A decisão de negociar, em Belém, um “mapa do caminho” para a saída dos combustíveis fósseis na COP30 é a primeira tentativa real de transformar em roteiro concreto o compromisso assumido desde Dubai, em 2028, de “transicionar para longe dos combustíveis fósseis”.
Depois de uma COP29 incapaz de avançar no tema, a construção desse roteiro tornou a COP30 na “COP da verdade” — termo cunhado pelo presidente Lula —, colocando de um lado, os líderes que realmente estão preocupados em enfrentar as mudanças do clima, e do ou outro, os negacionistas climáticos e aqueles mais apegados ao pragmatismo econômico de curto prazo.
Em meio às discussões, há uma certeza. Não há como reduzir emissões sem reduzir a dependência do carvão, do petróleo e do gás. E não há como reduzir essa dependência sem o hidrogênio de baixo carbono, especialmente o verde.
A urgência de um roteiro claro
Em Belém, na COP30, a ambição para construir um “mapa do caminho” para abandonar os combustíveis fósseis ganhou força, mas proporcionalmente enfrentou muita resistência.
Os grandes produtores de carvão, óleo e gás, como China, Índia, Rússia e Arábia Saudita, trabalham para diluir qualquer formulação que implique redução efetiva de fósseis.
As grandes petroleiras, que nos últimos anos recuaram em investimentos renováveis para voltar ao core de exploração, tampouco abraçam plenamente a ideia.
E os Estados Unidos, maior produtor de petróleo do mundo, sequer participam das negociações multilaterais da COP.
A ironia é que muitos desses países e empresas — mesmo enquanto resistem ao acordo — são os maiores investidores emergentes em hidrogênio, justamente porque sabem que o reposicionamento tecnológico será inevitável.
Isso indica que, embora o roteiro seja vital, o hidrogênio de baixo carbono deve continuar, mesmo sem um acordo ambicioso.
A construção de um mapa claro e coordenado seria fundamental, uma vez que poderia orientar políticas públicas, investimentos e garantir previsibilidade para projetos de infraestrutura de hidrogênio.
Um roteiro seria essencial para enviar um sinal de longo prazo para governos, empresas e comunidades, acelerando a integração entre renováveis, produção e demanda de hidrogênio.
Mas a verdade é que muitos países, inclusive os que resistem na construção do mapa, já apostam no hidrogênio.
Grandes apostas mundiais
A China lidera os investimentos globais em energia limpa e hidrogênio. Segundo o Hydrogen Council, o país comprometeu cerca de US$ 33 bilhões para projetos de hidrogênio limpo.
Além disso, o país asiático deve repetir no hidrogênio sua história de sucesso da energia solar, dominando toda a cadeia tecnológica.
A Índia já conta com US$ 14 bilhões em investimentos. O país tem a meta de produzir até 5 milhões de toneladas até 2030, e já vem se destacando em leilões governamentais que esperam reduzir a sua dependência por fertilizantes fósseis.
Já a Arábia Saudita aposta na chamada “cidade-futuro” NEOM, que abriga um dos maiores projetos de hidrogênio verde do mundo, liderado pela ACWA Power, com US$ 8,4 bilhões previstos para integrar 3,9 GW de solar, eólica e armazenamento para gerar hidrogênio e amônia sem carbono.
Hidrogênio é indispensável
O hidrogênio não é a única solução, mas ao lado dos biocombustíveis avançados, da eletrificação direta e da eficiência energética, será um dos pilares fundamentais no futuro mix energético.
Na indústria pesada, o hidrogênio pode ser usado na produção de aço, fertilizantes, cimento e produtos químicos que dependem de calor intenso e processos que hoje queimam carvão e gás natural. O hidrogênio limparia essa cadeia sem comprometer a produtividade.
No transporte de longa distância, o hidrogênio e seus derivados (amônia verde, SAF e-metanol) são hoje as rotas mais promissoras para descarbonizar aviação e transporte marítimo — duas das áreas mais difíceis de eletrificar.
No próprio setor elétrico, o hidrogênio tem capacidade de funcionar como backup para renováveis, em que células a combustível e hidrogênio armazenado compensam a intermitência da eólica e da solar, garantindo segurança energética em sistemas que querem abandonar o carvão e o gás.
Múltiplos caminhos e múltiplas rotas
Apesar do hidrogênio verde, via eletrólise com energia renovável, ser o objetivo final, é importante reconhecer o papel de outras rotas na transição.
A exemplo do hidrogênio azul, especialmente em países produtores de gás que podem capturar e armazenar CO2 com eficiência, como os EUA, e rotas a partir da biomassa, em países com grande produção agrícola, como Brasil.
E sem perder de vista o hidrogênio natural, ou branco, ainda em fase exploratória, que desponta como uma descoberta revolucionária, por ser abundante e de baixo custo.
O que importa é que o mapa do caminho reconheça as circunstâncias nacionais e as rotas tecnológicas possíveis que cada país pode adotar. O importante é focar na redução das emissões.
Também vale destacar que a dependência de fósseis não é apenas um problema climático, como também um risco econômico e geopolítico. Países que importam petróleo e gás pagam caro quando há conflitos, bloqueios de rotas ou manipulação de preços.
Hidrogênio, produzido localmente, pode reduzir essa vulnerabilidade e permitir que cada nação tenha maior autonomia sobre sua própria energia, além de garantir a a criação de empregos verdes em linha com a transição justa.
