Agência cobra investimento

ANP aperta o cerco e exige plano da Petrobras para modernizar unidade de gás fora das especificações

Estatal deverá apresentar em até três meses um plano de ação para adequação da Unidade de Tratamento de Caraguatatuba (SP), a UTGCA, que fornece gás natural fora das especificações

RIO — A Petrobras deverá apresentar em até três meses um plano de ação para que a Unidade de Tratamento de Caraguatatuba (SP), a UTGCA, passe a fornecer gás natural dentro das especificações, determinou nesta terça-feira (18/11) a diretoria da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A decisão foi uma condicionante imposta pelo regulador para a renovação, por até oito meses, da autorização especial que permite à UTGCA ofertar gás do teor mínimo de metano de 80% – abaixo do limite regulatório de 85%. A proposta partiu do diretor Pietro Mendes e foi acatada pelo relator Daniel Maia e demais diretores da agência.

A estatal opera o ativo com base nessas autorizações especiais desde 2020, em função da mudança do perfil de composição do gás processado na unidade – que hoje opera majoritariamente com gás do pré-sal, com teores de hidrocarbonetos diferentes daqueles tradicionalmente presentes no pós-sal e que balizaram a construção do ativo.

A Petrobras cancelou em 2020 o projeto de modernização da UTGCA, alegando, na ocasião, inviabilidade econômica financeira – o projeto, segundo a ANP, está em fase de reavaliação preliminar.

A agência alega no processo, contudo, que a Petrobras não conseguiu comprovar a impossibilidade técnica ou econômica efetiva de adequação da UTGCA. 

A área técnica da Superintendência de Desenvolvimento e Produção (SDP) entende, nesse sentido, que a operação da UTGCA fora da especificação reflete uma “escolha empresarial pela postergação de investimentos”.

A diretoria da ANP determinou nesta terça que as áreas técnicas da agência avancem, em seis meses, na análise conclusiva da adequação da UTGCA. 

O trabalho será conduzido pela Superintendência de Biocombustíveis e Qualidade de Produtos (SBQ), em articulação com as superintendências de Produção de Combustíveis (SPC); de Desenvolvimento e Produção (SDP); e de Infraestrutura e Movimentação (SIM).

Diretores citam Gás do Povo em cobrança

A ANP entende que a remoção mais eficiente das frações pesadas do gás na UTGCA elevaria não só o teor de metano, como otimizaria a recuperação do gás liquefeito de petróleo (GLP).

O diretor-geral da ANP, Artur Watt, evocou o Gás do Povo para justificar a cobrança sobre a Petrobras.

A discussão, segundo ele, não pode se descolar da realidade de um programa de governo que, se bem sucedido, incentivará o aumento do consumo de GLP no país, com impactos sobre a balança comercial. 

“Ainda que a maior parte da produção [de GLP] seja nacional, o que se incrementa de demanda, que visa de certa forma o programa atender, também estaremos falando, de no limite, na margem, aumentar a importação”, disse.

Pietro Mendes defendeu uma “cobrança maior” sobre a Petrobras e disse que a agência não pode “fechar os olhos” para o descumprimento das especificações por parte da empresa. 

“Quando você permite a queima do gás natural, com essa especificação, você está diminuindo a oferta de GLP, que é um combustível fundamental para a sociedade, e está também diminuindo a oferta de etano, que poderia ser um alavancador de uma indústria petroquímica nacional”.

“Não dá para, a título de autorização excepcional a gente fechar os olhos que tem um agente que não está seguindo a especificação de gás natural vigente no país”.

Quando era secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis no Ministério de Minas e Energia, Pietro se defrontou com esse debate nos comitês técnicos do Gás para Enpregar.

Aumentar a capacidade de processamento e separação das frações líquidas do gás natural, a partir da adequação da UTGCA, foi uma das ações propostas no relatório final do programa.

O decreto 12.153/2024, a propósito, reforçou as competências da ANP em lidar com a questão, ao prever que a agência poderá determinar a adequação da capacidade operacional das infraestruturas, para ampliar a oferta prevista no Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, o PNIIGB.

Adequação da UTGCA pode viabilizar novos projetos

A diretora Symone Araújo citou, em seu voto, ainda, os impactos da não adequação sobre o escoamento futuro de novos projetos de gás, como Orca (Shell), Bacalhau (Equinor) e Aram (Petrobras).

No novo PNIIGB, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontou que a UTGCA pode ser um destino alternativo para o gás de Aram, operado pela Petrobras.

As restrições técnicas atuais de Caraguatatuba, porém, são um dos desafios para o projeto, reconhece a EPE. 

A discussão sobre a adequação da UTGCA acontece seis meses após a ANP publicar a nova resolução que trata das especificações do gás natural no Brasil.

A Resolução 982/2025 manteve as exigências previstas na Resolução 16/2008, mas instituiu mecanismos que autorizam flexibilizações em casos específicos para o pré-sal, por meio de atos administrativos.

A discussão sobre as especificações, há quase dez anos anos, produtores de gás e a indústria química (entenda a disputa).

Os produtores alegam que, caso as regras não sejam flexibilizadas no pré-sal, a oferta de gás natural ao mercado pode ser prejudicada. A autorização especial para a Petrobras em Caraguatatuba teria, assim, minimizado os impactos do declínio da produção do pós-sal da Bacia de Santos.

O relatório técnico apresentado pela Petrobras projetou que, sem autorização especial, haveria uma redução significativa na capacidade de escoamento do gás do pré-sal pela Rota 1, de 3,3 milhões de m³/dia  em 2025 e podendo atingir até 5,5 milhões de m³/dia entre 2027 e 2030.

E aí os produtores entram em conflito com a agenda da indústria química, que teme que o Brasil desperdice, assim, o potencial de desenvolvimento da indústria petroquímica.

O setor argumenta que a flexibilização das regras inibe investimentos para ampliação da oferta de etano, um dos componentes do gás natural.

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