A subutilização do parque de refino

Mix de refino, demanda e concorrência com biocombustíveis ajudam a explicar fator de utilização no Brasil, escreve Marcelo Gauto

Petrobras reforça trading no exterior diante de escassez de diesel. Na imagem, terminal de combustíveis da da Petrobras em Brasília. Foto Marcello Casal Jr._Agência Brasil
Centro de Distribuição da Petrobras no SIA, Terminal Terrestre de Brasília, onde se armazena e distribui produtos da companhia para os postos de combustíveis do Distrito Federal (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

A complexa teia envolvendo a produção e o consumo de derivados de petróleo no país traz diferentes interpretações a respeito da redução da utilização do parque de refino brasileiro ao mesmo tempo em que ocorreu o aumento das importações de gasolina e diesel na federação.

Há quem advogue que a Petrobras reduziu carga de refino para “privilegiar os importadores”, deixando as refinarias em uma ociosidade proposital já que elas serão vendidas.

Por outro lado, tem-se a recessão econômica, a adoção dos preços de paridade e o avanço dos biocombustíveis sobre o mercado de fósseis. Afinal, por que se refina menos do que se pode? Alguns números ajudam a entender esta questão.

A recessão econômica

Em 2015 e 2016, o Brasil enfrentou um quadro de recessão econômica acentuado, atenuado nos anos seguintes por um pequeno crescimento do PIB, que caracterizou apenas o fim da recessão técnica, mas não o fim da crise.

Os motivos da recessão são variados, embalados pela crise política e fiscal instaurada no país. O mercado nacional de combustíveis não saiu ileso, a demanda por derivados de petróleo reduziu e a produção interna acompanhou esta redução, como pode ser observado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Produção e consumo de derivados de petróleo no Brasil de 2000 a 2020. A subutilização do parque de refino, na Coluna do Gauto
Gráfico 1 – Produção e consumo de derivados de petróleo no Brasil de 2000 a 2020

A queda no consumo dos combustíveis fósseis em 2015 e 2016 pode ser melhor visualizada no Quadro 1, fruto da referida recessão pela qual o país passou.

Assim como o consumo caiu, a produção desses derivados nas refinarias também foi reduzida (ver Quadro 2), acompanhando a queda da demanda. O fator de utilização das refinarias caiu de 94% em 2014 para 80% em 2016, para adequação da produção ao perfil de consumo.

Quadro 1 – consumo de combustíveis no Brasil entre 2014 e 2016 (Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021). A subutilização do parque de refino, na Coluna do Gauto
Quadro 1 – consumo de combustíveis no Brasil entre 2014 e 2016 (Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021)
Quadro 2 – Produção de combustíveis no Brasil entre 2014 e 2016 (Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021). A subutilização do parque de refino, na Coluna do Gauto
Quadro 2 – Produção de combustíveis no Brasil entre 2014 e 2016 (Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021)

O quadro 2 traz também um dado bastante importante: a queda da produção de óleo combustível é, percentualmente, 3,5 vezes maior do que a observada na produção de gasolina e diesel.

Esta é uma informação fundamental, particular ao nosso parque de refino, onde aumentar a carga de destilação gera mais diesel e também mais óleo combustível. Em outras palavras, se você aumentar o FUT vai ter que ter mercado para o óleo combustível, um derivado tradicionalmente de menor valor, que precisa ser exportado para além do Oceano Atlântico.

Óleo combustível é, de fato, o “Calcanhar de Aquiles” do parque de refino brasileiro.

Seu consumo vem caindo, dada a sua substituição por gás natural nas usinas termoelétricas e nas caldeiras industriais. De 2014 a 2020, o consumo interno de óleo combustível caiu 60% no Brasil (ver gráfico 2).

Gráfico 2 – Consumo de óleo combustível no Brasil de 2014 a 2020 (Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021)
Gráfico 2 – Consumo de óleo combustível no Brasil de 2014 a 2020 (Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021)

A alternativa para o óleo combustível produzido tem sido a exportação, especialmente para o mercado asiático, viabilizada de forma mais contundente a partir da resolução IMO 2020 (observa novamente o ano de 2020 no gráfico 1).

Outra solução, que demanda alguns anos de investimentos, seria aumentar a complexidade das refinarias, com a construção de novas unidades que convertam resíduos pesados em leves, como as unidades de coqueamento e craqueamento catalítico de resíduos.

A política de preços da Petrobras

Até aqui foi relatado o efeito da queda da demanda por derivados em função da recessão econômica pela qual o país passou em 2015 e 2016, a qual ensejou uma redução do FUT das refinarias para a casa dos 80%. O segundo fator a ser abordado trata da política de preços da Petrobras.

A estatal tem adotado desde o início de 2017 uma política de preços que procura acompanhar a cotação do produto importado, conhecida como política de “Preço de Paridade de Importação (PPI)”.

Em resumo, o PPI leva em consideração o preço do derivado no mercado internacional, os custos logísticos e a cotação do câmbio (moeda local frente ao dólar). Ao trazer os preços do GLP, gasolina e diesel para o PPI (demais derivados já seguiam esta métrica), abriu-se espaço para que a concorrência aumentasse.

Com a gasolina na saída das refinarias pareada a preços internacionais, o etanol hidratado cresceu.

A redução da produção de diesel abriu portas para a importação e o óleo combustível tem sido exportado a volumes crescentes, conforme consta no Quadro 3.

Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021
Fonte: elaboração própria a partir de dados ANP, 2021

Como pôde ser observado, a utilização do PPI a partir de 2017, reduziu o FUT de 80% para 76%, pois sob efeito concorrencial houve aumento das importações de diesel, bem como avanço do etanol hidratado sobre o mercado de gasolina.

A logística dos derivados

Abastecer um país continental é tarefa árdua. Levar combustível para alguns lugares do Brasil requer um esforço logístico muito grande.

Com 75% da capacidade de refino do país concentrada nas regiões Sul e Sudeste, uma maior transferência de derivados do sul para o norte esbarra em gargalos, limitações estruturais nos portos e terminais que tornam essas operações onerosas e pouco eficientes.

De forma sucinta, o Brasil dispõem de poucas ferrovias e dutos de escoamento, além das tradicionais rodovias precárias. Levar gasolina, óleo diesel, entre outros produtos, produzidos no sul ou sudeste para os portos da região norte enfrenta dificuldades.

Isto porque é necessário um lote de tamanho tal que viabilize a operação, algo limitado pela infraestrutura existente. É por isso que a principal porta de entrada das importações de combustíveis ocorre pelo norte e nordeste, é mais barato, eficiente e muitas vezes a única alternativa possível.

A alta demanda por derivados registrada nos anos de 2012 e 2013 levou a infraestrutura de escoamento ao estresse, inclusive, expondo algumas regiões a um eminente colapso naquela ocasião.

É importante, por conta disso, expandir os locais de recebimento de embarcações de maior porte e modernizar a operação dos portos, assim como ampliar as vias dos modais de entrada e saída, para incremento da produtividade e garantia do abastecimento.

O conjunto de dutos de transporte e transferência de derivados no Brasil possui cerca de 7 mil quilômetros, segundo dados da ANP, pouco para um país com a extensão territorial do Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, possuem mais de 300 mil quilômetros de dutos de combustíveis.

refinaria Landulpho Alves (RLAM) na Bahia
Refinaria Landulpho Alves (RLAM) na Bahia, primeira unidade que teve um acordo de venda fechado pela Petrobras

Aumentando o FUT

O aumento do fator de utilização do parque de refino brasileiro depende primordialmente de um crescimento econômico do país, que proporcionará uma elevação natural do processamento de petróleo pela maior demanda por derivados.

Outra possibilidade é que ocorram investimentos para aumentar a conversão de frações pesadas em leves, dado que há espaço para isso.

Como discutido anteriormente, para se produzir mais diesel, por exemplo, é necessário que se aumente a carga de destilação, o que traz consigo um aumento na produção de todos os derivados, especialmente o de óleo combustível.

Se as unidades de conversão já estão no limite (craqueamento, coqueamento, alquilação etc.), de um ponto em diante a produção de derivados  pesados aumenta em detrimento dos leves.

Então, existe um ponto ótimo econômico que considera o hardware disponível, os preços de mercado e a demanda pelo derivado, de forma a minimizar estoques e garantir rentabilidade ao refino, que opera sob margens bastante estreitas (as margens médias de refino são de 2 a 5 dólares por barril refinado, isto é, de 1 a 3 centavos de dólar por litro de derivado produzido).

Aqui vale lembrar que de 2011 a 2014, a Petrobras teve prejuízo líquido bilionário na atividade de refino quando operou a cargas recordes.

Como alguns derivados valem mais do que o óleo cru e outros valem menos, importa ter uma cesta de derivados e preços que possa cobrir os custos de matéria-prima, de refino e da margem mínima de lucro do segmento.

Na época do FUT a 94%, por exemplo, registrada em 2014, o preço de saída dos derivados não pagava nem pelo custo do petróleo utilizado nas refinarias da estatal.

De fato se está refinando menos do que o parque de refino comporta no país, porém, é preciso considerar que a matriz de combustíveis no Brasil é muito mais diversificada do que mundo afora.

O único país em que se tem etanol ocupando metade do mercado, em volume, é aqui.

O tamanho do Brasil, a localização das refinarias, a assimetria na produção e consumo de derivados são fatores adicionais na complexa tarefa de ajuste da carga de refino e oferta de derivados.

Essa “assimetria” entre a produção e o consumo de derivados impõe dificuldade extra ao refinador na composição de carga versus preço. Aumentar a carga de refino é uma decisão que envolve a avaliação de demanda de todos os derivados produzidos.

Ainda que exista certa flexibilidade para se produzir mais de um derivado em detrimento a outro, existe um limite operacional e econômico para a questão.

A Petrobras não está refinando menos para “favorecer importadores”, como muitos dizem.

O processamento de petróleo está de acordo com a demanda, com a prática de preços de paridade, com os gargalos logísticos e com as possibilidades que o nosso parque de refino oferece para fechar esta conta de forma minimamente positiva.

O aumento do FUT e a redução da importação de combustíveis virá naturalmente, a medida que o mercado siga operando numa lógica econômica, fomentada pelas oportunidades em combustíveis fósseis e biocombustíveis competindo de forma justa, a preços de mercado. Alguns frutos já estão sendo colhidos neste sentido, que siga-se nesta toada.

Referência

ANP. Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Dados estatísticos. Disponível em: <https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/dados-estatisticos>. Acessado em abril de 2021.

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