumidores ficaram sem luz na área de concessão da Enel SP após fortes temporais. O problema se repetiu no final de 2024, quando novos apagões afetaram quase 3 milhões de pessoas.
O casos ocorreram em paralelo às discussões sobre a renovação das concessões de distribuição no país.
Os novos modelos de contratos que estão sendo adotados para as renovações passaram a ter exigências mais rígidas.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), já afirmou que a Enel só renovará o contrato se forem cumpridas todas as exigências técnicas e regulatórias.
Pedido de afastamento de relator
Em outubro, a diretoria colegiada da Aneel negou um pedido da Enel Rio de Janeiro para afastar o diretor Fernando Mosna da relatoria dos processos da concessionária.
O voto foi unânime entre os quatro diretores presentes, que, ao analisar a questão preliminar, consideraram que a iniciativa da distribuidora representava uma tentativa de constranger relatores e estabeleceria um “precedente perigoso”.
Em seu voto, Mosna afirmou que houve uma “criação deliberada do fato de litígio” pela empresa, por meio da propositura de uma ação judicial, do registro de uma denúncia disciplinar junto à Aneel e à Controladoria-Geral da União (CGU), e do encaminhamento de uma notícia-crime à Polícia Federal.
As medidas foram adotadas após a publicação do voto o diretor no processo sobre operações de crédito da Enel Rio no sistema deliberativo da agência.
A Enel RJ baseou o pedido de afastamento de Mosna em uma denúncia disciplinar e em uma ação judicial movida contra o diretor.
A denúncia foi apresentada à Aneel e à Controladoria-Geral da União (CGU) em 3 de outubro. Em seguida, no dia 13 de outubro, a empresa ajuizou ação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, pleiteando R$ 607,8 mil por danos morais.
* Texto atualizado pra incluir a informação sobre os voos cancelados.
