Opinião

O Brasil está pronto para liderar a indústria do hidrogênio verde?

Hidrogênio verde é uma resposta concreta para o combate às mudanças climáticas, escreve Fernando Delgado

Políticas públicas brasileiras para a transição energética e o hidrogênio verde. Na imagem: Fernanda Delgado, diretora Executiva da ABIHV (Foto: Divulgação)
Fernanda Delgado é diretora Executiva da ABIHV (Foto: Divulgação)

Já é sabido que o mundo vive uma corrida decisiva contra os efeitos das mudanças climáticas. Esses são sentidos em eventos extremos, insegurança alimentar, ondas de calor extremas, pelas perdas na infraestrutura e sobre a saúde das pessoas, e tudo isso é pago com dinheiro público. Impactos e pressões sobre a economia global, e a vida na Terra, de uma forma geral.

O que o senso comum não sabe — ou não o tem de forma clara — é que “apenas com o direito internacional dos direitos humanos — sem nem sequer precisar recorrer ao Acordo de Paris ou a outras fontes do direito internacional — existe o dever de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis”, segundo Elisa Morgera, relatora especial da ONU sobre mudanças climáticas.

“Existem obrigações legais suficientemente vinculantes que explicam por que os Estados devem agir, para o bem de todos nós e de nosso bem-estar.”

Nesse cenário, o hidrogênio, a amônia e o e-metanol verdes surgem como soluções promissoras para reduzir emissões e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono.

Como sabido, esses novos combustíveis verdes (junto aos fertilizantes verdes também) comporão uma pletora de soluções para trazer para baixo o conteúdo de carbono de processos produtivos como do aço, da indústria química, da agricultura e dos transportes.

E para além disso, poucos países têm condições tão favoráveis quanto o Brasil para assumir protagonismo nesse processo.

O Brasil reúne fundamentos únicos: uma matriz energética predominantemente renovável, abundância de recursos naturais de baixo custo, possibilidade de projetos em escala e localização geográfica estratégica tanto para o atendimento ao mercado doméstico quanto para exportação.

Some-se a isso um histórico de políticas públicas bem-sucedidas em biocombustíveis e energia limpa que trabalham — e trabalham bem — o gerenciamento pelo lado da demanda.

Esse conjunto de fatores coloca o país em posição estratégica para atrair investimentos, gerar empregos qualificados e consolidar-se como protagonista da nova ordem econômica mundial, que é verde.

Mais do que uma oportunidade de negócios, o hidrogênio verde representa um compromisso com o futuro. Um compromisso que colocará o Brasil na economia do século XXI. Ele permite alinhar crescimento econômico e responsabilidade ambiental, apoiando setores de difícil descarbonização, como a indústria e os transportes.

Trata-se de um vetor energético sofisticado, complexo, de alto valor agregado e que movimenta uma cadeia tecnológica complexa — dos eletrolisadores às células a combustível; de isolantes térmicos a tanques de armazenagem — e gera inovação e aporte tecnológico em toda a economia.

Para que esse potencial se converta em realidade é fundamental avançar em marcos regulatórios e em instrumentos de estímulo. O Brasil já aprovou o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono e criou mecanismos como o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) e o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), que prevê R$ 18,3 bilhões em créditos fiscais entre 2028 e 2032.

A recente adequação do Rehidro à nova estrutura tributária, no esteio da aprovação pelo Senado do PLP 108/2024 que regulamenta a segunda etapa da reforma tributária, afastou a lacuna normativa preexistente, garantindo a continuidade do regime especial e a retenção de investimentos previstos no setor. Essas iniciativas são passos importantes, mas precisam ser acompanhadas de previsibilidade regulatória, segurança jurídica e coordenação institucional.

Esses aspectos garantiriam um terreno propício ao desenvolvimento da indústria do hidrogênio verde no Brasil, sendo fundamental para atrair e reter investimentos, ainda que a conjuntura atual seja desafiadora para o país e o restante do mundo.

Relatos sobre os projetos de hidrogênio verde descontinuados no mundo apontam que a insegurança regulatória é um dos principais motivos do desinteresse das empresas pelo negócio. Vale destacar que no último relatório do Fundo Monetário Internacional sobre a perspectiva econômica global destacou que a prioridade política é restaurar a confiança, a previsibilidade e a sustentabilidade diante de um contexto de elevada incerteza.

As incertezas geopolíticas evocam a fragmentação das cadeias de suprimento e elevam os preços; o comércio internacional é impactado pelos efeitos das tarifas adicionais dos Estados Unidos, a aversão ao risco aperta as condições financeiras, as taxas de juros elevadas visam manter a trajetória de redução da inflação, o preço do barril de petróleo em queda em meio às decisões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em aumentar a oferta e ampliar sua participação de mercado, o crescimento econômico global resiliente, porém, em desaceleração: trata-se de tempos adversos para a indústria verde nascente.

A situação, sabidamente conjuntural, não deve, entretanto, ser confundida com uma mudança de rota. As evidências científicas do aquecimento global e seus efeitos, os compromissos climáticos sólidos de governos e corporações, a inserção e aceitação social dos conceitos de sustentabilidade e baixa pegada de carbono, bem como os negócios e finanças sustentáveis em processo de ganho de escala afirmam um lugar promissor para a indústria do hidrogênio verde na nova ordem econômica mundial.

Dessa forma, estabelecer condições vantajosas no Brasil para atrair e reter investimentos é um passo estratégico no posicionamento social, político e econômico do país. Em condições contrárias, recuperar o tempo mal aproveitado redundaria em custos adicionais, considerando os agentes competitivos já definidos e os contratos formalizados.

Além das condições jurídico-regulatórias e de uma estratégia capaz de definir competências e colaborações interinstitucionais, outro desafio central para o Brasil atrair e reter projetos são as condições de financiamento. A nova indústria precisa cobrir custos elevados, atrair investidores, estruturar linhas de crédito e firmar contratos de longo prazo.

A despeito dos impeditivos para acessar o mercado de capitais comuns aos países em desenvolvimento devido à situação fiscal e ao endividamento externo, o Brasil é capaz de levantar recurso. No entanto, os custos sobre o capital podem variar de duas a três vezes acima das economias avançadas, o que prejudica a viabilidade econômico-financeira de novos projetos.

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), a colaboração com instituições de financiamento é fundamental para identificar as barreiras e os principais riscos percebidos por investidores. Tal engajamento apoiaria a customização de financiamentos mistos, o uso de instrumentos para mitigar o risco cambial, garantias e seguros, entre outras ferramentas de-risking para mobilizar o capital privado.

Antecipadamente, a preparação de bons projetos é crucial para a decisão final de investimento. As condições técnicas, a infraestrutura logística adequada, os trabalhadores qualificados, o engajamento com a comunidade local e parcerias de extensão com centros de ensino para investir na formação de talentos são elementos que caracterizam um bom projeto do ponto de vista técnico e social.

Sem pessoas qualificadas, não há transição energética possível. Universidades e centros de pesquisa já se movimentam, mas é essencial intensificar o apoio da indústria para consolidar essa base. A boa notícia é que os primeiros passos já estão em andamento.

Projetos-piloto, parcerias internacionais e um ambiente crescente de cooperação demonstram que o Brasil não está parado. O Hub de Hidrogênio Verde do Complexo do Pecém, por exemplo, já possui sete pré-contratos assinados, que somam US$ 24 bilhões em investimentos.

Outros hubs são igualmente promissores, como Suape, onde é prevista a instalação de fábrica de e-metanol, e a Zona de Processamento de Exportação do Parnaíba, no Piauí, entre outros. Mas a velocidade é crucial: a liderança só será conquistada com planejamento, inovação e decisões de investimento nesta década.

O combate às mudanças climáticas exige coragem e ação imediata. Pelo lado da engenharia, o caminho já está pavimentado. O hidrogênio verde é uma resposta concreta, e o Brasil tem recursos, conhecimento e capacidade de mobilização para ser líder global nesse caminho. O que está em jogo não é apenas um novo setor econômico, mas a oportunidade de construir um futuro mais sustentável e justo para todos.


Fernanda Delgado é CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV).

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