"Amazônia estava em chamas"

Queimadas na Amazônia durante governo Bolsonaro adiaram acordo Mercosul-EFTA

Aumento das queimadas na Amazônia em 2019 foi um dos motivos para atraso em na assinatura do acordo de livre comércio entre os blocos.

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Vista aérea de um desmatamento na Amazônia para expansão pecuária, em Porto Velho, Rondônia - Foto: Victor Moriyama/Amazônia em Chamas

RIO — As queimadas que se intensificaram na Amazônia em 2019, no início do governo Jair Bolsonaro, influenciaram o atraso em cinco anos da assinatura do acordo de livre comércio entre a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) e o Mercosul

Foi o que afirmou, nesta terça (17/9), o vice-secretário-geral da EFTA, Markus Schlagenhof, durante evento promovido pela Noruega no Rio de Janeiro, um dia após a assinatura do tratado.

“Acompanhei as negociações até 2019, quando de alguma forma concluímos, mas não estávamos prontos para comunicar. Até que Bolsonaro, o então presidente do Brasil, tuitou, e a notícia foi divulgada no meio da Amazônia em chamas, e a controvérsia começou”, conta Schlagenhof, que na época era o chefe negociador da Suíça.

O diplomata lembrou que, após a divulgação precipitada de Bolsonaro sobre o acordo, em agosto de 2019, as críticas internacionais se intensificaram por conta da devastação ambiental. 

Naquele ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou 89.178 focos de queimadas na Amazônia, 30% a mais que em 2018. 

No mesmo mês, a então primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, classificou como um “péssimo momento” a conclusão do acordo comercial, lembrando que a Amazônia “estava em chamas”.

Dias depois, Noruega e Alemanha anunciaram o bloqueio de mais de R$ 133 milhões em repasses ao Fundo Amazônia, acusando o Brasil de não querer mais combater o desmatamento.

As dificuldades para avançar no acordo se agravaram com a mudança de governo na Argentina e a pandemia de Covid-19, que praticamente paralisou o processo. Apenas em 2024 as negociações foram retomadas, até a assinatura formal nesta terça (16/9).

“Provavelmente a parte mais difícil dessa negociação, na fase final, foi a questão da sustentabilidade”, aponta Schlagenhof. 

Potencial econômico 

O Acordo de Livre Comércio EFTA-Mercosul abrange quase 300 milhões de pessoas e um PIB agregado superior a US$ 4,3 trilhões.

Os países da EFTA — Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça — concederão preferências tarifárias, cotas isentas de impostos ou liberalização total para itens-chave do Mercosul, como etanol e farelo de soja.

Em contrapartida, o Mercosul — formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia (a Venezuela segue suspensa) — abrirá espaço para produtos industriais, farmacêuticos e pesqueiros dos países europeus.

“Nossas empresas não poderiam crescer se não tivessem a possibilidade de expandir e exportar para o exterior. E os investimentos da Noruega na América do Sul, e particularmente no Brasil, são um exemplo impressionante”, avalia Schlagenhof. 

Sustentabilidade no centro

Segundo o vice-secretário, um dos objetivos do acordo é “mostrar que o comércio anda de mãos dadas com a sustentabilidade”.

O diplomata destaca que o acordo pode gerar uma economia de até 200 milhões de dólares anuais para a EFTA. E, em termos de cobertura, é até mais amplo do que o acordo da União Europeia.

O tratado reafirma compromissos ambientais e sociais, como a implementação do Acordo de Paris, o combate ao desmatamento e à pesca ilegal, além da promoção de práticas agrícolas sustentáveis. 

O texto também se alinha ao Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (2022) e incorpora compromissos trabalhistas da Agenda do Trabalho Decente.

Para a ministra do Comércio e Indústria da Noruega, Cecilie Myrseth, esse ponto foi central no processo. 

“O capítulo sobre sustentabilidade é sempre importante. E isso também foi parte do motivo pelo qual demorou tanto para finalizarmos o acordo, porque já tínhamos um começo no processo em relação à sustentabilidade”, disse a jornalistas, nesta quarta.

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