RIO — Com o aumento de suas margens sob críticas dos usuários, o setor de distribuição de gás natural cresceu com ganhos de eficiência operacional nos últimos dez anos, alega a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).
Cobradas por investirem sem conseguir ampliar os volumes movimentados, as distribuidoras levantaram uma defesa institucional da massificação do uso do gás.
Um relatório da consultoria Quantum, lançado esta semana, mostra que as taxas de produtividade do setor cresceram e que os aumentos das margens das concessionárias estaduais não refletem, portanto, ineficiências operacionais – mas sim uma dinâmica natural e transitória, com efeitos positivos a longo prazo, segundo a Abegás.
Pelo contrário, a Produtividade Total dos Fatores (PTF) – metodologia que avalia o quanto uma empresa ou setor é eficiente na transformação de seus recursos em produtos – cresceu entre 3,61% e 4,71% por ano entre 2015 a 2024, a depender do critério utilizado, de acordo com o estudo encomendado pela Abegás.
Efeito temporário nas margens
A Abegás defende que o crescimento de margem média em alguns estados é resultado (transitório) de um processo de expansão necessária para universalizar o serviço.
O relatório cita que, dentro da lógica de rateio do condomínio do sistema de distribuição, com o crescimento do mercado nas novas áreas atendidas, os custos se diluem entre mais usuários – o que ajuda a estabilizar a tarifa ao longo do tempo.
Ou seja, a expansão da rede pode gerar, a curto prazo, aumentos na margem devido à pressão dos investimentos iniciais. À medida que a base de clientes cresce, porém, essa margem tende a se diluir – argumento que os consumidores questionam.
O estudo recomenda aos reguladores estaduais, então, uma visão integral na análise dos investimentos: o regulador não deve se deter exclusivamente à tarifa e deve incorporar também os efeitos esperados dos investimentos sobre a modicidade tarifária a longo prazo, além da função pública do serviço.
As distribuidoras também pedem defendem o reconhecimento da universalização como política pública; o equilíbrio entre modicidade tarifária e expansão; e a valorização dos benefícios indiretos da expansão.
O relatório cita, ainda, que o aumento de margens pode ser provocado não só pelo crescimento de investimentos e custos, mas também por fatores como redução da demanda projetada – nesses casos, a mesma receita necessária para cobrir custos fixos e remunerar a base de ativos precisa ser diluída sobre uma quantidade inferior de unidades vendidas, o que eleva o valor médio calculado.
Alta da margem não é linear entre todos usuários
O estudo também defende a adoção de mecanismos regulatórios para suavizar o efeito de aumento das margens, como a estrutura tarifária – tarifas mais altas para segmentos com maiores custos de atendimento, como o residencial, e tarifas mais baixas para segmentos com custo unitário inferior devido à escala, como o industrial.
A análise de margens médias pode, nesse sentido, ser simplista, segundo o estudo.
O relatório mostra que em São Paulo, por exemplo, no histórico das últimas três revisões tarifárias da Comgás, é possível observar que o segmento residencial passou a absorver a maior parte da remuneração da distribuidora:
- em 2009, na 2ª Revisão Tarifária, a maior parte da receita requerida era alocada ao segmento industrial (64%, contra apenas 16% do residencial);
- o cenário passou a se equilibrar a partir da 4ª Revisão Tarifária, em 2019, quando a participação residencial alcançou 37%, contra os 45% da industrial;
- e na 5ª Revisão Tarifária, este ano, a margem residencial já responde por 43% da receita requerida, superando a industrial (41%).
A Abegás entende que a estrutura tarifária exerce, nesse sentido, função de política energética: a forma como os custos são reconhecidos e alocados entre os diferentes segmentos e classes de consumo (de acordo como volume) impacta diretamente o ritmo de expansão da rede, a penetração do gás nos diferentes segmentos da economia e a competitividade energética do país.
Abegás defende massificação do gás
O investimento médio das distribuidoras de gás é da ordem de R$ 1,2 bilhão ao ano.
O saldo: entre 1999 e 2024, a rede de distribuição no Brasil saltou de 4 mil km para mais de 45 mil km (ou seja, mais de 10% ao ano, ao longo de 25 anos).
O crescimento dessa infraestrutura contrasta com a estagnação da malha de gasodutos de transporte nos últimos 15 anos.
Em termos de volume, o gás distribuído cresceu 6% ao ano, de 11 milhões de m³/dia em 1998 para 52,5 milhões de m³/dia em 2024.
Ainda assim, segundo o estudo, o Brasil possui uma taxa de penetração do gás de 5% no segmento residencial, aquém de países vizinhos da América do Sul, como a Colômbia (65%) e a Argentina (59%).
O presidente-executivo da Abegás, Marcelo Mendonça, destaca que a massificação do gás ajuda na estabilidade tarifária, porque reduz a exposição da concessão a um mercado específico.
“A concessão fica menos exposta a uma falta de crescimento econômico ou um decréscimo de outros mercados, a uma exposição maior ao mercado industrial, por exemplo, a problemas econômicos regionais ou nacionais. Então a gente vê a importância dessa diversificação também nessa segurança de competitividade dos serviços para o estado”.
O diretor Econômico e Regulatório da Abegás, Marcos Lopomo, por sua vez, cita o papel da inclusão social
“No momento em que você expande a rede, você reduz a desigualdade de regiões, você leva indústrias e outros tipos de serviço para aquelas regiões. E isso tem que ser observado por um ente regulador”
Usuários pedem cautela com investimentos
A temporada de revisões tarifárias das distribuidoras de gás, este ano, tem indicado um aumento nas margens do serviço em diferentes estados.
No Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas – que, juntos, representam 23% do mercado – a alta foi de dois dígitos.
O movimento reacendeu o debate sobre eficiência dos investimentos na expansão da rede.
Entidades ligadas aos consumidores industriais alegam que as concessionárias têm mantido planos vultuosos (muitas vezes associados ao segmento residencial) em mercados onde o consumo de gás tem rateado – e, em alguns casos, declinado.
Na revisão tarifária das distribuidoras de São Paulo, este ano, a Abividro (indústria vidreira), Abrace (grandes consumidores de energia) e Abiquim (indústria química) defenderam que fossem estabelecidos critérios mínimos para a aprovação de projetos de expansão.
E pedem a certificação dos investimentos passados – argumentam que a distribuidora, por sua posição, teria um incentivo natural para maximizar a base de remuneração, o que poderia levar a projeções de investimentos inflacionadas e, consequentemente, ao repasse de custos desnecessários aos clientes.
E destacam que o crescimento das margens vai na contramão dos esforços do Gás para Empregar para reduzir os custos das infraestruturas.
A distribuição é o único elo da cadeia do gás que foge da esfera de regulação federal. O Ministério de Minas e Energia (MME), contudo, também tem chamado os estados para a discussão.
Como evitar que investimentos que não sejam, de fato, necessários à prestação do serviço sejam contabilizados foi um dos pontos levantados pelo MME na tomada pública de contribuições aberta este ano para discutir a harmonização regulatória.
