No último dia 12 de abril de 2021, a assembleia geral ordinária da Petrobras elegeu seus novos conselheiros por meio do voto múltiplo, permitindo aos acionistas minoritários a eleição de um representante para o Conselho de Administração da estatal, enquanto a União, exercendo sua posição de acionista controlador, garantiu outros sete assentos.
Conforme dispõe o art. 142, II da Lei 6.404/76 (“Lei das S/A”), o Conselho de Administração é o órgão deliberativo que tem a competência legal para eleger e destituir os diretores da sociedade anônima.
Às vésperas da assembleia de acionistas do dia 12 de abril, diversos veículos de imprensa noticiariam que havia a expectativa de que os acionistas minoritários da Petrobras angariassem votos suficientes para eleição de pelo menos dois membros para o conselho.
Ao final da assembleia, entretanto, verificou-se que era equivocada a pretensão dos minoritários.
Surpreendentemente, no dia 16 de abril de 2021, foi noticiado que o conselheiro indicado pelos minoritários teria renunciado ao seu cargo na primeira reunião do novo conselho de administração, despertando a especulação de que, com seu ato, o representante dos minoritários no órgão estaria em verdade forçando a realização de uma nova eleição de todos os membros do conselho de administração, por meio da convocação de uma nova assembleia geral de acionistas.
Diante destes fatos, chama atenção o crescente poder que os acionistas minoritários vêm adquirindo e a influência, algumas vezes até abusiva, na administração das companhias abertas.
Para entender corretamente as manobras realizadas pelos acionistas minoritários no âmbito da assembleia geral e no conselho de administração da Petrobrás, faz-se necessário inicialmente entender a forma da eleição dos membros do conselho de administração, uma vez que a lei prevê a eleição de duas formas:
(i) por meio de apresentação de chapas levadas ao escrutínio dos acionistas; ou
(ii) por meio do voto múltiplo, consoante o disposto no art. 141 da Lei das S/A.
A eleição dos conselheiros por meio de chapa se dá por meio da apresentação de uma lista fechada, com nomes indicados pelos acionistas para ocupar todos os assentos no conselho de administração.
Assim, ganha a chapa que obtiver maior votação em números absolutos.
Já na eleição por voto múltiplo, o escrutínio é proporcional ao número de acionistas que se fazem presentes na assembleia divididos pelo número de assentos no conselho, sendo que cada ação representa um voto.
Assim verifica-se quantos votos são necessários para garantir a eleição de um membro do conselho e inicia-se a eleição individual de cada conselheiro.
Dessa forma, o voto múltiplo assegura aos acionistas minoritários com participação relevante no capital social da companhia o direito de ser representado por pelo menos um membro no conselho de administração da companhia, reduzindo a assimetrias de poder em face do acionista controlador.
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De acordo com o mencionado artigo 141 da Lei das S/A, os acionistas que representem pelo menos 10% do capital votante têm o direito a requerer a realização da eleição dos membros do conselho de administração por meio do voto múltiplo.
Contudo, em relação às companhias abertas, o art. 291 da Lei das S/A conferiu à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) o poder de reduzir o quórum para aprovação de uma série de matérias, dentre as quais o pedido para eleição do conselho de administração pelo voto múltiplo e convocação de assembleia geral de acionistas.
Assim, dentro de sua competência legal, a CVM emitiu as Instruções nºs 165/1991 e 282/1998, fixando uma escala porcentagem mínima, com base no capital social, para eleição de conselheiros por voto múltiplo que, no caso da Petrobras, alcança um percentual mínimo de 5% do capital votante.
Uma vez eleito o conselho por meio do voto múltiplo, a destituição de ao menos um conselheiro implicará obrigatoriamente na necessidade de convocação de uma assembleia geral para proceder a uma nova eleição de todos os membros do conselho de administração (e não apenas a do conselheiro destituído).
Entretanto, no caso de renúncia do conselheiro, a administração da companhia não será obrigada a convocar nova assembleia geral, exceto se os acionistas angariem votos suficientes para sua convocação.
Com efeito, de acordo a Lei das S/A, os acionistas que representarem ao menos 5% do capital social poderão convocar nova assembleia, caso os administradores não atendam o pedido de convocação.
Ocorre que, com base no mencionado art. 291 da Lei das S/A, a CVM emitiu a Instrução CVM nº 627, reduzindo o percentual de ações necessárias para convocação de assembleia de acionistas em companhias abertas, em uma escala que varia de 5% a 1% do capital social.
Portanto, para companhias do porte da Petrobras, a convocação de uma assembleia de acionistas necessita de apenas 1% das ações.
Diante destes fatos, suponha-se, apenas a título de argumentação, que o conselheiro da Petrobras, maior companhia da América do Sul, de fato, tenha renunciado ao seu cargo no conselho unicamente com o objetivo de motivar uma nova eleição do conselho de administração para, finalmente, alcançar o objetivo de eleger ao menos dois conselheiros representantes dos minoritários.
A realização de uma assembleia de acionistas para eleição de um novo conselho de administração certamente causaria uma instabilidade na administração da estatal, provocando maior volatilidade na cotação de suas ações negociadas na bolsa de valores.
No entanto, o grande questionamento que se faz é se, nos dias de hoje, é realmente necessário que a CVM reduza o percentual para requerimento do voto múltiplo e, principalmente, para convocação de assembleia de acionistas de forma tão acentuada, como efetuado pelas Instruções 282 e 627?
Quando foi promulgada a Lei das S/A, ainda no ano de 1976, os serviços de comunicações existentes eram extremamente ineficientes se comparados com os disponíveis nos dias de hoje.
Tal fato, tornava quase impossível a articulação entre os vários grupos de acionistas minoritários, espalhados no Brasil e no mundo, na elaboração de uma estratégia conjunta de votação, o que justificava o poder concedido a CVM para redução de certos quóruns, pois a pulverização de ações no mercado dificultava sobremaneira o alcance dos percentuais mínimos previstos em lei.
Ocorre que, nos dias de hoje, é tão diversificado e eficiente o sistema de comunicações que a CVM, no ano de 2015, regulamentou o voto à distância, por meio da Instrução nº 481, que permitiu aos acionistas, quando da realização de assembleia de acionistas, encaminharem suas instruções de voto diretamente para a companhia ou para seu representante.
Finalmente, em 2020, foi editada a lei 14.030 que autorizou as companhias abertas e fechadas realizar assembleia de acionistas de forma 100% digital.
Nas sociedades anônimas de capital fechado, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”), no dia 14 de abril de 2020, emitiu a Instrução nº 79, por meio do qual regulamentou as assembleias de acionistas de modo virtual.
Já no caso das companhias abertas, foi determinado à CVM que regulamentasse a forma de sua realização, o que foi feito em 17 de abril de 2020, por meio da Instrução nº 622, que emendou a Instrução nº 481.
Diante deste avanço das comunicações e da regulamentação legal no sistema de votação, a participação nas assembleias gerais foi extremamente facilitada, permitindo um maior protagonismo a uma gama de acionistas até então impossibilitados de participação na vida societária das companhias, independentemente do lugar do mundo em que se encontrem.
Assim, diante desta verdadeira democratização do direito de voto permitido pelo avanço das comunicações, fica a questão se, atualmente, ainda seria efetivamente necessária a redução tão significativa de votos para matérias como, por exemplo, pedido de voto múltiplo e convocação de assembleias de acionistas, como estabelecido pelas Instruções CVM 282 e 627.
A batalha pela eleição do segundo assento no conselho de administração da Petrobras, por meio da tentativa dos minoritários de forçar uma nova convocação de assembleia de acionistas, ajudará a esclarecer se os avanços nas comunicações acima comentados ainda justificam a manutenção de quóruns tão baixos, seja para requerer o voto múltiplo, seja para convocação de assembleias de acionistas.
Essa observação é importante para verificar se, ao contrário do que pretendia o art. 291 da Lei das S/A, que buscava proteger os interesses dos grupos de acionistas menos representados, podemos estar testemunhando, em face das novas tecnologias de comunicações, o início de uma era do abuso de poder do acionista minoritário no âmbito das companhias abertas.
Eduardo Cirne Lima é advogado de Direito Societário do escritório Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel
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