Afinal, quem regulará o hidrogênio verde?

Artigo por Clarissa Leão, advogada da área de Energia do Souto Correa Advogados

Empresas criam força-tarefa para viabilizar hidrogênio limpo em projetos de larga escala. Na imagem, tanque de armazenamento de hidrogênio associado a geração eólica e solar (Foto: Alexander Kirch/Shutterstock)
Tanque de armazenamento de hidrogênio associado a geração eólica e solar (Foto: Alexander Kirch/Shutterstock)

Com a publicação da Resolução nº 6/2021 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no dia 17 de maio, retoma-se a pergunta: afinal, quem terá competência regulatória sobre o hidrogênio verde?

No documento, o CNPE determina ao Ministério de Minas e Energia (MME), que, em colaboração com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC) e Desenvolvimento Regional (MDR) e apoio técnico da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apresente, no prazo de até 60 dias, proposta de diretrizes para o Programa Nacional de Hidrogênio.

Essa determinação surge após a edição da Resolução nº 2 do CNPE, também deste ano, que orientou a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a, no âmbito de suas competências, priorizar a destinação dos recursos de pesquisa, desenvolvimento e inovação para temas afetos de energia, dentre os quais o hidrogênio, o que evidencia o interesse da política energética nacional sobre esse combustível.

A dúvida ganha força diante das diversas maneiras de obter hidrogênio.

A título de exemplo, em nota técnica de fevereiro de 2021, a EPE cita oito formas de produção, que podem ter como matéria-prima carvão, petróleo, gás natural, biomassa, metano e água.

Obtido por meio de um processo químico (eletrólise), o hidrogênio verde surge como foco de diversos países no mundo, por seu potencial em ser um importante energético na transição para economias de baixo carbono.

Essa forma de produção é considerada atrativa por não gerar emissão de gases causadores do efeito estufa, uma vez que a matéria prima será somente a água e que para a operação da planta de eletrólise se utilizará somente fontes de energia renováveis.

E a questão regulatória surge aqui.

Olhando-se o desenho de competências apenas das Agências Reguladoras com possível projeção sobre o tema, notadamente ANP, ANEEL e Agência Nacional de Águas (ANA), tem-se que as competências atualmente vigentes na regulação não são claras sobre sua incidência ou não ao caso do hidrogênio e não há uma previsão transversal que alcance etapas da cadeia que possam compreender o hidrogênio obtido a partir de diferentes fontes – a exemplo de seu transporte, regulação de qualidade e comercialização.

O hidrogênio obtido de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural entra no escopo de regulação da ANP, vez que tais recursos minerais são bens da União e que a atividade de refino de petróleo é monopólio deste ente federativo.

Essa competência é evidenciada também na Lei nº 9.478/97, que expõe que a Agência é o “órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados”.

No entanto, a obtenção do hidrogênio a partir da água não se adequa a esse escopo, uma vez que nesta hipótese o energético não terá como origem os recursos minerais da União ou o processo de refino como forma de produção.

É notório que a União possui competência legislativa em matéria de energia, mas isso não atribui automaticamente às Agências Reguladoras já instituídas a competência para regular atividades econômicas que não estejam previstas em seu rol de competências.

Destaca-se que tal automatismo não ocorre, com especial fundamento no princípio da livre iniciativa e da legalidade, razões pelas quais a competência regulatória não é pressuposta e presumida, mas deve estar lastreada em previsão legal autorizativa da competência.

No caso da ANEEL, evidentemente que tangenciará o tema ao regular as plantas de geração de origem renovável, como eólicas e fotovoltaicas que eventualmente forneçam energia elétrica para a planta de eletrólise, uma vez que sua atuação “tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”.

Contudo, isso não atribui a esta Agência a competência para regular o hidrogênio verde, já que sua lei instituidora é clara em lhe atribuir competências no que tange à energia elétrica.

Tendo em vista que o insumo básico do hidrogênio verde é a água, pode haver a possibilidade de atuação da ANA sobre a atividade, em virtude da potencial utilização dos recursos hídricos. No entanto, considerando o rol das competências deste regulador estabelecidos pela Lei nº 9.984/00, parece que uma eventual atuação da ANA dependerá da natureza do recurso hídrico utilizado, regulando, por exemplo, o uso dos corpos d’água de domínio da União.

Neste caso, a regulação será mais do uso da matéria-prima para produção do que da atividade em si, o que ainda chama atenção para uma lacuna pela eventual operação desta natureza.

Apesar da ausência de previsão sobre um órgão com competência para regulamentar a produção de hidrogênio verde, o CNPE possui competência geral estabelecida na Lei nº 9.478/97 em matéria de energia, bem como o MME, na forma da Lei nº 3.782/1960. Por isso, em breve, com a regulamentação pelo MME das diretrizes que guiarão o mercado brasileiro para “alcançar níveis de competitividade que abram caminho para o uso em grande escala”, talvez surjam algumas respostas sobre, afinal, quem regulará o hidrogênio verde.

Clarissa Leão é advogada da área de Energia do Souto Correa Advogados

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