O descomissionamento é parte essencial da transição energética no Brasil, especialmente no encerramento de ativos fósseis como poços de petróleo, plataformas offshore e usinas termelétricas. Trata-se do processo de desativação e recuperação ambiental de instalações que deixam de ser estratégicas diante do avanço das fontes renováveis.
Essa etapa final do ciclo produtivo da indústria de petróleo e gás contribui para prevenir vazamentos, proteger recursos hídricos e liberar espaço para novas formas de geração, como a solar e a eólica.
O tema tem ganhado destaque à medida que a matriz elétrica brasileira, já majoritariamente renovável, se expande. A Petrobras, por exemplo, vem adotando modelos mais ágeis no descomissionamento de poços terrestres, com foco em eficiência e segurança ambiental. O processo reforça a descarbonização, ao retirar gradualmente fontes fósseis e fortalecer a sustentabilidade energética.
No campo regulatório, houve avanços com a Resolução ANP nº 817/2020, que instituiu o Plano de Descomissionamento de Instalações (PDI), a ser submetido também ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à Marinha.
Apesar disso, persistem lacunas, sobretudo quanto às práticas ambientais e à definição de critérios para a remoção ou permanência de estruturas no mar. Os regulamentos complementares do Ibama e da Marinha ainda carecem de maior detalhamento técnico, desafio que se soma à complexidade das operações em águas profundas.
As empresas enfrentam entraves jurídicos relevantes. Entre eles estão:
- a ausência de legislação uniforme, com regulação fragmentada;
- a pouca coordenação entre órgãos competentes;
- a indefinição sobre responsabilidades após o descomissionamento;
- as exigências ambientais rigorosas sem padronização técnica correspondente;
- e questões contratuais e fiscais ligadas à cessão de direitos e garantias financeiras.
O marco regulatório recente, consolidado pela lei nº 15.097/2025, integra princípios de sustentabilidade, governança e participação social.
A norma disciplina a geração de energia offshore com foco em fontes renováveis, prevê consultas às comunidades afetadas e estabelece regras para descomissionamento responsável, com retirada das instalações e restauração das áreas exploradas. Também define a distribuição de receitas entre entes federativos e incentiva investimentos em inovação e pesquisa.
Experiências internacionais oferecem referências valiosas. No Reino Unido, por exemplo, adota-se a remoção total e reciclagem das plataformas, acompanhadas de monitoramento do leito marinho. Nos Estados Unidos, a regulação no Golfo do México impõe prazos rígidos para selagem e remoção, sob supervisão do Bureau of Safety and Environmental Enforcement (BSEE).
Quando bem executado, o descomissionamento contribui para a transição energética segura, libera infraestrutura para novos projetos e pode até permitir o reaproveitamento de estruturas em empreendimentos de energia renovável.
Além disso, gera oportunidades econômicas, como empregos especializados e cadeias produtivas voltadas à reciclagem. Por outro lado, um processo mal planejado pode trazer riscos sérios, desde vazamentos e danos ambientais até disputas jurídicas e insegurança regulatória.
Hoje, há crescente articulação entre setor público e privado, com parcerias entre Petrobras, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Ibama, universidades e centros de pesquisa. Essas iniciativas buscam inovação, clareza regulatória e capacitação técnica. A ANP, inclusive, mantém painéis públicos de acompanhamento de PDIs, promovendo transparência e integração institucional.
Para um marco regulatório sólido, são necessárias diretrizes que combinem sustentabilidade ambiental e social, segurança, estímulos à inovação, eficiência econômica e estabilidade jurídica.
Esses princípios já se refletem na lei nº 15.097/2025, que moderniza a regulação offshore e reforça a busca por uma transição energética segura e sustentável no Brasil.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Julia Borges da Mota é sócia-fundadora do escritório e presidente da Câmara Brasileira de Resolução de Conflitos em Energia e Mineração (CBME). É advogada e mediadora com mais de 20 anos de atuação na assessoria a empresas estrangeiras no Brasil, especialmente no setor de petróleo e gás. Graduada e pós-graduada pela Universidade de Aix-Marseille III, na França. Integra o corpo de mediadores do TJ-RJ, do CBMA e da Cemai.