Desde o ano passado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem desenvolvido, em conjunto com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o programa Resposta da Demanda (RD).
A iniciativa busca oferecer maior flexibilidade ao Sistema Interligado Nacional (SIN), remunerando consumidores que estejam dispostos a reduzir ou deslocar seu consumo de energia em momentos de pico ou emergência.
Em julho de 2025, o programa atingiu mais um marco importante com a realização do segundo leilão do produto “Disponibilidade”.
Nesse modelo, consumidores — ou agregadores que representam conjuntos de consumidores — fazem ofertas para receber um valor fixo mensal em troca de sua disponibilidade para redução do consumo quando requisitados pelo ONS.
Os contratos são firmados em dois produtos distintos: disponibilidade para até 6 dias/mês ou até 4 dias/mês, com acionamentos previstos entre 18h e 22h em dias úteis.
O segundo leilão foi um avanço expressivo em relação ao primeiro, realizado em 2024. Enquanto o primeiro contratou 93 MW de potência (com foco principalmente no setor de metalurgia), o segundo chegou a 229 MW, mais que o dobro.
O deságio máximo observado também aumentou significativamente: 14,4% no primeiro leilão contra 32,5% no segundo, em relação ao preço-teto de R$ 70.000/MW-mês.
É particularmente animador observar o engajamento de setores como a metalurgia, que liderou as ofertas com grandes volumes. A Gerdau, por exemplo, ofertou 60 MW no primeiro leilão.
No segundo leilão, a Ferbasa ofertou 100 MW e a Liasa, 175 MW. Isso revela que há uma elasticidade de demanda real e relevante entre grandes consumidores eletrointensivos, o que confirma que sinais de preço bem calibrados, tanto temporais quanto locacionais, são capazes de sensibilizar o lado da demanda e, potencialmente, o da oferta.
Essa experiência não é exclusiva do Brasil. Em países como os Estados Unidos, a RD já é um componente consolidado do sistema. Operadores como a PJM Interconnection, por exemplo, utilizam o mecanismo para mobilizar centenas de megawatts durante picos de demanda, com participação ativa de consumidores industriais, comerciais e até residenciais.
Na Europa, programas semelhantes são utilizados em mercados como Reino Unido (National Grid ESO) e França (RTE), com foco crescente em integração de renováveis e resiliência climática.
Na Austrália, a Australian Energy Market Operator (AEMO) mantém programas de RD no atacado desde 2021, permitindo participação direta de agregadores e consumidores no mercado de capacidade e energia (AEMO).
A importância da RD ganha ainda mais peso diante da previsão de déficit de potência no Brasil a partir de 2026, conforme apontado no Plano Decenal de Expansão de Energia 2033 (PDE 2033), publicado pela EPE e pelo MME.
O estudo alerta para a necessidade de expansão da capacidade firme do sistema, dada a crescente participação de fontes intermitentes, como solar e eólica (PDE 2033, EPE/MME).
Vejo o programa de Resposta da Demanda como uma peça estratégica dentro desse cenário. Ao oferecer uma forma eficaz de gerenciar picos de consumo e aliviar pressões sobre o despacho térmico, a RD se consolida como um mecanismo de transição energética, ao mesmo tempo econômico e ambientalmente sustentável.
É também uma ferramenta crucial para manter a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro sem depender exclusivamente de investimentos intensivos e demorados em infraestrutura de geração.
Além disso, a Resposta da Demanda abre uma nova e promissora fronteira de oportunidades para as energytechs brasileiras que atuam no mercado livre de energia.
Startups e empresas inovadoras focadas em monitoramento de consumo em tempo real, automação de cargas, inteligência de dados e agregação de demanda podem assumir papel central na implementação dessas soluções, conectando consumidores finais aos mecanismos de resposta de forma ágil, digital e escalável.
O avanço do RD, portanto, não apenas fortalece o sistema como um todo, mas também estimula o surgimento de novos modelos de negócio, tecnologias e ecossistemas capazes de posicionar o Brasil na vanguarda da inovação energética.
Pedro Bittencourt é CEO da GreenAnt.