O setor elétrico brasileiro vive um momento de profundas transformações. A expansão acelerada das fontes renováveis, em especial eólicas, solares e a geração distribuída (GD), trouxe novos desafios à operação do sistema.
Entre eles, um termo tem ganhado cada vez mais espaço nas discussões técnicas, jurídicas e econômicas: o curtailment — ou o corte forçado de geração.
Na prática, trata-se de uma consequência física direta da operação do sistema: é necessário manter o equilíbrio contínuo entre a carga e a geração.
Quando há excesso de geração, o Operador Nacional do Sistema (ONS) precisa reduzir a produção das usinas sob seu comando. Isso já ocorria com hidrelétricas, que sofrem há anos com vertimentos turbináveis, mas ganhou outra dimensão com a intensa penetração de fontes não despacháveis, como a solar e a eólica.
O crescimento da GD agrava ainda mais esse cenário. A expansão rápida e acelerada da geração distribuída contribui para o excesso de oferta de energia no sistema elétrico, dificultando o controle operacional do ONS, especialmente em horários de baixa carga.
Em paralelo, a expansão da transmissão, que poderia aliviar o problema, demanda tempo e investimentos de longa maturação.
A inserção de tecnologias de armazenamento também poderia contribuir para amenizar o problema, trazendo maior flexibilidade ao sistema, mas requer alguns avanços regulatórios e de políticas públicas para se consolidar no setor.
Assim, o curtailment, que se originou como uma questão técnica, ganha contornos jurídicos e econômicos: afinal, a despeito dos desafios técnicos para a operação sistêmica, quem deve assumir os custos da energia que deixou de ser produzida?
Esse impasse já está no centro das discussões entre governo e mercado. O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) coordena um grupo de trabalho dedicado ao tema, em que há a expectativa de edição de uma portaria prevendo o ressarcimento aos agentes impactados pelo curtailment.
Por outro lado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) instaurou a Consulta Pública nº 45/2019, que visa estabelecer diretrizes claras para o problema. Soma-se a isso a expectativa de que o tema seja contemplado na Medida Provisória nº 1.304, ampliando ainda mais sua relevância no debate setorial.
Em termos percentuais, dados do ONS compilados pelo Itaú BBA e publicados em seu relatório mensal indicam que, em agosto de 2025, os cortes totais de geração atingiram 26,4% de toda a energia que poderia ter sido produzida — o maior percentual já registrado até hoje.
Desse montante, 15% corresponderam a razões energéticas, ou seja, excesso de geração em relação à demanda; 1,4% foram motivados por restrições externas — um dos poucos tipos de curtailment que garantem ressarcimento aos geradores, já que envolvem fatores causados por terceiros; e 10% resultaram de questões ligadas à confiabilidade elétrica.
O segmento eólico representou 23,4% dos cortes no período, dos quais 12,7% ocorreram por razões energéticas.
Os dados relativos à fonte solar são ainda mais expressivos: 37,9% de corte em agosto, sendo 23,7% devido ao excesso de geração. Com mais energia entrando no sistema e sem aumento equivalente da demanda, a tendência é que o curtailment siga de intensificando.
Mais do que uma questão operacional, o curtailment reflete os desafios de um setor que busca conciliar segurança energética, sustentabilidade e competitividade.
Trata-se de um cenário multifacetado — envolvendo aspectos de natureza física, econômica e jurídica — cuja solução demanda coordenação entre governo, reguladores, agentes do mercado e consumidores.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Carlos Frederico Lucchetti Bingemer é sócio da área de Energia do BMA Advogados.

Bruna de Barros Correia é sócia da área de Energia do BMA Advogados.