PIPELINE. Novo modelo do LRCAP não encerra por completo o debate sobre a competitividade das térmicas conectadas aos gasodutos. Agentes pedem mudanças nas regras, alegando perda de atratividade para recontratação de usinas existentes na disputa com o carvão. E voltam a sugerir tarifas de transporte diferenciadas para térmicas.
Risco de atraso na revisão tarifária preocupa TBG. Uma nova chance para a TSB. Arsesp conclui Revisão Tarifária da Comgás e Necta e mais. Confira:
Pensado como uma forma de distensionar o litígio em torno do Leilão de Reserva de Capacidade, o novo desenho do LRCAP (a separação entre térmicas conectadas e desconectadas da malha de gasodutos) não encerra por completo o debate sobre como tratar os custos de conexão das usinas ao sistema de transporte de gás natural.
Agentes interessados em entrar no leilão, seja como fornecedores do gás, seja como geradores, pedem mudanças nas regras propostas. E voltam a sugerir tarifas de transporte diferenciadas para térmicas.
Alegam que as exigências de contratação de capacidade firme no sistema de transporte de gás podem comprometer a rentabilidade do negócio – e prejudicar a concorrência, inclusive, com as usinas a carvão, colocadas para competir com o gás no certame de 2026.
- O alerta já foi dado pela Petrobras – e, durante a consulta pública das diretrizes do LRCAP, reforçado pela Galp e a Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget).
“Uma coisa que nos causou um pouco de espanto foi a questão do carvão junto com térmica na rede. Afinal, tem carvão importado que está competindo com térmica nacional”, afirmou a diretora de Transição Energética da Petrobras, Angélica Laureano, em entrevista ao estúdio eixos, na Rio Pipeline & Logistics. Assista na íntegra
A seguir, a gas week retoma o debate e faz uma leitura preliminar das contribuições apresentadas pelos agentes na consulta pública, encerrada nesta sexta (12/9) – e cujo conteúdo ainda não estava totalmente disponível até o fechamento desta edição.
Mas antes, aquele convite para você se conectar ao sétimo episódio do videocast gas week, com o diretor-geral da Transportadora Sulbrasileira (TSB), Walter Farioli. Assista na íntegra.
Incertezas nas tarifas
A Petrobras reconhece que a separação dos produtos (térmicas conectadas e desconectadas) foi um avanço na formatação do LRCAP e que o modelo melhora as chances de recontratação de térmicas existentes.
A estatal pretende concorrer com 3,4 GW de termelétricas a gás no certame, previsto para março de 2026. A maior parte disso é potência existente de usinas que já chegaram ou estão chegando ao fim de contrato – e um projeto é novo, no Complexo de Energias Boaventura, o antigo Comperj, em Itaboraí (RJ).
Mas… a petroleira entende que o modelo tem seus percalços.
Em resumo, as térmicas deverão comprovar a conexão ao sistema de transporte, por meio de termos de compromisso para contratação do serviço firme – e que assegure a operação contínua do empreendimento em sua capacidade máxima – por um período mínimo inicial de sete anos.
A Petrobras alega, contudo, que o setor de transporte convive com uma série de indefinições neste momento:
- as transportadoras estão no meio de um processo de revisão tarifária;
- falta visibilidade, portanto, das tarifas a longo prazo;
- não existem hoje, aliás, tarifas de transporte superiores a cinco anos;
- e a minuta dos contratos de transporte sequer foram disponibilizadas;
A estatal argumenta, nesse sentido, que as incertezas se traduzem na precificação dos riscos, comprometendo a competitividade das térmicas a gás em relação ao carvão – uma visão corroborada pela Galp.
“Entendemos como um equívoco supor que o atual modelo de contratação firme proposto na minuta não gerará impactos na atratividade e competitividade dos empreendimentos ao impor uma contratação de forma plena e contínua do transporte do gás”, cita a contribuição da portuguesa.
- O outro lado: projetos a carvão também questionam as regras do LRCAP, que inviabilizam, por exemplo, a participação de Candiota (Âmbar) e da Energia Pecém (Diamante)
A Galp, aliás, pede a retirada do carvão da disputa – ou que, uma vez mantido, seja contratado num produto específico no 2º LRCAP de 2026 (o das térmicas a óleo). A Petrobras também sugere esse modelo.
O impacto nas receitas
As exigências de contratação firme, na visão da Abraget, não conversam com os requisitos de flexibilidade operativa exigidos no LRCAP.
A associação – e também a Galp – alegam que a maior parte da Receita Fixa (a remuneração anual paga ao titular da usina) pode ficar comprometida em cobrir os custos do transporte, achatando, assim, a atratividade do negócio.
A consultoria Thymos Energia estimou para a Abraget, num cenário base, que o impacto financeiro da contratação firme de transporte de gás para as usinas conectadas é de:
- R$ 146 por MWh na malha da TAG;
- R$ 132 por MWh na NTS;
- e R$ 81 por MWh na TBG.
“Partindo da premissa que os price caps [o preço-teto] dos produtos do LRCAP não são muito diferenciados, price caps para térmicas conectadas não permitem o investimento e operação dessas usinas”, cita a Thymos, na contribuição.
Tarifas diferenciadas para térmicas
Nesse debate, Petrobras e Galp retomaram a proposta de criação da tarifa de transporte binômia, composta por:
- uma parcela fixa (Ship or Pay) mais baixa ou até mesmo nula;
- e uma parcela variável (mais alta, cobrada no despacho das usinas)
O modelo chegou a ser cogitado pelas próprias transportadoras de gás, em anos passados, mas o pleito delas evoluiu, com o tempo, para a proposta do pass-through (o adicional de receita aos geradores, para compensar o custo com a contratação firme dos gasodutos).
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) abriu um debate sobre a criação de tarifas diferenciadas para térmicas, na revisão dos critérios de cálculo das tarifas dos gasodutos (Resolução 15/2014).
O regulador, porém, segmentou o escopo da discussão e jogou a definição do assunto para o último trimestre de 2026.
A Galp pede uma definição urgente da ANP sobre o assunto, a tempo do LRCAP 2026.
Em tempo… a Petrobras apresentou algumas outras sugestões complementares ao MME, dentre as quais:
- que os contratos das térmicas existentes sejam de 15 anos, e não dez (igualando-se, portanto, às condições contratuais de projetos greenfield);
- que a sistemática do leilão permita a contratação integral da térmica existente, mesmo que a demanda do produto seja inferior à capacidade instalada do empreendimento;
- e a criação de um produto termelétrico adicional, com início de suprimento em julho de 2031 (as diretrizes do LRCAP preveem que o último produto terá início de suprimento em julho de 2030, apenas quatro anos após a realização do leilão).
E ainda em tempo… Em entrevista ao estúdio eixos, na Rio Pipeline & Logistics, o presidente da Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), Rogério Manso, disse que a solução de separação dos produtos não é a ideal, mas que, “dentro das circunstâncias, pode vir a ser uma boa solução”. Assista na íntegra
As transportadoras, embora tenham defendido um outro modelo para o leilão, viram nas diretrizes do LRCAP 2026 um avanço importante.
“[A exigência de contratação firme do transporte] é importante para a modicidade tarifária e é um reconhecimento, em última instância, de que existe essa correlação entre os setores [elétrico e de gás]”, comentou Manso.
- Relembre e aprofunde o debate sobre os impactos do LRCAP sobre as tarifas dos gasodutos
Biogás de fora
O formato do leilão deixou a indústria de biogás e biometano insatisfeita.
O MME excluiu do LRCAP 2026 as térmicas a biocombustíveis – previstas inicialmente no desenho do leilão deste ano, como forma de contemplar as usinas a óleo combustível e diesel interessadas em converter seus geradores para uso de fontes mais limpas.
Na nova formatação, foi criado um certame específico para as térmicas a óleo, mas sem compromissos de conversão para biocombustíveis.
A Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás) classificou a mudança como um “retrocesso regulatório”.
E defendeu que o LRCAP 2026 adote uma abordagem de neutralidade tecnológica, permitindo a participação de usinas a biogás em condições equivalentes às térmicas a gás natural.
Sugeriu a inclusão, ainda, de critérios de avaliação dos projetos por intensidade de carbono (tCO₂e/MWh); e a previsão de swap operacional entre biometano e gás natural no leilão.
“Ao deixar de incluir biocombustíveis, dentre eles o biogás e o biometano e, ao mesmo tempo, prolongar incentivos a carvão e óleo, o desenho atual do LRCAP caminha na contramão da transição energética e perde a oportunidade de consolidar o gás renovável como alternativa firme, flexível e de baixo impacto climático”, cita a contribuição da ABiogás.
O pleito foi acompanhado por entidades como a Unica (da indústria de açúcar e etanol), Ubrabio, Potencial e Cofco (da indústria do biodiesel) – e reforçado pela Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) e, individualmente, pelos deputados federais Alceu Moreira (MDB/RS), Arnaldo Jardim (Cidadania/SP) e Flávio Nogueira (PT/PI).
Indústria pede espaço
Outro segmento que pede para ser contemplado são as indústrias donas de parques termelétricos de autogeração.
A Braskem é uma delas. A companhia petroquímica defende a possibilidade de habilitação de térmicas integrantes de complexos industriais e que não necessariamente irão injetar energia no Sistema Integrado Nacional (SIN) – haveria, nesse caso, apenas uma redução do consumo no ponto de conexão.
A ideia é que seja permitida a participação de uma parcela da potência, mantendo-se a geração base dos ativos dedicados à operação industrial.
A empresa alega que dispõe de ativos termelétricos a gás já instalados e em operação e já amortizados em seus complexos industriais – parte deles subutilizados.
A Braskem cita ainda que esses ativos foram constituídos para atendimento do horário de ponta do sistema e, portanto, têm capacidade técnica para fornecer potência despachável ao SIN se houver viabilidade econômica.
O pleito foi reforçado também pela Matrix Energy. A comercializadora de gás e energia argumenta que a inclusão de térmicas a gás associadas a unidades consumidoras permite que cargas estratégicas migrem sua demanda do SIN para a autoprodução nos horários críticos, liberando capacidade para o restante do sistema.
GÁS NA SEMANA
Tarifas. O diretor-presidente da TBG, Jorge Hijjar, vê com preocupação o risco de atraso na revisão tarifária das transportadoras, após a ANP adiar a consulta pública sobre os critérios de cálculo das tarifas. Assista na íntegra a entrevista ao estúdio eixos, direto da Rio Pipeline & Logistics.
Gás argentino. Um modelo de negócios mais vertical pode ser a saída para destravar os gasodutos estruturantes necessários para viabilizar as exportações firmes ao Brasil. Assista na íntegra o sétimo episódio do videocast gas week, com o diretor-geral da TSB, Walter Farioli.
Distribuição. A Arsesp concluiu os processos de Revisão Tarifária da Comgás e Necta. No caso da Comgás, as tarifas para os grandes consumidores caíram 13,7% no setor industrial (veja a nota técnica na íntegra, em .pdf); e na área de concessão da Necta, entre 6,1% e 15,7% (NT na íntegra, em .pdf)
Biometano. A Necta, aliás, ligou os seus três primeiros clientes comerciais em Presidente Prudente (SP), município atendido 100% com o gás renovável. É parte da Fase II do Projeto Cidades Sustentáveis, que, desde 2022, abastecia apenas indústrias com a produção de biometano da Usina Cocal.
- A concessionária investiu R$ 12 milhões na instalação de 44 km de rede urbana para atender 5 mil clientes dos setores residencial, comercial, industrial e postos.
Cozinhas sustentáveis. Convênio entre a Itaipu Binacional e a Cáritas Brasileira vai investir cerca de R$ 3 milhões na instalação de biodigestores e placas fotovoltaicas em cozinhas comunitárias em diferentes cidades brasileiras.
Opinião: A ausência de parâmetros objetivos para a classificação dos gasodutos de transporte tem gerado interpretações divergentes e conflitos jurisdicionais entre a ANP e as agências reguladoras estaduais, escrevem o diretor, a pesquisadora e o engenheiro do Acende Brasil, Eduardo Müller, Patricia Guardabassi e João Cho.