Opinião

Take or pay ou take and pay? A natureza distinta das cláusulas nos contratos de gás e biometano

Partes envolvidas na negociação de contratos de compra e venda de gás devem avaliar quais soluções são mais adequadas para seu negócio e redigir cláusulas que evitem conflitos futuros, escrevem Maria Fernanda Soares e Gabriel de Andrade Cavalcanti

Abertura do mercado de gás natural já tem dez novos fornecedores. Na imagem, rede de distribuição de gás natural (Foto: Divulgação)
Dez distribuidoras estaduais já têm contratos assinados com novos supridores, para compra de mais de 5,5 milhões de m³/dia em 2022; volume equivale a cerca de 13% do mercado das distribuidoras (Foto: Divulgação)

A importação de institutos e conceitos de outras jurisdições sempre foi comum no direito brasileiro, mas os recentes movimentos de globalização intensificaram essa prática. 

A indústria do gás natural não fica alheia a essa dinâmica. Os principais contratos da cadeia de gás natural foram elaborados a partir do direito anglo-saxão (em inglês, common law), de modo que nem sempre existe equivalência entre suas previsões e as disposições do direito contratual brasileiro. 

A cláusula de take or pay, amplamente utilizada nos contratos de compra e venda de gás (GSA), é um exemplo disso. 

Em resumo, take or pay é a obrigação do comprador de pagar por uma quantidade mínima de gás, mesmo que não a retire para uso. O valor desta quantidade mínima é um percentual da Quantidade Diária Contratada (QDC), que costuma variar bastante, até chegar em 100%. Sua periodicidade de apuração usualmente pode ser diária, mensal, trimestral ou anual.

Sob a ótica do vendedor, o take or pay assegura um fluxo de caixa previsível, que é utilizado para amortização de investimentos incorridos na infraestrutura de produção e comercialização de gás. 

Para o comprador, o take or pay assegura a disponibilidade de determinada quantidade de gás a um preço pré-acordado e, em alguns casos, o comprador terá o direito de recuperar tais quantidades pagas e não retiradas de gás. 

Apesar de bastante comum, a natureza jurídica do take or pay ainda é discutida. Nas formulações mais usuais no país, essa disposição é construída como uma obrigação alternativa, uma vez que ele concede ao comprador o direito de optar por pagar ou retirar a quantidade mínima de gás acordada com seu vendedor. 

Há, por outro lado, construções que estruturam o take or pay nos contratos como uma cláusula penal, a partir do conceito de que o seu pagamento decorre do descumprimento de uma verdadeira obrigação da compradora de retirar a quantidade mínima de gás acordada.

Não honrando tal obrigação, a compradora ficaria então exposta ao pagamento da penalidade estipulada no contrato.

Acontece, porém, que, ao classificar o take or pay como cláusula penal, seu conceito passa a ser de outra natureza, também usual em contratos de compra e venda de gás, qual seja, o chamado take and pay

Nesse caso, o comprador assume os compromissos de retirar e pagar por uma certa quantidade de gás. Dessa maneira, existe uma obrigação financeira (pagamento) associada a uma obrigação física (retirada). 

Assim, se o comprador deixa de retirar tal quantidade, incorre em verdadeiro descumprimento contratual e fica exposto, portanto, ao pagamento de um valor que consiste em uma multa estipulada na cláusula penal. 

A distinção entre take or pay e take and pay é importante porque consistem em institutos jurídicos diferentes no direito brasileiro: a obrigação alternativa ou a cláusula penal estão sujeitas a regimes jurídicos próprios previstos no Código Civil Brasileiro, com importantes repercussões para as relações contratuais. 

A cláusula de take or pay não pressupõe a inexecução da obrigação principal. Nesse sentido, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já afirmou que ela “compõe a própria obrigação, já que define o valor a ser pago pela disponibilização de um volume específico de produtos”. 

O descumprimento do take or pay, assim, não seria deixar de retirar as quantidades de gás previstas no contrato, mas, por exemplo, atrasar o pagamento do valor a que ele se refere. Assim, sua violação costuma resultar na incidência dos encargos moratórios sobre o valor devido.

No Brasil, é comum que contratos de gás natural possuam cláusulas de take or pay, enquanto os compromissos de take and pay sejam frequentes nos contratos de fornecimento de biometano

No entanto, é muito comum que a simples leitura do contrato não deixe clara a intenção das partes de estipular uma previsão de take or pay ou take and pay, quando as redações tendem a misturar elementos de cada um desses conceitos. 

A falta de clareza pode gerar dificuldades de interpretação do contrato e de aplicação adequada do regime jurídico aplicável às obrigações acordadas pelas partes. 

Como visto, a distinção entre as cláusulas de take or pay e take and pay será fundamental para definir o regime jurídico aplicável às respectivas cláusulas, à caracterização de inadimplemento contratual e às eventuais consequências contratuais relativas ao descumprimento. 

Por conta disso, as partes envolvidas na negociação de contratos de compra e venda de gás natural ou biometano devem avaliar quais soluções são mais adequadas para seu negócio e, ao chegarem na opção, redigir cláusulas que reflitam adequadamente o que é por elas pretendido para evitar conflitos futuros. 


Maria Fernanda Soares é sócia da área de Infraestrutura e Energia, Petróleo e Gás do Machado Meyer Advogados.

Gabriel de Andrade Cavalcanti é advogado da área de Infraestrutura e Energia, Petróleo e Gás do Machado Meyer Advogados.

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