RIO — Representantes do governo dos Estados Unidos vêm sondando governos estaduais em busca de oportunidades no setor de terras raras e minerais críticos, especialmente em Goiás, Minas Gerais e Bahia, segundo apuração da agência eixos.
As tratativas começaram, pelo menos, desde abril — antes do tarifaço de 50% imposto pela Casa Branca sobre produtos brasileiros — e devem estar entre os temas da reunião entre Lula e Donald Trump, prevista para o próximo domingo, na Malásia, onde irão discutir a revisão da taxação.
O interesse norte-americano ocorre em meio à crescente disputa global por minerais estratégicos, usados em tecnologias de defesa, energia limpa e alta performance industrial, e o domínio chinês no beneficiamento desses minerais.
Fontes dos três estados — que preferiram manter o anonimato devido ao caráter sensível do assunto — confirmaram à eixos que representantes oficiais dos Estados Unidos fizeram contatos reservados para entender o marco regulatório brasileiro e sondar possíveis parcerias de exploração, em especial, de terras raras.
As terras raras são essenciais à transição energética — usadas em ímãs de carros elétricos e turbinas eólicas —, mas também têm uso militar estratégico em mísseis, drones e satélites.
“Os Estados Unidos têm demonstrado interesse crescente no acesso às terras raras e a outros minerais estratégicos brasileiros, considerados fundamentais para a indústria de alta tecnologia”, afirmou o presidente em exercício e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin (PSB), em entrevista exibida na noite de terça (21) pela Record News.
O presidente Trump designou o secretário de Estado Marco Rubio para negociar as tarifas com o Brasil.
“A discussão já faz parte do diálogo econômico entre os dois países. Ambos buscam ampliar a cooperação em áreas de energia, inovação e sustentabilidade. O Brasil tem energia abundante e limpa — eólica, solar, hidrelétrica —, há um espaço enorme de bom entendimento com os Estados Unidos”, acrescentou.
Questionda, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil não respondeu às perguntas sobre as reuniões com representantes dos estados brasileiros.
Sondagens em Goiás, Minas Gerais e Bahia
Em Goiás, o encarregado comercial da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, procurou o governo estadual em julho, interessado no beneficiamento de terras raras produzidas no estado.
Hoje, o Serra Verde Group, que desenvolve um projeto de exploração de terras raras no em Goiás, é o único produtor em escala, fora da Ásia, dos quatro elementos de terras raras fundamentais para a produção de ímãs permanentes.
No ano passado, ainda no governo de Joe Biden, o projeto foi adicionado à lista da Minerals Security Partnership (MSP), considerado “de importância crítica” para a transição energética global.
A MSP é uma colaboração internacional composta por 14 países parceiros, incluindo Estados Unidos e a União Europeia, focada em assegurar cadeias de suprimento de minerais críticos, reduzindo a dependência da China.
Contudo, segundo representante do governo de Goiás, o movimento americano encontrou concorrência do Japão, que avançou nas tratativas para aquisição das terras raras da região.
Um acordo poderia incluir a instalação de um data center japonês em Goiás como contrapartida. Mas a negociação depende de atuação do governo federal.
Em Minas Gerais, representantes da Embaixada dos EUA e do Departamento de Comércio americano mantiveram conversas reservadas com o governo estadual desde abril, demonstrando interesse em lítio, terras raras e minério de ferro.
O estado abriga uma das maiores jazidas de terras raras do mundo, na região de Poços de Caldas, Caldas e Andradas, com potencial para atender até 20% da demanda global.
A australiana Meteoric, com o Projeto Caldeira, já aplicou cerca de R$ 430 milhões na região, enquanto a Viridis destinou R$ 120 milhões para o Projeto Colossus.
A Meteoric possui acordo com a norte-americana Ucore, financiada pelo Departamento de Defesa dos EUA, de quase R$ 100 milhões, para fornecer parte da produção à fábrica da Ucore na América do Norte.
Minas também de destaca pelos projetos de extração de lítio no Vale do Jequitinhonha, com empresas como Lightning Minerals, Latin Resources, Atlas Lithium e Sigma Lithium — esta última com empreendimento mais avançado e de maior escala no Brasil.
O lítio é considerado essencial para a transição energética, uma vez que é matéria-prima de baterias para veículos elétricos e para a cadeia de geração de energias renováveis.
Atualmente, segundo a fonte do governo mineiro, parte dos projetos em está paralisada devido à volatilidade do preço do lítio no mercado internacional, que inviabiliza o desenvolvimento dos empreendimentos.
Já na Bahia, a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) também foi procurada por representantes do governo dos EUA e da Câmara Americana de Comércio (Amcham).
O interesse é voltado para terras raras, e inclui o Projeto Bahia, da empresa Energy Fuels, voltado à extração sustentável de titânio, zircônio e elementos de terras raras na região de Alcobaça, Caravelas e Prado, no sul do estado.
Localizado em uma área de 15 mil hectares, o projeto está atualmente na fase de pesquisa mineral.
Disputa geopolítica e barreiras regulatórias
As fontes ouvidas afirmam que os EUA demonstraram pouco conhecimento sobre o regime minerário brasileiro, no qual todos os recursos minerais pertencem à União, conforme a Constituição Federal.
A exploração só pode ocorrer mediante autorização federal.
Em junho, a Embaixada dos EUA publicou, em suas redes sociais, registro de um encontro entre o encarregado de negócios Gabriel Escobar e empresários dos setores de energia, mineração e tecnologia agrícola, destacando “novas parcerias em minerais críticos e cadeias de suprimento”.
No mês seguinte, Escobar reforçou publicamente o interesse em acordos de cooperação para aquisição de lítio, nióbio e terras raras com o Brasil.
Pressão estratégica e o peso da China
O interesse de Washington nas terras raras brasileiras tem um componente estratégico claro.
Os EUA dependem fortemente da China — responsável por cerca de 90% do refino global desses elementos — e buscam diversificar cadeias de suprimento consideradas vitais para defesa e energia.
No início do governo, Trump assinou uma ordem executiva para impulsionar a produção doméstica e firmar parcerias internacionais, afirmando que “minerais críticos são essenciais para a prontidão militar dos EUA, já que são componentes-chave de caças, satélites, submarinos, bombas inteligentes e sistemas de orientação de mísseis”.
Já no início deste mês, a China apertou o cerco ao restringir a exportação de terras raras, atingindo principalmente o mercado dos Estados Unidos.
Com o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, o tema ganhou urgência diplomática, com Brasil e Estados Unidos vendo espaço para uma “agenda ganha-ganha”.
Segundo análise da consultoria Eurasia Group, o Brasil não deve aceitar um modelo de concessão preferencial semelhante ao acordo firmado entre os EUA e a Ucrânia.
Mas o acordo poderia incluir a instalação de plantas de beneficiamento, ou de primeiro refino, no Brasil, como contrapartida.
Inicitivas de financiamento, cooperação para mapeamento geológico e mecanismos de controle de volatildade de preço de terras raras e outros minerais críticos, também podem estar na mesa de negociação, a exemplo do acordo fechado entre EUA e Austrália nesta semana.
