Opinião

Construindo solidez financeira no mercado livre de energia

Investimentos em marca e desenvolvimento de novos produtos são essenciais com a abertura do mercado, escreve Yasmine Ghazi

Yasmine Ghazi, diretora Financeira da TYR Energia (Foto Divulgação)
Yasmine Ghazi, diretora Financeira da TYR Energia (Foto Divulgação)

O mercado livre de energia brasileiro vive um momento único. Com a abertura gradual para consumidores menores e a diversidade de comercializadoras, presenciamos uma transformação que trazem oportunidades extraordinárias, mas também desafios complexos que exigem clareza estratégica.

Como diretora financeira de uma varejista independente, vejo diariamente como é fundamental equilibrar a expansão de market share com prudência financeira.

Quando falamos de mercado livre hoje, não estamos mais no cenário de cinco anos atrás.

A maioria dos grandes consumidores já migraram, e agora disputamos por um consumidor menor, mais diversificado e, inevitavelmente, com perfil de risco mais heterogêneo. Isso não é necessariamente ruim, pois representa democratização do acesso à energia livre. Mas exige uma abordagem diferente.

No passado, uma única negociação podia representar megawatts significativos. No varejo, o crescimento é de “grão a grão”, como dizemos internamente.

Cada contrato individual deve fazer sentido financeiro, porque é dessa forma que construímos resultados sólidos. Costumo brincar que precisamos ponderar a cada novo contrato, através da ótica do triangulo: preço, prazo e risco.

Preço: a realidade dos spreads comprimidos

A pressão por preços menores é constante. A oportunidade da nova venda traciona por ofertarmos, a cada vez, uma proposta mais competitiva.

Mas, com spreads menores e um mercado altamente canibalizado, não podemos negligenciar: fechando múltiplos contratos na margem mínima, como uma empresa consegue manter sua operação robusta e gerar os resultados projetados?

A diferenciação aqui se torna crucial. Desenvolver soluções personalizadas, que agregam valor real para o cliente permite sustentar margens mais justas.

Desta forma, a competição não se dá apenas em torno do preço, mas também na oferta de novos serviços e funcionalidades que empoderem o cliente a tomar as melhores decisões relacionadas a sua gestão energética, de forma simples e acessível para consumidores amplos, não especialistas no setor.

O mercado livre é a porta de entrada para uma revolução no setor de energia, pois ele estimula o desenvolvimento e a adoção de diversos produtos de eficiência e gestão energética, como baterias, sistemas de recargas de veículos elétricos e bancos de capacitores, devidamente recomendados e aplicados caso-a-caso com base em softwares de análise dos dados de consumo, captados através dos medidores inteligentes instalados em cada unidade consumidora.

Prazo: o desafio do capital de giro

O prazo de pagamento é outro ponto sensível. Enquanto a pressão de mercado busca flexibilidade nas condições de prazo para pagamento para fechar negócios, precisamos lembrar que a Câmara de Comercialização de Energia (CCEE) liquida as operações a cada sexto dia útil do mês. Se o cliente paga no dia 15, mas eu preciso honrar meus compromissos no dia 6, quem financia essa diferença?

Cada extensão de prazo é uma decisão estratégica que impacta diretamente no capital de giro. É um exercício constante de equilibrar competitividade comercial com saúde financeira operacional.

Risco: conhecer para precificar

O risco de crédito talvez seja o mais complexo dos três pilares. Com o perfil atual do mercado, precisamos ser cada vez mais criteriosos.

Se um cliente tem histórico de bom pagador, posso trabalhar com margens mais competitivas. Mas se identificarmos sinais de fragilidade financeira, precisamos precificar esse risco adequadamente. O mercado livre varejista não opera com a figura das garantias.

Um cliente com risco elevado tem menor probabilidade de chegar a um ciclo de renovação contratual, apresenta maior probabilidade de inadimplência e demandará mais recursos de gestão. Todos esses fatores precisam estar refletidos na precificação.

Uma vantagem importante do mercado livre é o sistema de proteção regulatória. Quando um cliente fica em atraso, seguimos o rito de cobrança: notificação seguida de prazo para regularização.

No limite, em caso de término de contrato por falta de pagamento, o cliente precisa regularizar seus débitos com a comercializadora para poder retornar ao mercado cativo ou mudar de fornecedor dentro do mercado livre, caso contrário terá o corte de energia realizado pela distribuidora local e ficará sem luz até quitar seu débito com a varejista.

Esse mecanismo oferece segurança ao setor, mas não elimina o trabalho de gestão. O processo é burocrático, demanda recursos jurídicos e administrativos, e resulta na perda do cliente. Por isso, a prevenção através de análise criteriosa continua sendo a melhor estratégia.

Concorrência desleal: um obstáculo real

Por outro lado, não podemos ignorar a prática de concorrência desleal por parte das distribuidoras que, para reter clientes, oferecem condições incapazes de competir. São exemplos disso o uso da marca e de base dados de clientes da distribuidora pela comercializadora do mesmo grupo econômico.

Além disso, graças a seu tamanho e nível de faturamento, os grupos econômicos que controlam, ao mesmo tempo, distribuidoras e comercializadoras de energia, podem praticar um spread mínimo, sabendo que qualquer valor incremental compensa a perda total do cliente da distribuidora para o mercado livre.

Essas práticas reconcentram o mercado através de contratos longos e pouco transparentes, limitando a inovação e prejudicando o consumidor final. Empresas independentes precisam competir não apenas em preço, mas provar constantemente seu valor através de serviços diferenciados e relacionamento próximo.

Com a perspectiva de abertura total do mercado, vivemos um momento de preparação intensa. Investimentos em marca, tecnologia, foco na experiência do cliente e desenvolvimento de novos produtos são essenciais.


Yasmine Ghazi é diretora financeira da TYR Energia.

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