Hidrogênio em foco

Postergação da IMO é banho de água fria no hidrogênio 

A indústria de hidrogênio via uma oportunidade de sinalizar demanda e investimentos em combustíveis sustentáveis, como a amônia verde e o e-metanol. 

Maersk e SunGas firmam parceria para produção de metanol verde nos EUA. Na imagem: Navio cargueiro da Maersk em alto mar (Foto: Divulgação/Maersk)
Utilizando o metanol verde como combustível para transição energética, empresa dinamarquesa quer atingir operações livres de emissões de carbono até 2040 (Foto: Divulgação/Maersk)

A decisão da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) de adiar por um ano a adoção do Net Zero Framework (NZF) — um marco regulatório que criaria o primeiro sistema global de precificação de carbono para o transporte marítimo — caiu como um banho de água fria sobre projetos de hidrogênio verde e seus derivados. 

A postergação, aprovada após forte pressão dos EUA, Arábia Saudita e de outros países produtores de petróleo e gás, atrasa não apenas a definição de metas obrigatórias de redução de emissões, mas também o horizonte de previsibilidade regulatória que investidores e governos aguardavam para destravar projetos bilionários.

A indústria de hidrogênio via na IMO uma oportunidade para sinalizar demanda e consolidar um novo ciclo de investimentos em combustíveis marítimos sustentáveis, como a amônia verde e o e-metanol

Segundo a Green Hydrogen Organisation, a adoção do NZF poderia reduzir as emissões do transporte marítimo em até 30% até 2030 e elevar a participação dos combustíveis de emissão zero a 10% da matriz do setor até o fim da década.

Em vez disso, o adiamento trouxe mais um ano de incerteza para um mercado que já sofre com margens estreitas, custos elevados e dificuldades de financiamento.

Ao invés de sinais de mercado, “recebemos mais um ano de incerteza”, lamentou a diretora de políticas da Skies and Seas Hydrogen-fuels Accelerator Coalition, Aurelia Leeuw. (Argus

Sem um preço global de carbono nem metas de redução obrigatórias, os projetos de e-combustíveis, que demandam bilhões de dólares e contratos de longo prazo para alcançar a decisão final de investimento (FID), devem enfrentar uma travessia mais longa até a viabilidade econômica.

Um oceano de emissões

Para a indústria, o impasse reflete a influência persistente dos defensores do óleo e gás nas instâncias multilaterais, que preferem prolongar a dependência de combustíveis fósseis sob o argumento de proteger economias emergentes e frotas em desenvolvimento.

O resultado é o prolongamento de um vácuo regulatório que trava a descarbonização de um setor responsável por cerca de 3% das emissões globais e 80% do comércio mundial.

No Brasil, onde o hidrogênio verde desponta como uma aposta estratégica para reindustrialização e exportação de energia limpa, o adiamento também é sentido como um obstáculo. 

Portos como Suape (PE), Açu (RJ) e Pecém (CE), além de Minas Gerais e Alagoas somam dezenas de memorandos de entendimento e estudos de viabilidade para a produção de hidrogênio e derivados voltados à navegação internacional. 

Entre eles, projetos da European Energy e da GoVerde em Suape para produzir e-metanol; o hub de hidrogênio e derivados do Porto do Açu, em parceria com a HIF Global; e o plano da Exygen, em Alagoas, que prevê uma segunda fase dedicada ao e-metanol. 

Todos esses empreendimentos aguardam marcos regulatórios claros e, sobretudo, compradores dispostos a firmar contratos de longo prazo.

Mais tempo para poíticas domésticas

Ainda assim, o adiamento da IMO pode ter um efeito colateral positivo, que é dar tempo ao Brasil para alinhar suas políticas internas. 

O decreto que regulamenta as leis do hidrogênio (14.948 e 14.990), e define as regras de acesso aos créditos fiscais do PHBC e aos incentivos do Rehidro, está pronto e aguarda apenas o aval da Casa Civil

Além disso, o Ministério de Minas e Energia prorrogou por 90 dias o grupo de trabalho que desenha uma política para combustíveis marítimos sustentáveis, essencial para posicionar o país como fornecedor competitivo de e-metanol e amônia verde, e outros combustíveis de baixo carbono, para o mercado internacional.

Enquanto o multilateralismo patina, a União Europeia consolida seu papel de farol regulatório. 

O regulamento FuelEU Maritime impõe reduções progressivas na intensidade de carbono dos combustíveis marítimos — 2% já em 2025 e 80% até 2050 — e funciona hoje como o único conjunto robusto de regras em vigor. 

Para desenvolvedores, ele se tornou um vetor mais relevante que o próprio NZF da IMO. 

“Conversas com clientes indicam que as empresas vão deixar de esperar pela IMO e seguir em frente com o FuelEU”, disse Lara Naqushbandi, diretora da ET Fuels, que acaba de iniciar o projeto de uma planta de e-metanol no Texas voltada ao mercado europeu.

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