NESTA EDIÇÃO. Relatório europeu reforça que pacto com o Mercosul é mais que comercial: é arma contra crises energéticas, avanço da China e pressão ambiental sobre cadeias produtivas
Com EUA fora de cena, acordo Mercosul-UE pode ser usado como alavanca para indústria verde.
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A parceria entre a União Europeia e o Mercosul pode impulsionar a transição para indústrias verdes em ambos os blocos, com oportunidades de colaboração inclusive em áreas de divergências históricas quando o assunto é sustentabilidade, indica um documento elaborado a pedido do Parlamento Europeu.
O estudo publicado no início de julho traz subsídios para a discussão europeia em torno da assinatura do acordo de livre comércio negociado há 25 anos.
Áreas como biocombustíveis e agricultura sustentável são elencadas como passíveis de colaboração, inclusive com um reconhecimento de políticas brasileiras para incentivar práticas mais eficientes e amigáveis ao meio ambiente.
Vale dizer: a data de publicação antecede a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do novo marco do licenciamento no Brasil, que, na visão da ala ambiental do país sul-americano, pode azedar as negociações com a UE.
Encomendado pela Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento Europeu, o documento não expressa necessariamente a visão oficial dos legisladores, mas traz indicativos de desafios e oportunidades que os europeus enxergam em torno dessa possível parceria.
Se ratificado ainda este ano, chegará em um momento de tensões geopolíticas: a começar pela necessidade de reduzir a dependência energética da Rússia, passando pelo vácuo deixado pela retirada de apoio internacional dos EUA a países em desenvolvimento, e as turbulências provocadas pelas tarifas de Donald Trump sobre o comércio exterior — 30% para a UE e 50% para o Brasil.
Há também um interesse em ampliar a influência européia na América Latina para diversificar a cadeia de suprimentos e competir com os investimentos chineses nesses países.
“À medida que surgem vácuos geopolíticos, impulsionados pela retração dos EUA e da China nessa dimensão, a UE está bem posicionada para assumir um papel de liderança, o que exigiria uma gestão flexível e criativa do Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional – Global Europe, entre outros programas”, diz um trecho. Veja na íntegra (.pdf)
A Europa é a maior investidora na região, com 375 bilhões de euros em investimento direto estrangeiro (IDE), superando EUA e China.
Muitas possibilidades
Parceiros de longa data no setor de telecomunicações, os dois blocos podem replicar a experiência para desenvolver projetos de indústria verde, inteligência artificial e no setor energético em geral, defende o estudo.
“Embora a oposição a este acordo tradicionalmente tenha enfatizado as posições do Mercosul em relação ao meio ambiente como problemáticas, a última rodada de negociações destacou como, ao contrário, o acordo consolida o progresso nessa agenda”, observa.
Um exemplo mencionado pelos analistas é como as negociações em torno do pacto comercial, em 2024, fizeram a Argentina recuar da intenção de abandonar o Acordo de Paris.
A COP30, presidida pelo Brasil, também é mencionada como um sinal de boa vontade do governo Lula (PT) na agenda industrial verde.
Enquanto membros do Mercosul possuem recursos energéticos e minerais que podem alavancar a produção de tecnologias de geração renovável e armazenamento, combustíveis sustentáveis para navegação e aviação além de aço e fertilizantes verdes, por exemplo, a Europa tem condições de viabilizar esses investimentos, assegurando novos parceiros comerciais para sua transição.
“Para a UE, o Mercosul poderia servir como um caso de teste e demonstrar a viabilidade dessa abordagem voltada para o verde. Sob o presidente Lula, o Brasil alinhou-se a essa estratégia, oferecendo uma janela de cooperação em objetivos ambientais e econômicos”, relata.
No entanto, classifica como modesto o atual instrumento de cooperação em desenvolvimento sustentável, ante as possibilidades de atuação.
Hoje, as áreas de colaboração focam energia e matérias-primas, deixando de fora agricultura verde, indústria e tecnologia, sistemas de créditos de carbono, pesquisa e desenvolvimento.
Cobrimos por aqui
Curtas
Lista suja do RenovaBio. As controvérsias sobre o bloqueio da comercialização de combustíveis com distribuidoras inadimplentes no cumprimento das metas do RenovaBio chegaram à Justiça. Mais de dez companhias conseguiram liminares contra a entrada em vigor do bloqueio a partir da publicação da lista de inadimplentes no programa pela ANP.
- Nesta segunda (21/7), o presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS), disse que apresentará um projeto de lei para exigir o depósito judicial de valores da negociação de CBIOs antes de liminares que suspendem as sanções.
Biometano em SP. São Paulo quer definir regras próprias para emissão de certificados de biometano. A ideia é conseguir valorizar mais o atributo ambiental do biocombustível, dar mais segurança aos compradores e, de quebra, dar alternativas aos produtores, para além do CGOB. Leia na gas week
Energia nova para Itaipu. A atualização do Tratado de Itaipu deve incluir a geração de energia a partir de novas fontes, segundo o diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional, Enio Verri. Os países pretendem expandir o escopo da atuação da empresa para que seja possível explorar comercialmente outras receitas.
MPs do setor elétrico. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a União usará todos os instrumentos à disposição para impedir que jabutis vetados no projeto de eólicas offshore, que impactam a conta de luz, voltem por meio de medidas provisórias com novas regras para o setor elétrico. Ele não descarta uma judicialização.
Crédito de carbono hidrelétrico. A Eletrobras vendeu 992 créditos de carbono para a Brasilseg Companhia de Seguros. Cada título equivale a uma tonelada de carbono que deixou de ser lançada na atmosfera graças à geração de energia da hidrelétrica de Teles Pires, na divisa entre os estados do Pará e do Mato Grosso.
Guerra tarifária. O Brasil não vai sair da mesa de negociação com os Estados Unidos, disse hoje (21/7) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Rádio CBN, embora não descarte que o tarifaço sobre os produtos brasileiros possa mesmo ter início a partir do dia 1º de agosto. Segundo Haddad, o governo vem trabalhando em planos de contingência para ajudar os setores mais prejudicados.
Descoberta de urânio. A China disse ter descoberto uma jazida de urânio em uma profundidade recorde de 1.820 metros na Bacia do Tarim, região desértica de Xinjiang, no noroeste do país. Segundo comunicado da estatal CNNC, trata-se da “mais profunda descoberta de urânio do tipo arenito com valor industrial já registrada no mundo”.