Opinião

A COP do possível: o legado da Conferência e a necessidade de reforçarmos a implementação

Apesar do pessimismo, as COPs seguem sendo o berço dos consensos possíveis no combate ao aquecimento global, escreve André Clark

André Clark, Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy para a América Latina (Foto Divulgação)
André Clark, Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy para a América Latina (Foto Divulgação)

As Conferências do Clima costumam ocorrer envoltas em uma tensão permanente entre expectativa e realidade. A opinião pública frequentemente chega a cada COP com um ceticismo compreensível: o ritmo das negociações multilaterais é lento, desigual e marcado por impasses.

Ainda assim, quando se olha para o caminho percorrido desde a ECO-92, evento que inaugurou a arquitetura moderna da governança climática, é impossível ignorar os avanços construídos justamente nesses espaços multilaterais.

Do Protocolo de Quioto, em 1997, que estabeleceu metas vinculantes de redução de emissões para países desenvolvidos, ao Acordo de Paris, em 2015, que universalizou a responsabilidade climática ao engajar todas as nações em metas de aquecimento de 1,5°C, a história mostra que grandes conquistas só emergem após longos ciclos de negociação.

Mesmo os mecanismos hoje centrais, caso das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e do financiamento climático, levaram anos para amadurecer.

Não é trivial transformar diagnósticos científicos em pactos de mudança em escala global. E é justamente por isso que cada COP importa: porque, apesar do pessimismo, elas seguem sendo o berço dos consensos possíveis.

A verdade é que mesmo diante de um cenário geopolítico turbulento e da ausência de importantes chefes de Estado, o encontro reuniu grande densidade técnica: pesquisadores, órgãos multilaterais, setor privado, governos e organizações civis lotaram a Blue Zone, fazendo desta uma das COPs mais movimentadas da história recente.

O Brasil, anfitrião em plena floresta amazônica, assumiu protagonismo ao apresentar avanços concretos para a execução das NDCs, fortalecer debates sobre taxonomia, mercados regulados de carbono e mecanismos de financiamento verde.

O país articulou ainda iniciativas com bancos multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A clara orientação para métricas, governança e integridade da informação marcou o tom de uma conferência que passou das promessas às entregas.

Belém transformou a COP numa imersão no coração da floresta, em todos os sentidos. O calor e a umidade extremas expuseram limites de infraestrutura, mas também reforçaram o simbolismo de realizar o encontro na Amazônia.

Foi uma conferência democrática, com protagonismo de povos originários, que tiveram suas vozes ouvidas e respeitadas nas negociações.

A despeito das críticas e dos ruídos políticos, o Brasil mostrou capacidade diplomática, liderança técnica e inovação institucional: do Fundo Ecoinvest ao avanço na criação de taxonomias comparáveis internacionalmente; do fortalecimento do mercado brasileiro de carbono à articulação regional de corredores verdes e debates relevantes sobre descarbonização do petróleo e redução de metano.

Ainda assim, pontos importantes ficaram em aberto, como é o caso da ausência de consenso em torno de um mapa claro para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.

Isso evidencia o que a ciência já apontou e que organismos como a Agência Internacional de Energia (IEA) reiteraram: o tempo acabou, mas a transição é complexa e desigual.

Países altamente dependentes de petróleo ou carvão enfrentam dificuldades reais e a divergência entre projeções energéticas de atores como IEA e Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) mostra como o mapa do caminho para a transição para longe dos combustíveis fosseis exige uma engenharia política e econômica ainda distante de acordos.

O resultado é um recado claro: não existe solução mágica. Implementar exige pragmatismo.

Por isso, talvez a lição mais importante que Belém nos ensina seja a de que a transição climática é, antes de tudo, um espelho. Esperamos decisões transformadoras vindas das COPs, mas as mudanças decisivas ocorrem no comportamento de países, empresas e indivíduos.

A economia verde depende de investimentos maciços em tecnologias limpas, eficiência energética, redes elétricas modernas, armazenamento, hidrogênio, biocombustíveis e sistemas produtivos mais circulares.

A concretização desses avanços também está atrelada à qualificação profissional e da construção de cadeias industriais capazes de competir num mundo em que o clima passa a ditar regras de comércio.

Não há atalhos: a implementação só avança quando cada elo (público, privado e consumidor) assume sua parte. É preciso olhar para o espelho e ver o que cada um de nós pode fazer.

O setor de energia tem clareza disso. Eficiência, eletrificação, digitalização das redes, expansão de renováveis e novas soluções de armazenamento já moldam a agenda industrial.

Temos sim muito o que melhorar e contribuir, mas é fato que empresas do setor já investem bilhões para ampliar infraestrutura, reduzir emissões em toda a cadeia e apoiar clientes em suas próprias trajetórias de descarbonização.

Na Siemens Energy, nosso compromisso é claro: apoiar a transição energética de nossos clientes mantendo a confiabilidade e acessibilidade.

Dentro de casa, mantemos a meta de neutralidade climática em nossas operações até 2030 em escopos 1 e 2, com transparência e ambição — incluindo 60% de redução absoluta das emissões e uso de 100% de eletricidade renovável.

Na cadeia de suprimentos, seguimos com a meta de reduzir a intensidade das emissões em 30%, e para os produtos vendidos, buscamos 50% de redução na intensidade de carbono até 2030.

Iniciativas como uso de biometano nos testes e novos contratos de energia solar reforçam que estamos entregando resultados reais, mesmo diante de cenários desafiadores globalmente.

Alinhados com os objetivos da COP30, de criar um legado de implementação, também redirecionamos mais de 80% dos custos que tradicionalmente utilizamos com logística e hospedagem para investir em um programa educacional de longo prazo na Amazônia.

O “Educar para Energizar”, iniciado como piloto em Belém, oferece cursos técnicos de dois anos para jovens em situação de vulnerabilidade social, visando capacitá-los para trabalhar em projetos relacionados à transição energética.

A COP30 reforçou que prosperidade e transição energética devem caminhar juntas, e que países como o Brasil podem liderar essa agenda ao combinar biodiversidade, vocação renovável e diplomacia climática.

A ambição climática não pode parar em Belém. Pelo contrário: foi lá que se lançaram pontes para o futuro. E agora cabe a nós, empresas, governos e cidadãos, atravessá-las com responsabilidade, coragem e ações concretas.


André Clark é Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy para a América Latina.

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