Opinião

Repetro e sua aplicação às atividades de descomissionamento

Especialistas defendem que bens utilizados em atividades de descomissionamento devem ser abrangidos pelo Repetro-Sped, reforçando sua natureza integrante da fase de produção

Descomissionamento de plataforma flutuante offshore (FPSO) para exploração de petróleo e gás (Foto Divulgação)
Descomissionamento de plataforma flutuante offshore (FPSO) para exploração de óleo e gás (Foto Divulgação)

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a maior parte dos campos no Brasil são considerados maduros. Isso se deve ao início da exploração offshore (marítima) no país a partir do final da década de 60, e da intensificação dos investimentos a partir dos anos 70, especialmente na Bacia de Campos. 

O avanço dessas frentes exploratórias consolidou o Brasil como importante produtor de petróleo e, por consequência, criou as condições para que o país seja atualmente um relevante mercado para as chamadas atividades de descomissionamento.

No contexto das atividades de E&P, o descomissionamento compreende o “conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das instalações, ao abandono permanente e arrasamento de poços, à remoção de instalações, à destinação adequada de materiais, resíduos e rejeitos e à recuperação ambiental da área”.

O descomissionamento pode ocorrer, dentre outras hipóteses, quando a capacidade produtiva de determinada jazida é substancialmente reduzida, tornando o seu exercício economicamente inviável, ou quando de fato alcança-se o final de sua vida útil.

A ANP estima que o Brasil mobilizará cerca de R$70,2 bilhões em investimentos com atividades de descomissionamento de 2025 a 2029, abrangendo o descomissionamento de 3.773 poços, o que evidencia a dimensão e relevância do tema no contexto atual da indústria de petróleo e gás.

Os projetos de descomissionamento enfrentam desafios expressivos, como altos custos, complexidade técnica e logística, sensibilidade ambiental e uma cadeia de fornecimento ainda em desenvolvimento. Não raro, se faz necessário contratar ativos especificamente para fins do exercício de atividades requeridas para o descomissionamento, ainda que em caráter temporário.

Nesse cenário de elevada complexidade e de capital intensivo, é fundamental que a regulação e as políticas públicas contribuam para o desenvolvimento da cadeia de suprimento às atividades de descomissionamento, inclusive por meio da aplicação adequada de regimes tributários e aduaneiros especiais.

Dentre tais regimes, destacam-se:

  • (i) o Repetro-Sped, que viabiliza a aquisição local ou importação definitiva (com suspensão do pagamento dos tributos federais e incidência do ICMS a alíquota reduzida) ou a admissão temporária (com dispensa do pagamento dos tributos federais, além da não incidência do ICMS) de bens destinados às atividades de E&P; bem como
  • (ii) o Repetro-Industrialização, que permite a importação ou aquisição no mercado interno (com suspensão do pagamento de tributos federais e diferimento do ICMS) de matérias-primas e demais produtos a serem utilizados na industrialização de produto final destinado às atividades de E&P.

Nesse contexto, é de extrema importância o reconhecimento da aplicação do Repetro às atividades de descomissionamento. Ocorre que a regulamentação desse regime prevê a sua aplicação aos “bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural”, não mencionando de forma destacada o descomissionamento. 

Faz-se necessário, portanto, recorrer à legislação setorial para concluir se o descomissionamento está de fato abrangido pelo termo “produção”.

A definição legal de “produção”, constante da Lei nº 9.478/1997 (Lei do Petróleo), se refira às “operações coordenadas de extração e preparo para movimentação do petróleo e gás natural a partir de uma jazida”.

Todavia interpretação sistemática e teleológica da norma impõe o reconhecimento de que o descomissionamento, por sua natureza e finalidade, não constitui atividade alheia ao ciclo produtivo. Pelo contrário, trata-se de atividade inerente, essencial e indissociável à produção, à segurança operacional e à recomposição ambiental da área utilizada.

Essa interpretação é reforçada pela lógica dos contratos que regem as atividades de E&P e vinculam as atividades de descomissionamento à fase de produção.

O entendimento também se apoia na Resolução ANP nº 17/2015, que aprova o Regulamento Técnico do Plano de Desenvolvimento (PD) e estabelece que esse plano deve conter, desde sua submissão à ANP, a descrição das atividades de desativação das instalações, com a devida indicação dos critérios técnicos aplicáveis, estimativas de custo e cronograma de execução.

A exigência de inclusão dessas informações no PD – instrumento que orienta a estratégia de desenvolvimento e produção de um campo – evidencia a diretriz regulatória no sentido de que o descomissionamento constitui etapa indissociável do próprio processo produtivo.

Ao exigir que tais atividades estejam previstas no PD, o regulador antecipa a obrigação futura e a incorpora à lógica de planejamento e execução do projeto, ficando evidente que o descomissionamento é etapa conclusiva do ciclo produtivo, indispensável à extinção contratual e à plena recomposição do ambiente explorado, consagrando sua condição de atividade integrante da fase de produção.

De forma complementar, a Resolução ANP nº 870/2022 – que regulamenta as deduções aplicáveis à receita bruta da produção de petróleo e gás natural para fins de cálculo da participação especial – introduz um relevante elemento interpretativo quanto à natureza das atividades acessórias no âmbito da cadeia de exploração e produção.

Os custos incorridos com o abandono de poços exploratórios são dedutíveis como “atividades de exploração e perfuração”, para fins de apuração da receita líquida sujeita à incidência da participação especial (art. 14º, inciso III).

Ora, havendo o reconhecimento normativo de que o abandono de poços exploratórios, que ocorre após o encerramento das atividades operacionais de perfuração, integra o escopo funcional da atividade de exploração, nada mais lógico e alinhado do que considerar as atividades de descomissionamento como parte integrante da fase de produção de petróleo e gás natural.

Já em referência ao Repetro-Sped, uma leitura sistemática de sua legislação indica, de um modo geral, que a aplicação desse regime será permitida para:

  • (i) bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de óleo e gás natural, que
  • (ii) que estejam listados na legislação como passíveis de importação no âmbito do Repetro-Sped (cf. modalidade de importação, e os Anexos I e II da IN nº 1.781/2017), e que (iii) que sejam adquiridos/importados por pessoa jurídica previamente habilitada.

Ignorando-se, para os fins desse artigo, as condições indicadas nos itens (ii) e (iii), acima, a possibilidade de se aplicar o Repetro-Sped a determinado bem a ser utilizado em atividade de descomissionamento depende essencialmente da caracterização de uma atividade de produção de petróleo e gás natural, cf. item (i), acima.

Nesse contexto, entendemos que uma conclusão – sob a perspectiva tributária e aduaneira – deve ser necessariamente orientada pelo disposto na legislação setorial.

Isso porque, se o descomissionamento, para fins da legislação setorial e interpretação dos contratos de E&P, constitui parte integrante da fase de produção, não deveria caber ao intérprete da legislação tributária concluir de forma diversa, atribuindo ao descomissionamento um conceito diverso apenas para fins de aplicação da legislação tributária e aduaneira (e, no presente caso, do Repetro-Sped).

A rigor, deve-se somar a isso o fato de que não haveria sentido, especialmente sob a perspectiva social e ambiental, em se incentivar apenas a importação ou aquisição de bens destinados ao desenvolvimento e manutenção da atividade de produção durante a sua “vida útil”, deixando-se de fora os bens empregados no descomissionamento e conclusão das atividades de produção.

Portanto, estando o descomissionamento intrinsecamente vinculado à fase de produção (por força da regulamentação aplicável e da estrutura contratual que rege as atividades de E&P), é absolutamente natural e necessário que se reconheça a aplicação do Repetro-Sped aos bens utilizados em atividades de descomissionamento.

Referências

[1] Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Painel dinâmico de campos em desenvolvimento e produção. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNDEyMThjYjgtYjc1ZC00ZmFjLWI4YTYtZmI3ZDI2ZjVjMjI4IiwidCI6IjQ0OTlmNGZmLTI0YTYtNGI0Mi1iN2VmLTEyNGFmY2FkYzkxMyJ9. Acesso em: jul. 2025.

[2] A história do petróleo: no Brasil e no mundo / Quintas & Quintans – Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2009, p. 70 -71.

[3]  Art. 2, VII, da Resolução ANP nº 817/2020.

[4]  Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Painel dinâmico de descomissionamento de instalações de E&P. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZjFlMWI0MDgtNWNiNC00OTZlLWI3NGQtOGM3MjQwODhjMTMwIiwidCI6IjQ0OTlmNGZmLTI0YTYtNGI0Mi1iN2VmLTEyNGFmY2FkYzkxMyJ9. Acesso em: jul. 2025.

[5]   Art. 2º, incisos III e IV da Instrução Normativa RFB nº 1.781/2017. Art. 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.901/2019.

[6] Art. 1º, caput da Instrução Normativa RFB nº 1.781/2017.

[7] Art. 1º, § 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.781/2017.

[8] Cf. interpretação do Contrato de Concessão da 17ª Rodada (Cláusula 9.7) e do 5º Ciclo da Oferta Permanente (Cláusulas 9.6 e seguintes), assim como do Contratos de Partilha da 6ª Rodada, Cláusula 14.1.


Felipe Boechem, Stephani Oliveira, Jayme Freitas e Luiz Loureiro são, respectivamente, sócio, advogada de petróleo e gás, sócio de tributário e counsel de tributário do escritório Lefosse

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