RIO — As eleições presidenciais da Bolívia em 2025 marcam o fim de um ciclo de duas décadas da esquerda no poder – reflexo, em parte, da ruptura entre Evo Morales e seu sucessor Luis Arce, e a implosão do Movimento ao Socialismo (MAS).
O primeiro turno das eleições, no domingo (17/8), confirmou o senador centrista Rodrigo Paz Pereira (Partido Democrata Cristão) e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga (Aliança Livre), mais à direita no espectro político, no segundo turno em 19 de outubro.
Quem vencer o pleito, assumirá o desafio de atrair investimentos para o setor de energia de um país que, ao longo das últimas décadas, viu declinar suas reservas de gás natural – um dos pilares de sua balança comercial – e que convive também com crises de abastecimento de combustíveis.
Não à toa, ambos os candidatos acenam com reformas na Lei de Hidrocarbonetos.
Ao mesmo tempo, o novo presidente boliviano terá pela frente a missão de destravar o potencial de exploração e industrialização do lítio. A Bolívia detém uma das maiores reservas mundiais do mineral, essencial para produção de baterias de carros elétricos.
Para o Brasil, as eleições têm influência, em especial, sobre o mercado de gás. A Bolívia é, hoje, nossa principal fonte de suprimento de gás importado, mas, sem renovar suas reservas, a capacidade de exportação do país vizinho está em xeque e pode se esgotar já na virada da década.
E é parte importante também no tabuleiro da agenda de integração energética do Cone Sul, em meio à aproximação entre Argentina e Brasil no mercado de gás – uma relação que passa, hoje, pelo uso da infraestrutura ociosa boliviana como intermediária.
Mas, afinal, o que propõem Rodrigo Paz Pereira e Jorge “Tuto” Quiroga? A seguir, a agência eixos apresenta a visão dos dois candidatos sobre o setor de energia.
Paz quer rever subsídios e liberar mercado
Líder no primeiro turno das eleições com 32,2% dos votos, Rodrigo Paz promete uma reforma para reativar a exploração e produção de óleo e gás e ampliar o uso de renováveis no país.
O seu plano de governo (na íntegra, em .pdf) cita um pacote de estratégias nesse sentido, dentre as quais:
- Incentivos legais e fiscais para atrair investimentos em exploração e produção;
- Otimização e modernização da infraestrutura energética com recursos públicos e privados;
- Gestão sustentável e redução de subsídios;
- Recomposição da matriz de preços dos combustíveis fósseis, para reduzir os desequilíbrios fiscais;
- Reestruturação das estatais YPFB (óleo e gás), YLB (lítio) e Ende (eletricidade)
- Modernização do ordenamento jurídico que regula o setor energético;
- Fomento à autogeração de energia limpa em casas, empresas e municípios, a partir de mudanças nas normas para acelerar a produção de hidrogênio verde, solar, eólica etc;
- Criação do Fundo para a Descarbonização da Economia, para financiar eficiência energética, a redução do consumo de fósseis e programas de formação técnica para trabalhadores e técnicos para alterar a matriz de consumo energético do país.
O candidato do PDC também defende rever os subsídios no setor. Prometeu, em campanha, revogar mais de 220 decretos – dentre eles os que limitam a entrada e saída de moeda estrangeira e o decreto sobre subsídios aos hidrocarbonetos.
E defendeu “liberdade de importação absoluta” de combustíveis no país. Em meio a uma crise de abastecimento, o governo Arce chegou a flexibilizar as regras para permitir importações excepcionais diesel e gasolina por agentes privados.
Para o lítio, Paz propõe um plano de investimento internacional, deixando de lado a denominada “soberania tecnológica”.
Quiroga quer manter exportação de gás ao Brasil
Com 26,9% dos votos no primeiro turno, Quiroga tenta voltar à presidência – cargo que ocupou entre 2001 e 2002. O seu plano de governo (na íntegra, em .pdf) cita uma série de propostas para a retomada da produção de gás no país, mirando a continuidade da capacidade de exportação para o Brasil.
O candidato propõe, como medida prioritária, até dezembro, apresentar ao Congresso uma nova Lei dos Hidrocarbonetos, para atrair um “choque de investimentos” em exploração e produção.
Quiroga se inspira na capacidade da Argentina de atrair investimentos privados no desenvolvimento das reservas de gás não-convencional de Vaca Muerta.
“Temos que ser competitivos com a Argentina, incluindo incentivos fiscais e royalties, porque aprendemos que 18%, 50% ou 120% de zero é zero. Aprendemos isso de forma muito dura. Caso contrário, vamos ficar não só sem o mercado argentino, mas também perderemos o brasileiro”, afirmou Quiroga, em evento na Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos e Energia (CBHE) e Câmara Boliviana de Eletricidade (CBE).
O candidato também comentou, na mesma ocasião, sobre a integração entre Argentina e Brasil via Bolívia. Produtores argentinos e consumidores brasileiros cobram dos bolivianos uma redução das tarifas da YPFB pelo trânsito internacional do gás de Vaca Muerta ao mercado brasileiro. Quiroga defendeu uma agenda conjunta.
“Se não oferecermos à Argentina a oportunidade de se integrar e vender para o Brasil pelos gasodutos bolivianos, eles nos bypassarão [contornarão] com os corredores bioceânicos. Precisamos trabalhar juntos”, disse.
Ele defendeu, ainda, uma mudança no papel da YPFB, como um agente do mercado que gerencie a atração competitiva de investimentos estrangeiros para que o setor se desenvolva e que compete sob as mesmas regras dos demais – a exemplo da Petrobras, no Brasil.
Quiroga descarta privatizar a YPFB, mas defende colocar empresas estratégicas de hidrocarbonetos, mineração e lítio num fundo de investimento ao qual cidadãos maiores de 18 anos poderão acessar.
No mercado de combustíveis, Quiroga defende o aumento dos preços internos dos derivados, para estimular a indústria do refino; e a liberação total das importações de óleo pelas refinarias.
Os subsídios, segundo ele, devem ser focalizados, sobretudo, para o transporte público e aqueles que mais exigem o benefício.
Quiroga também defende a revisão do marco legal do setor elétrico, para atrair investimentos em renováveis.
No lítio, o plano é atrair empresas internacionais para a exploração dos recursos e criar zonas francas no país, para facilitar a produção de baterias no país.
Empresas brasileiras aguardam nova lei
O atual presidente Luís Arce, do MAS, chegou a acenar para uma agenda de reformas e uma nova Lei de Hidrocarbonetos para atrair investimentos estrangeiros.
Ele apresentou em 2024 o projeto de lei para simplificar procedimentos burocráticos e acelerar os prazos de execução de projetos no setor. Tratava-se de um pacote econômico para seu segundo mandato, o que não irá ocorrer.
Diante da fratura na esquerda do país, o recado dado aos investidores brasileiros — entre eles a Petrobras — era de que seria necessário, primeiro, pacificar as tensões internas antes de mexer, mais uma vez, nos rumos da política energética, assunto sensível junto ao eleitorado.
A YPFB anunciou, no fim de 2024, pela primeira vez em seis anos, o seu certificado de reservas provadas e confirmou, oficialmente, o declínio de seus volumes nos últimos anos.
Ao todo, a companhia possuía 4,5 TCF (trilhões de pés cúbicos) em 31 de dezembro de 2023, uma queda de 58% em relação a 2017.
Produtores brasileiros presentes na Bolívia, a Petrobras e a Fluxus (do grupo J&F) acenam com a intenção de investir no país vizinho, mas cobraram reformas no marco legal.
A Petrobras, por exemplo, sinaliza que voltará a investir pesado para triplicar a sua produção de gás natural na Bolívia. A ideia é exportar o energético extraído do país vizinho para o Brasil a preços mais competitivos, de olho no uso da molécula na produção de fertilizantes e petroquímica.
A Fluxus, por sua vez, tem planos de investir US$ 100 milhões no país até 2028, para aumentar a produção de 100 mil m³/dia para 1,1 milhão de m³/dia nos três campos adquiridos pela empresa brasileira no país vizinho.
A Bolívia vem se consolidando também como uma fonte importante e contínua para os comercializadores privados no mercado brasileiro em 2025.
Ao menos cinco companhias (Edge, Galp, MGás, Shell e YPFB) têm reservado capacidade continuamente no Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), na fronteira, ao longo deste ano, mostra levantamento da agência eixos.
Juntas, elas têm contratos com a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG). para reserva de 2,3 milhões de m³/dia em Corumbá (MS), a porta de entrada do gás importado, até o fim do ano.
Além delas, a MTX Comercializadora de Gás Natural, da Matrix Energy, tem realizado importações com frequência da Bolívia, mas por meio de contratos diários com a TBG.
Os dados sugerem uma mudança no perfil de contratação dos agentes no país vizinho. As comercializadoras privadas vêm ampliando gradualmente a importação da Bolívia desde o ano passado, mas até então a maioria delas recorria a contratos de curto prazo.