BRASÍLIA — O secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, defendeu em audiência da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado na terça (4/11), que o Brasil não pode abrir mão das repercussões penais previstas no projeto de lei de tipificação do devedor contumaz.
O texto aprovado no Senado — na esteira do pacote anticrimes que ganhou força no Congresso Nacional após a operação Carbono Oculto — prevê a manutenção do processo criminal contra sonegadores enquadrados como contumazes. Mesmo se houver acordo para quitação dos débitos.
“Um contribuinte que comete um crime contra a ordem tributária, ele pode ter suspenso o procedimento penal e a extinção da punibilidade se ele parcelar e pagar o tributo”, explicou Barreirinhas.
“Isso só existe no Brasil. A gente sempre fala que o Al Capone foi pego nos Estados Unidos por não pagar tributo. Aqui, ele iria parcelar em cinco anos o débito e nunca seria preso”.
Na audiência, este ponto se mostrou um consenso entre a Fazenda e a representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), o Instituto Combustível Legal (ICL) e a Frente Parlamentar do Livre Mercado defenderam a aprovação urgente do texto na Câmara.
Pelo texto, o devedor é considerado contumaz por um acúmulo de critérios de inadimplência substancial, reiterada e injustificada.
O secretário fez questão de ressaltar que a medida incidirá sobre uma ínfima minoria de CNPJ — entre mil e 1,2 mil, num universo de 20 milhões de cadastros — e que a o parcelamento de dívidas tributárias continuaria válido para mais de 99,9% dos CNPJ, que não são devedores contumazes. A Receita Federal estima que R$ 200 bilhões sejam devidos apenas em tributos federais.
A promotora de Justiça e representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Anne Karine Wiegert, acompanhou o entendimento.
Segundo ela, as facções criminosas estão migrando pesadamente para o mercado lícito e formal e se inserindo em vários espaços da economia, valendo-se de novos mecanismos de ocultação e lavagem de dinheiro, como as fintechs, as bets e os criptoativos.
Ela cita o último estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que estimou a participação do crime organizado em 14,7% do mercado.
“E para além do crime organizado, nós sabemos que a sonegação fiscal no Brasil representa uma perda significativa de arrecadação estimada em mais de R$ 500 bilhões anualmente, que é a diferença da arrecadação potencial e a efetiva. Essa é a magnitude do problema”, disse Wiegert.
Assim como a autoridade da Receita Federal, a promotora cita dentre os obstáculos jurídicos para um combate mais efetivo aos crimes contra a ordem econômica e tributária, a extinção da punibilidade pelo pagamento.
Para Wiegert, a extinção de uma punição penal é um fator de enfraquecimento para a repressão da prática, que não construiu para dissuadir o devedor contumaz dessa conduta.
Empresas que se valem de dívidas tributárias como práticas anticoncorrenciais atualmente se beneficiam de instrumentos destinados aos bons contribuintes. “O sonegador ou devedor paga hoje, amanhã ele comete novamente”, pontuou.
A representante do Ministério Público também defendeu a exigência de inscrição no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Públicos Federal (Cadin). Na prática, essa inscrição impede que empresas devedoras participem de licitações e contratem com o poder público.
