Em meio às críticas das grandes distribuidoras à proposta de reforma regulatória da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para o gás de cozinha (GLP), uma voz dissonante defende que as mudanças podem trazer mais eficiência, segurança e, principalmente, preços mais baixos para o consumidor.
Para Sérgio Balbino, presidente da distribuidora Gazoon, a proposta de permitir o enchimento fracionado e o envase de botijões de outras marcas, quando combinada com novas tecnologias, têm o potencial de revolucionar um mercado que opera no mesmo modelo há 80 anos.
Enquanto gigantes do setor alertam para riscos – como a atração do crime organizado e a insegurança jurídica –, Balbino argumenta que a tecnologia de rastreabilidade digital será a chave para aumentar o controle e inibir práticas ilegais, como o roubo de cargas.
“Quando nós tivermos o código digital lastreado ao número de série e ao número do seu CPF, eventualmente, se houver um roubo desse botijão, você vai poder fazer um boletim de ocorrência, comunicar o sistema de todo o mercado e esse bujão vai ficar como nulo. Ele não vai poder ser enchido”, explicou ao estúdio eixos. Assista na íntegra acima.
A proposta da ANP ainda será detalhada com a publicação de minutas de resolução para consulta ao mercado. Em uma análise prévia, concluída, a agência indicou a possibilidade de permitir o enchimento dos botijões por qualquer agente, independente da marca estampada no vasilhame.
Hoje, as distribuidoras têm seu mercado protegido por esse direito de exclusividade: cada um enche o próprio botijão. Em troca, ficam responsáveis pela requalificação. Na visão da agência – compartilhada pela Gazoon – esse desenho de mercado está defasado, com prejuízos para o consumidor.
“Uma requalificação [de botijão] hoje custa 20 reais. Um botijão nacional custa 350 reais. Eu, como empresário, te afirmo: eu vou fazer a requalificação do botijão do meu cliente para eu ter giro e estar sempre trabalhando. Não faz sentido eu não fazer”, afirma Balbino.
A Gazoon, que hoje atua no mercado a granel, já se prepara para a nova fase, adquirindo botijões para entrar na modalidade de envase e apostando nos nichos que devem surgir com a regulamentação.
Recentemente o assunto foi tema da Liquid Gas Week 2025, no Rio, onde empresas associadas ao Sindigás fizeram duras críticas à proposta da ANP, apontando que ela enfraquece o controle e a fiscalização, logo, a segurança dos consumidores, sem, contudo, atingir os resultados econômicos pretendidos. Para agentes do setor, como o VP da Consigaz, o enchimento fracionado de botijões pode estimular fraudes. Veja a cobertura completa do estúdio eixos no evento.
Fracionamento: ‘Já existe e é seguro’
Um dos pontos mais polêmicos da proposta é a permissão do enchimento fracionado para o popular botijão de 13 kg (P13), presente em 91% dos lares brasileiros. Para Sérgio Balbino, a discussão ignora um fato simples: o modelo já é uma realidade no Brasil para outros vasilhames.
“Primeiro, tenho que te dizer que o fracionamento já existe no país. O gás fracionado já é vendido nos botijões de 20 kg e de 190 kg”, afirma. Segundo ele, tanto o modelo “pit stop” do P20 quanto o abastecimento do P190 em comércios e hospitais funcionam de forma segura porque seguem processos e normas estabelecidas.
“A gente não vê acidente no enchimento do P190, não vê enchimento do P20, que é um fracionado já”, completa.
Logística reversa e rastreabilidade
O maior ganho de eficiência da reforma, segundo o presidente da Gazoon, virá da reorganização logística com o enchimento remoto – realizado diretamente nos depósitos de revendedores, em vez das grandes bases centralizadas. Hoje, o setor vive o que ele chama de “passeio de botijões”.
“Um botijão pesa 14 quilos de aço. Nesse modelo atual, a gente tem um passeio de botijões, uma queima de diesel desnecessária, além do custo do próprio centro de destroca”, critica. Com o abastecimento remoto, apenas o gás seria transportado até o depósito, reduzindo pela metade o custo logístico.
Essa mudança, segundo ele, desfaz o argumento de que a medida aumentaria a deterioração dos botijões. Pelo contrário, ao diminuir o manuseio e o transporte, a vida útil do vasilhame tende a aumentar. A segurança do processo seria garantida por tecnologia.
“Lá é feita toda a checagem, é colocado um tag digital, que vai fazer o rastreamento de fato. Você vai saber quem viu se ele está dentro da validade, quem foi o operador que falou que ele está em condições de uso”, detalha.
O fim da exclusividade da marca
Outro pilar da reforma é a permissão para que uma distribuidora encha botijões com a marca de uma concorrente. As grandes empresas defendem que isso desvaloriza o investimento (capex) que fizeram na criação de seus parques de vasilhames. Balbino contesta, afirmando que o botijão é um bem do cliente, que o adquiriu no passado.
Para ele, a verdadeira barreira de entrada no mercado não é a marca estampada no cilindro, mas o controle sobre a circulação deles. “A barreira está no sumiço ou deixar os botijões, como tem botijões em pátios, em Paulínia [SP], parados para que a outra companhia não consiga operar. Essa é a barreira”, diz.
Com a mudança, ele estima uma redução de 7% a 12% no preço final do botijão para o consumidor.
Inovação e novos entrantes
O modelo atual, na visão de Balbino, gerou uma estagnação tecnológica. A abertura do mercado, acredita, trará uma onda de inovações já existentes em outros países, como o botijão de plástico, que não explode e é mais leve; válvulas de engate rápido; e o GLP aditivado, que a própria Gazoon já comercializa, prometendo maior rendimento.
O caminho para a entrada de novas empresas, no entanto, não é imediato. Balbino estima que um novo player, do zero, levaria de 18 a 24 meses para conseguir as licenças e iniciar a operação. O movimento mais provável, segundo ele, é que as distribuidoras que hoje atuam apenas no segmento a granel expandam suas operações para o mercado de envasados, aproveitando a nova regulação.
Ponto a ponto: a visão da Gazoon sobre a reforma do GLP
- Cenário Atual: Criticado por ter um modelo logístico ineficiente (o “passeio de botijões”), que eleva os custos e gera queima desnecessária de diesel. A concentração de mercado, segundo a empresa, inibe a inovação tecnológica.
- Enchimento Fracionado: Defendido como uma prática que já existe e é segura nos botijões P20 e P190. A segurança vem da aplicação de normas e processos, não do tipo de enchimento.
- Redução de Custo: A permissão do enchimento remoto nos depósitos poderia cortar os custos logísticos pela metade, com uma projeção de queda de 7% a 12% no preço final ao consumidor.
- Segurança e Rastreabilidade: A proposta é usar “tags digitais” em cada botijão para criar um sistema de rastreamento completo, o que permitiria verificar a validade, o responsável pelo envase e até mesmo bloquear botijões roubados no sistema.
- Propriedade do Botijão: A Gazoon defende que o botijão pertence ao cliente, não à empresa cuja marca está estampada nele.
- Potencial de Inovação: A abertura do mercado é vista como um catalisador para a introdução de tecnologias já presentes no exterior, como botijões de plástico (mais leves e seguros) e válvulas de engate rápido.
- Novos Entrantes: As empresas que já atuam no mercado a granel são as mais preparadas para expandir a operação rapidamente. player totalmente novo enfrentaria um período de 18 a 24 meses para licenciamento e início das atividades.