BRASÍLIA — Os créditos de descarbonização (CBIOs) da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) vem sofrendo com uma desvalorização de mercado acentuada em 2025.
O ativo que já chegou à máxima histórica de R$ 204, em 2022, fechou a semana nesta sexta-feira (8/8) abaixo dos R$ 60.
Há três anos, o CBIO oscilava numa faixa de preço entre R$ 100 e R$ 140. Já em 2025,a variação ficou entre R$ 90 a R$ 60, em uma perda de valor que coincide com decisões judiciais, por meio de liminares concedidas as distribuidoras, que livram agentes obrigados da compra dos créditos.
“O CBIO a R$ 60 não é um valor razoável para compensar a emissão de uma tonelada de carbono”, avalia o diretor de relações institucionais e sustentabilidade do grupo Oleoplan, Leonardo Zilio.
“Estamos falando de menos de 12 dólares. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse valor chegou a 180 dólares. O patamar de preços europeu é de 40 a 60 dólares. O CBIO brasileiro está muito subvalorizado”, completa.
O descumprimento das metas de aquisição e aposentadoria dos créditos por parte de algumas distribuidoras se acentuou a partir da emissão das liminares e, segundo Zilio, estão baixando o preço do CBIO, ativo que é negociado na bolsa de valores (B3).
A Oleoplan produz biodiesel em plantas no Rio Grande do Sul, Bahia, Pará, Rondônia e Mato Grosso, a partir de várias matérias primas, incluindo resíduos, como sebo e gordura animal e óleo de cozinha. A empresa emite CBIOs a partir da pegada de carbono do método de produção e matéria-prima utilizada.
Enfraquecimento da política pública
O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, também atribui à judicialização favorável a distribuidoras inadimplentes a queda na cotação. Para ele, a desvalorização no preço após a divulgação da lista de devedores evidencia fragilidade na regulação.
“Essa desvalorização impacta negativamente toda a cadeia de produção e comercialização de biocombustíveis, enfraquecendo os incentivos à redução de emissões”, comenta Kapaz.
À agência eixos, o presidente da frente parlamentar do biodiesel, Alceu Moreira (MDB/RS) explicou a associação da desvalorização do CBIO a liminares e fraudes.
“Por que eu tenho que comprar CBIOs se o outro não compra e compete comigo? A política do RenovaBio é absolutamente qualificada e estruturante do processo. Quando você consegue destruir essa política por absoluto aviltamento do poder concorrencial, você tira essa política como reguladora e do processo e ela para de ser um objeto cobiçado por quem faz bem feito”, disse o deputado.
Aplicação da nova lei
Liminares judiciais já eram um instrumento ao qual alguns agentes recorriam para não cumprir com as metas individuais de descarbonização.
Com a regulamentação e aplicação da lei que aumentou as penalidades do RenovaBio (15.082/2024), distribuidoras recorreram à Justiça para evitar a proibição de comercializar combustíveis.
A lei também prevê que a inadimplência passe a ser crime ambiental e amplia o teto da multa de R$ 50 milhões para R$ 500 milhões.
“A atuação da ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis] é muito importante no sentido de falar com que a lei aprovada pelo Congresso seja cumprida. Todos os agentes econômicos têm que estar no mesmo patamar, aí, sim, o mercado se reequilibra”, afirmou Zilio.
Para o advogado Márcio Pereira, sócio de meio ambiente, clima e mineração do BMA advogados, a atualização da lei do RenovaBio no fim de 2024 não permite a criminalização da conduta de forma retroativa. A lei passou a considerar crime ambiental o não cumprimento das metas individuais do RenovaBio.
Não é o caso da “lista suja” do RenovaBio, de caráter administrativo, onde Pereira aponta que há espaço para a aplicação das sanções. Ou seja, sanções como a proibição de comercializar combustíveis e até mesmo a revogação de autorizações estariam fora da tese de não retroatividade.
O argumento contra a aplicação da lei de forma retroativa tem sido o mais usado por distribuidoras que recorreram à Justiça e embasam as liminares concedidas.
Frente judicial contra as liminares
Em maio, o Ministério de Minas e Energia (MME) ajuizou ação no STJ para que o presidente do tribunal, Herman Benjamin, suspenda liminares que favorecem distribuidoras inadimplentes com as obrigações de compras de créditos (CBIO) do RenovaBio.
A estratégia da AGU é impedir decisões novas de decisões de primeira instância na Justiça Federal até que o STJ analise o mérito dos pedidos.
A ação no STJ envolve seis distribuidoras, mas busca estabelecer um precedente e conter a judicialização contra o programa. As empresas citadas na ação são: Small, Royal FIC, Rumos, Art Petro, Biopetro e Stang.
- Com exceção da Stang, todas possuem processos administrativos abertos na ANP por descumprimento das metas entre 2020 e 2024, envolvendo um total de 4,7 milhões de CBIOs não retirados de circulação.
- Contudo, segundo dados da ANP de 7 abril, há liminares em vigor revertendo 38 decisões da agência, envolvendo 21 distribuidores e 10,9 milhões de CBIOs.
- Evitaram o pagamento de R$ 70,5 milhões em multas — uma fração do total, dado que na maioria dos casos judicializados, nem sequer foram definidas as penalidades. A depender do STJ, todas as liminares podem ser suspensas.
Nesta semana, a FPBIO apresentou um projeto de lei que tenta fechar brechas jurídicas usadas por distribuidoras para adiar o cumprimento das metas de descarbonização do RenovaBio.
O PL 3.697/2025 (veja a proposta na íntegra), de autoria de Alceu Moreira, determina que ações judiciais pedindo suspensão ou adiamento das metas só terão efeito caso o autor da ação deposite os CBIOs equivalentes à parte da obrigação que reconhece como devida.
O objetivo é evitar que empresas usem decisões liminares como estratégia para postergar suas obrigações ambientais sem nenhum custo ou compensação. O texto também proíbe segredo de justiça nesses processos, sob o argumento de que o cumprimento das metas tem interesse público e coletivo.