O uso de energia renovável é uma estratégia competitiva e bem-aceita internacionalmente para a substituição dos combustíveis fósseis em meios de transporte, residências e indústrias. Há setores da economia, no entanto, em que a eletrificação não é viável devido ao papel essencial do carbono como matéria-prima ou elemento de processo.
Isso se verifica em setores como o da metalurgia, onde o carbono é usado como agente redutor, e o químico, que depende de hidrocarbonetos para a fabricação de inúmeros produtos, como polímeros.
Exemplos disso são a produção de ferro gusa, aço, ferroligas e silício, onde o carbono é usado como agente redutor. No caso brasileiro, já existem alternativas renováveis consolidadas, como o uso de carvão vegetal na siderurgia e a crescente produção de pellets de madeira, para uso energético.
Segundo estatísticas oficiais, o país exportou 562.944 toneladas de pellets em 2023. De acordo com estimativas da ABIB/Brasil Biomassa, a produção nacional atingiu 1,18 milhão de toneladas em 2023/24, posicionando o Brasil como o terceiro maior exportador para a União Europeia, com 369 mil toneladas enviadas em 2023.
O uso de pellets no Brasil tem avançado não apenas para exportação, mas também no mercado interno, especialmente no aquecimento de aviários, com equipamentos cada vez mais automatizados e de baixa manutenção.
Há grande potencial de expansão para aplicações industriais, como substituto do carvão mineral, GLP e gás natural em caldeiras e fornos, gerando energia térmica para aquecimento, calor e vapor.
Os pellets apresentam elevado poder calorífico, baixa umidade e estabilidade de fornecimento, podendo atender setores que buscam diversificar a matriz energética e reduzir emissões líquidas de carbono.
Além dos resíduos de madeira de pinus, há potencial significativo para produção a partir de eucalipto e outras biomassas, como teca, paricá, acácia negra, bambu, resíduos agroindustriais (palha e bagaço de cana, casca de arroz, casca de café, caroço de açaí, entre outros).
Essa diversificação amplia a segurança no suprimento e fortalece cadeias produtivas regionais, contribuindo para a geração de emprego e renda nas zonas rurais.
A indústria química, por sua vez, depende de hidrocarbonetos como base para a fabricação de inúmeros produtos, como polímeros. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), os insumos petroquímicos representam atualmente cerca de 12% da demanda global por petróleo, com tendência de crescimento impulsionada pela expansão do consumo de plásticos, fertilizantes e outros produtos industriais.
E, ainda que seja um dos setores mais intensivos em carbono e estratégicos para a segurança energética global, a indústria petroquímica permanece relativamente marginalizada nos debates internacionais sobre energia e clima.
Isso reforça a urgência de alternativas renováveis como o carbono biogênico, capazes de alinhar segurança material, descarbonização e desenvolvimento sustentável.
Diante disso, o uso de carbono renovável derivado de biomassa é uma alternativa ambientalmente correta (desde que a matéria-prima seja produzida de maneira sustentável), econômica e eficiente para alcançar a neutralidade climática em setores como esses, que não podem ser descarbonizados.
Afinal, ao ser usado como matéria-prima industrial renovável, o carbono biogênico substitui a produção e o consumo de insumos fosseis e abre oportunidades de sequestro de carbono nos produtos manufaturados.
Para países fabricantes desses produtos industriais, a adoção do carbono biogênico como alternativa renovável às matérias-primas fósseis representa uma oportunidade de construir novas cadeias de valor que também favoreçam a proteção e a restauração dos recursos naturais, aumentem as receitas da agricultura e da silvicultura, e gerem empregos e renda em comunidades rurais.
Para os consumidores e os países importadores dos produtos metalúrgicos e químicos, por sua vez, essa opção por itens produzidos a partir de fontes renováveis amplia e diversifica a gama de fornecedores, e lhes permite “de-fossilizar” suas cadeias de valor e ainda apoiar o desenvolvimento sustentável nos países de origem desses produtos.
O desenvolvimento de cadeias produtivas baseadas em carbono biogênico pode, portanto, alinhar interesses de países em desenvolvimento — que, de maneira geral, buscam um crescimento econômico sustentável e inclusivo — com os das nações industrializadas — que buscam a diversificação das cadeias de fornecimento com fornecedores que ofereçam pegadas de gases de efeito estufa (GEE) mínimas ou mesmo negativas.
Mas, para que essas oportunidades de produção e consumo de baixo carbono se concretizem, é fundamental construir um ambiente institucional que ofereça estabilidade, demanda confiável e suporte técnico-financeiro. Uma consolidação nesse sentido requer um esforço diplomático coordenado que integre políticas comerciais e ambientais.
É essencial a criação de critérios de sustentabilidade e a demanda confiável e sustentada que permita aos países em desenvolvimento sustentar investimentos e consolidar cadeias baseadas em carbono biogênico, assegurando os benefícios sociais e ambientais esperados.
Além disso, a cooperação multilateral é fundamental para que se crie um ambiente regulatório harmônico e demanda, necessários à atração de investimentos e que facilitem a transferência e a implantação de tecnologias inovadoras baseadas em carbono biogênico.
Uma estrutura bem coordenada pode atrair investimentos, promover a integração comercial e aumentar a transferência de tecnologia limpa, garantindo benefícios mútuos para todas as partes interessadas.
Ao promover a integração de vias industriais de base biológica, os países podem reduzir as vulnerabilidades associadas à concentração de insumos, promover a diversificação das cadeias de produção e, simultaneamente, melhorar a qualidade de vida das suas populações.
Trata-se, portanto, de um novo paradigma de crescimento econômico que combina a modernização industrial com a preservação ambiental, contribuindo decisivamente para a construção de uma economia global mais equilibrada, resiliente e climaticamente neutra.

Philipp D. Hauser, pesquisador independente na área de silvicultura e gestão de carbono, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto E+ Transição Energética.

Clauber Leite é diretor de Energia Sustentável e Bioeconomia do Instituto E+ Transição Energética.

Marina Almeida é especialista em Transição Energética do Instituto E+ Transição Energética.