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Há espaço para acordo entre estados e União na discussão sobre a classificação de gasodutos?

Estados pressionam ANP contra novas regras para classificação de gasodutos e apresentam contrapropostas para elaboração de um novo texto

ANP desiste de acordo com Arsesp e Comgás e classifica gasoduto Subida da Serra como ativo de transporte. Na imagem: Gasoduto Subida da Serra, da Comgás. Rede de dutos para transporte de gás natural em área íngreme próxima a centro urbano paulista (Foto: Sima/SP)
Gasoduto Subida da Serra, da Comgás (Foto: Sima/SP)

PIPELINE. Estados pressionam ANP contra novas regras para classificação de gasodutos e apresentam contrapropostas, para elaboração de um novo texto.

CMSE prevê maior despacho de térmicas. Laércio critica alcance restrito da redução de custos das infraestruturas de gás na MP 1304. Jomed fecha acordo com Ultragaz para uso de biometano em caminhões e mais. Confira:


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A regulamentação proposta pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), para classificação de gasodutos de transporte, foi o tema da semana. O assunto foi parar no Congresso, onde parlamentares colocaram o regulador contra a parede.

Os estados, seja por meio das distribuidoras e agências reguladoras, seja por meio do Executivo e Legislativo, acusam a ANP de extrapolar suas competências. E fazem pressão para que o regulador recue da minuta de resolução proposta (na íntegra, em .pdf).

Há uma articulação clara: os estados pedem que a ANP suspenda a consulta pública, para reelaborar a Análise de Impacto Regulatório (AIR) – que, na visão das distribuidoras e reguladores estaduais, não considerou devidamente os impactos sobre as concessões locais de gás canalizado.

E pedem que um novo texto seja construído, dessa vez com diálogo.

A discussão foi tema do terceiro episódio do videocast gas week, o novo programa semanal da indústria de gás natural do Brasil, com Vladimir Paschoal, coordenador da Câmara Técnica de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar). Confira na íntegra a entrevista.

A proposta da ANP, segundo a Abar, reforça o conflito de competências federativas na regulação do gás e traz sérios riscos de judicialização.

O debate, porém, precisará ser enfrentado, já que a definição dos limites de diâmetro, pressão e extensão para a classificação dos gasodutos de transporte, pela agência nacional, é um comando legal da Lei do Gás de 2021.

Mas quais são os espaços para uma (difícil) convergência?

Para ajudar a te situar (e quem sabe a desinterditar o debate), a gas week explora a seguir os pontos mais sensíveis da discussão; e recorta algumas das contrapropostas apresentadas pelos agentes durante a consulta pública da ANP. (leia na íntegra as contribuições, em .pdf)



Um dos pontos mais sensíveis para os estados é o artigo da minuta que orienta a ANP a abrir processo administrativo para análise de reclassificação de um gasoduto como de transporte, sempre que observar que o projeto possua características técnicas conflitantes com os novos limites.

Arsesp, agência reguladora paulista envolvida no caso Subida da Serra, o principal litígio no mercado, hoje, entende que o dispositivo pressupõe uma atuação unilateral da ANP diante de eventuais divergências.

O regulador paulista sugere algumas condicionantes, no texto:

  • a inclusão de mecanismos formais de diálogo e negociação administrativa, a fim de evitar decisões arbitrárias ou imposições que possam comprometer o equilíbrio federativo;
  • proibição expressa de adoção de medida cautelar (administrativa ou judicial) para impedir a operação de um ativo até que a decisão final da ANP sobre uma eventual reclassificação seja proferida;
  • a apuração prévia da necessidade de indenização das partes afetadas, incluindo a definição do valor e a indicação clara do pagador;
  • e a fixação da tarifa de transporte aplicável ao gasoduto reclassificado.

Abpip (produtores independentes) e a Eneva também entram na questão da compensação: sugerem que a regulamentação garanta um processo prévio de consulta pública baseado em nota técnica e parecer jurídico detalhado sobre o tema, com ampla publicidade e transparência, além de estabelecer eventuais compensações, se aplicáveis, aos agentes envolvidos.

  • Conflitos. A Mitsui, acionista em 13 distribuidoras, defende a articulação entre os entes; e sugere que a resolução preveja procedimentos de resolução de conflitos baseados na conciliação e arbitragem.
  • Estudo prévio. A Agrese (SE) acrescenta que a reclassificação deve ser precedida de uma análise, para certificar se os ativos serão otimizados.

E a Agepar (PR) sugere incluir a oitiva das agências estaduais nos casos omissos, para evitar conflitos. No texto original, cabe à ANP resolvê-los.

  • Prazos. A ATGás (transportadoras) tenta, por sua vez, incluir prazos na resolução, ao sugerir que a ANP tenha seis meses, no máximo, para deliberar sobre o resultado da análise da reclassificação (a contar da abertura do processo administrativo).

Tenta evitar, assim, um novo Subida da Serra, em que a agência se posicionou quando o projeto da Comgás já estava em fase avançada de execução.

ANP rebate: durante audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara, coube à diretora substituta, Patrícia Baran, defender a minuta e justificar a proposta. (assista na íntegra)

“É como se age no serviço público. Se a ANP for enviar algum questionamento para um órgão? Fará mediante um processo administrativo. É isso que está dizendo esse artigo”

Ela reforçou que a norma está em construção – sujeita, portanto, a eventuais ajustes – e que o regulador está aberto ao diálogo: “Ninguém vai morrer agarrado a esses parâmetros não”, disse.

Baran destacou ainda que a regulamentação da ANP responde a um comando legal da Lei do Gás, que atribuiu à agência a definição dos limites técnicos de diâmetro, pressão e extensão para classificação dos gasodutos de transporte; e que a ANP entende estar “bem resguardada no arcabouço legal vigente”.

“A regulamentação da ANP vem para ajudar a pacificar um vácuo, uma lacuna regulatória que não contribui para a segurança jurídica. Ficava uma iminência do que sairia da ANP. É uma demanda da lei. A ANP está cumprindo sua atribuição legal”, defendeu.


Os estados questionam o fato de a resolução proposta retroagir a 2021 e poder contemplar, portanto, projetos existentes. A ANP entende que o recorte da retroatividade está amparado na Lei do Gás, que preservou a classificação dos gasodutos até a data de publicação da legislação, em abril de 2021.

  • A Abegás (distribuidoras) estima que a aplicação retroativa a 2021 dos limites de pressão e diâmetro sugeridos pela ANP afeta cerca de 935 km de dutos atualmente classificados como de distribuição
     
  • Esses ativos, cujos investimentos totalizam R$ 5 bilhões, estão vinculados a planos aprovados por agências estaduais e incorporados à base tarifária de concessões vigentes.

Nesse ponto, despontam propostas para a criação de regimes de transição – e exceções – para aplicação das novas regras.

O governo do Paraná propõe, por exemplo, que os novos critérios da ANP entrem em vigor apenas após um período de transição de cinco a dez anos; enquanto a Agepar, a agência reguladora paranaense, sugere a partir de 2030, para preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e a estabilidade da receita dessas concessionárias.

A Compagas teve seu contrato de concessão renovado em 2022 e o seu controle vendido para a Compass em 2024. Estados como Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro estão, por sua vez, com discussões em andamento sobre a renovação das concessões estaduais de gás canalizado.

Outras propostas vão no sentido de fazer valer os efeitos da nova resolução somente a partir de sua publicação.

É o caso da Edge, dona do Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), envolvido no imbróglio do Subida da Serra, que sugere que seja preservada a classificação de todos os gasodutos (não só os de transporte) que já estejam em implantação ou operação até a data de publicação da resolução.

Arsesp acrescenta, na lista, os projetos que contem com autorização emitida pelos reguladores estaduais; enquanto a ARSP (ES) recomenda deixar de fora dos efeitos da resolução os gasodutos atualmente presentes na base de ativos das distribuidoras – ou seja, aqueles projetos aprovados nos planos de investimentos na ocasião das revisões tarifárias.

E a Mitsui sugere preservar a classificação dos gasodutos (de qualquer natureza) que já tenham obtido também o licenciamento ambiental na data de publicação da resolução; e de gasodutos existentes que sejam objeto de modificação, ampliação ou extensão.

Os opositores à proposta da ANP defendem também que o texto da resolução preveja, expressamente, o comando para que a agência não tome como base somente os parâmetros de pressão e diâmetro, mas observe, em complemento, a finalidade do gasoduto em análise.

A Agepar sugere que a classificação dos gasodutos observe, prioritariamente, a finalidade do serviço prestado – e que, nos casos em que o ativo tenha como fim a entrega direta de gás ao consumidor local ,prevaleça sua caracterização como rede de distribuição, independentemente de suas características técnicas de diâmetro, pressão ou extensão. 

A ARSP (ES) vai na mesma linha, ao estabelecer a obrigatoriedade da avaliação da finalidade do duto (se é de interesse local ou nacional).

O texto da minuta também atribui à ANP a competência de, a qualquer momento, solicitar aos órgãos estaduais competentes a fundamentação técnica adotada na classificação de gasodutos de distribuição cujas características técnicas sejam conflitantes com as novas regras.

E que a ANP possa participar de fiscalizações das instalações de distribuição realizadas pelos órgãos estaduais competentes, para constatação das informações apresentadas na fundamentação da classificação.

Os estados veem na proposta uma extrapolação dos limites da ANP e uma tentativa de imposição de hierarquia regulatória entre União e estados.

  • Via de mão dupla. A Arsesp respondeu à proposta com uma sugestão de texto que permite que as agências reguladoras estaduais também possam, a qualquer momento, solicitar à ANP a fundamentação técnica adotada na classificação de gasodutos de transporte. Mesmo racional defendido pela Agepar.

A Arsesp acrescenta que a cooperação federativa deve ocorrer por meio de canais formais previamente acordados e que a realização de diligência in loco, quando necessário, seja acompanhada por representantes das concessionárias e sob supervisão dos respectivos reguladores estaduais.

Na mesma linha, a distribuidora Algás (AL) propõe que a participação da ANP nas fiscalizações de instalações de distribuição se dê de forma colaborativa e mediante interesse recíproco da agência estadual, precedida de um acordo de cooperação técnica voluntária.

ANP rebate: Baran não vê fundamento na oposição. Ela argumenta que a agência não precisaria, na prática, do dispositivo, para solicitar as informações aos entes estaduais.

“Quando se autoriza um gasoduto de distribuição, entendo que é um processo público. Então, não é só a ANP, qualquer um pode solicitar informações sobre um processo desses”.

“Se há uma motivação de que há um gasoduto de distribuição que está dentro dos critérios técnicos da ANP e tem finalidade de interesse geral, a ANP vai solicitar a fundamentação daquele órgão. Por quê? Porque ela será questionada sobre isso”, respondeu.

  • Cooperação técnica: a ATGás, apoiadora da proposta de regulamentação da ANP, sugere que, em seis meses após a publicação da resolução, a agência federal e seus pares estaduais celebrem acordos ou convênios de cooperação técnica.

A ideia é disciplinar expressamente o compartilhamento de projetos de distribuição, antes da aprovação para o investimento e início da construção, para a análise da classificação de acordo com as características técnicas estabelecidas no novo regulamento.

  • Monitoramento constante: o IBP (produtores/comercializadores), por sua vez, defende que a ANP crie uma sistemática para monitorar a publicação de leis, decretos e atos normativos estaduais e atuar para evitar invasão das suas competências regulatórias e normativas.

Os critérios técnicos para classificação dos gasodutos propostos pela ANP levantaram dúvidas e preocupações no mercado de biometano.

Agentes do setor temem que a nova regulamentação traga uma complexidade adicional à já desafiante agenda regulatória do mandato do Combustível do Futuro, previsto para começar em 2026. Já falamos disso aqui na newsletter

Abiogás, que representa os interesses da indústria do biometano, defende que o produtor do biocombustível tenha a opção de escolher o modal de escoamento mais adequado.

Recomenda que não seja adotado, para dutos de movimentação de biometano, portanto, um critério rígido para a classificação como de transporte ou distribuição.

A ANP está propondo a classificação, como gasoduto de transporte, de qualquer duto proveniente de instalações de produção de biometano cuja pressão de projeto seja igual ou superior a 36,5 kgf/cm², independentemente do diâmetro ou da extensão.

Edge, que tem planos de se consolidar como uma comercializadora do biometano e também investe na produção do gás renovável, questiona o amparo legal da classificação proposta pela ANP.

Alega, nesse sentido, que a minuta se trata de uma ampliação do sentido conferido pela Lei do Gás à equiparação do biometano ao gás natural; e que a minuta se caracteriza, na prática, como edição de um regulamento autônomo – e que pode retardar a expansão de infraestrutura.

A Arsesp (SP) e a ARSP (ES) também sugerem mais flexibilidade para o biometano.


Gasodutos. ANP prorroga, até 17/9, o prazo da consulta pública sobre o Plano Coordenado de Desenvolvimento do Sistema de Transporte de Gás Natural, elaborado pela ATGás. O prazo original se encerraria em 18/8. 

  • Conselho de Usuários (CdU) prega cautela na aprovação de novos investimentos e defende segurar projetos ainda não maduros. Assunto foi pauta recente do videocast gas week com Sylvie D’Apote e Adrianno Lorenzon, do CdU. Se ainda não assistiu, veja na íntegra o episódio

Termelétricas. Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) prevê despacho maior das térmicas nos próximos meses, para garantir atendimento à carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), diante da expectativa de aumento na demanda.

Indicações para a ANP. Estão previstas para terça-feira (19/8) as sabatinas, no Congresso, de Artur Watt e Pietro Mendes para a diretoria da agência. Watt é o nome para assumir a diretoria-geral.

Senador critica MPs. Laércio Oliveira (PP/SE) criticou o texto das Medidas Provisórias 1304 (MP dos Vetos) e 1307 (MP das Renováveis), ao afirmar que os dois textos criam “incentivos direcionados a alguns agentes específicos“.

  • O senador citou, especificamente sobre a MP 1304, o alcance restrito das políticas propostas o mercado de gás, em especial a redução dos custos de acesso às infraestruturas de escoamento e processamento.

Data centers. A indefinição do governo sobre uma política nacional para o setor pode levar a uma migração de investimentos para países vizinhos como Uruguai, Chile e Colômbia, alerta o vice-presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), Luis Tossi.

Biometano. A Jomed, empresa do setor de transporte rodoviário de cargas, fechou acordo com a Ultragaz para abastecimento de sua frota própria de caminhões com o gás renovável.

Hidrogênio no mar. Os navios-usina da Karpowership no Brasil podem, em breve, operar com motores que utilizam hidrogênio misturado ao gás

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