Cortes de geração

Inel rebate Abeeólica e diz que curtailment não pode ser atribuído somente à GD

Entidade também critica medidas como a obrigatoriedade de baterias, por transferirem para o consumidor final a responsabilidade por problemas estruturais do sistema elétrico

Presidente do Inel, Heber Galarce, durante audiência para debater a vedação à micro e minigeração distribuída por concessionárias, em 29 de outubro de 2024 (Foto Renato Araujo/Câmara dos Deputados)
Presidente do Inel, Heber Galarce, durante audiência para debater a vedação à micro e mini GD por concessionárias (Foto Renato Araujo/Câmara dos Deputados)

RIO — O Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel) contestou nesta terça (2/12) as declarações da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) sobre as causas do curtailment no sistema elétrico e o papel da geração distribuída (GD).

Em matéria publicada pela eixos, a Abeeólica defende a adoção do preço horário e a implementação imediata de baterias na GD para enfrentamento dos crescentes cortes de geração.

Em nota enviada à eixos, o presidente do Inel, Heber Galarce, rebate que “os cortes de geração (curtailment) não podem ser atribuídos, de forma simplista, à expansão da geração distribuída, especialmente à micro e minigeração solar em telhados”.

A discussão ganhou força após o presidente Lula vetar o dispositivo da MP 1.304 (convertida na Lei 15.269/2025) que ampliaria o ressarcimento aos geradores afetados pelos cortes. 

Entre janeiro e agosto deste ano, os geradores renováveis já contabilizaram prejuízos de R$ 3,2 bilhões com curtailment

A GD, que cresceu 5,29 GW entre janeiro e julho e já soma cerca de 40 GW, equivalente a quase 25% da potência instalada do país, foi citada pela Abeeólica como fator central nessa pressão sobre o sistema.

Causas estruturais e responsabilidade do sistema

O presidente do Inel aponta que o fenômeno decorre de “um conjunto de fatores estruturais, como atrasos na expansão da transmissão, decisões de planejamento e critérios operativos ao longo dos anos”. 

Ele lembra ainda que a micro e minigeração foram estimuladas pelo marco legal como instrumentos de democratização da energia limpa e de redução das contas de luz.

O Inel é crítico a medidas discutidas junto ao MME, como a obrigatoriedade de baterias, por entender que transfere a responsabilidade sobre os problemas do sistema elétrico para consumidores e pequenos negócios que investiram em sistemas solares seguindo as regras vigentes.

“Obrigações apressadas de baterias, encargos adicionais ou restrições desproporcionais à GD tendem a deslocar para o consumidor final a responsabilidade por problemas estruturais do sistema elétrico”, afirma Galarce.

Armazenamento é essencial, mas não solução única

Ao rebater o foco da Abeeólica em baterias acopladas à geração distribuída, a entidade reconheceu que tecnologias de armazenamento são indispensáveis, mas alerta que o tema deve ser tratado de forma “técnica, transparente e gradual”. 

O instituto defende que o debate considere tanto soluções centralizadas quanto modelos descentralizados “atrás do medidor”, sem impor a pequenos geradores os custos de uma tecnologia ainda em processo de maturação no país.

Preço horário não substitui expansão da rede

Sobre o sinal horário de preço, outra agenda defendida pela Abeeólica, Galarce avalia que, embora seja uma ferramenta relevante para a modernização do setor, ela não resolve, isoladamente, a crise dos cortes de geração. 

Segundo ele, sem expansão da transmissão, e “restrito a ‘preço horário + baterias na GD’, o debate corre o risco de atacar sintomas, e não as causas estruturantes da crise do curtailment

O executivo também pede equilíbrio na discussão dos impactos do veto ao ressarcimento, ressaltando que eventuais ajustes não podem criar um ônus desproporcional e devem “reservar a segurança jurídica dos investimentos em energias renováveis – centralizadas e distribuídas – sem impor à sociedade um ônus desproporcional na conta de luz”. 

Nota do Inel na íntegra:

“O Instituto Nacional de Energia Limpa (INEL) vem, por meio desta nota, manifestar seu posicionamento em relação às declarações recentes da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) sobre o curtailment de usinas renováveis e o papel da geração distribuída (GD), bem como à forma como esse debate foi retratado em cobertura da Agência Eixos.

O INEL reconhece a relevância histórica da Abeeólica na defesa das fontes renováveis no Brasil e o papel de sua liderança no debate setorial. No entanto, entende que a abordagem apresentada ao público e aos formuladores de política em torno de temas como curtailment, preço horário e uso de baterias na GD precisa ser ampliada, de modo a evitar leituras parciais que possam resultar em medidas injustas para consumidores e pequenos geradores.

Em particular, o INEL destaca:

  1. Causas estruturais do curtailment

Os cortes de geração (curtailment) não podem ser atribuídos, de forma simplista, à expansão da geração distribuída, especialmente à micro e minigeração solar em telhados. Trata-se de um fenômeno ligado a um conjunto de fatores estruturais, como atrasos na expansão da transmissão, decisões de planejamento e critérios operativos ao longo dos anos. A GD, por sua vez, foi estimulada pelo próprio marco legal e regulatório como instrumento de democratização da energia limpa e de alívio das contas de luz.

2. Risco de penalização indevida da GD

O INEL vê com preocupação qualquer narrativa que possa induzir, ainda que de forma não intencional, o Executivo ou o Congresso Nacional a adotar medidas que, na prática, acabem por punir cidadãos, pequenos comércios e pequenas indústrias que investiram de boa-fé em sistemas de geração distribuída, seguindo as regras vigentes. Obrigações apressadas de baterias, encargos adicionais ou restrições desproporcionais à GD tendem a deslocar para o consumidor final a responsabilidade por problemas estruturais do sistema elétrico.

  1. Armazenamento como debate indispensável, não como solução única

O INEL considera que o debate sobre tecnologias de armazenamento é indispensável para o futuro do sistema elétrico brasileiro, incluindo tanto soluções centralizadas acopladas à rede quanto modelos descentralizados “atrás do medidor”. Esse debate, porém, deve ser conduzido de forma técnica, transparente e gradual, sem antecipar um único desenho obrigatório e sem transferir, de forma concentrada, os custos iniciais para os pequenos geradores.

  1. Preço horário como instrumento, não como resposta completa

A adoção de sinal horário de preço é um passo importante na modernização do setor, mas não substitui um plano consistente de expansão da rede, de desenvolvimento de soluções de armazenamento em escala e de revisão de critérios operativos. Restrito a “preço horário + baterias na GD”, o debate corre o risco de atacar sintomas, e não as causas estruturantes da crise do curtailment.

  1. Segurança jurídica e confiança na transição energética

Por fim, o INEL entende que o tratamento do passivo de curtailment e os efeitos do veto ao ressarcimento amplo devem ser discutidos com transparência e equilíbrio, de forma a preservar a segurança jurídica dos investimentos em energias renováveis – centralizadas e distribuídas – sem impor à sociedade um ônus desproporcional na conta de luz.

O INEL reitera seu respeito às entidades representativas do setor, entre elas a Abeeólica, e ressalta que divergências de diagnóstico e de ênfase fazem parte de um debate democrático e necessário. Nosso compromisso é contribuir para que esse debate se faça com base em análises técnicas abrangentes, evitando soluções fáceis que possam fragilizar a confiança de investidores e, sobretudo, penalizar o cidadão que apostou na geração distribuída e na transição energética“.

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