Ao culpar combustíveis fósseis por mudanças climáticas, Bolsonaro ignora desmatamento

Incendios florestais entre Miranda e Corumbá BR 262 e MS 184
Incendios florestais entre Miranda e Corumbá BR 262 e MS 184

O discurso de Jair Bolsonaro (sem partido) nesta quinta (22), durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, trouxe um tom ligeiramente diferente do que vinha sendo adotado pelo Brasil nos eventos internacionais sobre o tema.

Bolsonaro deu a entender que abandonou o negacionismo climático, mas, por outro lado, ao colocar a culpa pelas mudanças climáticas nos combustíveis fósseis, tentou retirar a atenção do principal responsável pelo aumento das emissões brasileiras: o desmatamento.

“Como detentor da maior biodiversidade do planeta e potência agroambiental, o Brasil está na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global. Ao discutirmos mudança do clima, não podemos esquecer a causa maior do problema: a queima de combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos”, começou.

O setor de energia e a indústria, de fato, respondem por cerca de 72% das emissões globais, com a queima de combustíveis fósseis e outras fontes. Enquanto a agricultura, o uso do solo e os resíduos são responsáveis por 28% das emissões, segundo dados compilados pelo Our World in Data, correspondente às emissões globais de 1990 a 2016.

Está claro que combustíveis fósseis são a “causa maior do problema”, mas não no Brasil. Aqui, a matriz energética predominantemente renovável faz com que energia seja parte da solução brasileira e desmatamento parte do problema.

As florestas são sumidouros de emissões, uma das soluções para compensar o carbono lançado na atmosfera a partir de outras fontes. E embora o Brasil seja considerado o país com a maior biodiversidade do mundo, isso não necessariamente o coloca na “vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global”.

Em 2020, segundo o relatório Global Forest Watch, do World Resources Institute, o Brasil liderou o ranking mundial de desmatamento. Foram cerca de 1,7 milhão de hectares destruídos, mais de um terço da superfície de florestas virgens devastadas no planeta.

Já o relatório Passando a Boiada (.pdf) do Observatório do Clima (OC), que analisa o segundo ano da administração de Jair Bolsonaro na área ambiental, mostra que o desmatamento na Amazônia aumentou 9,5% em 2020, depois de ter subido 34% em 2019 – a maior taxa já registrada desde 2008: 11.088 km², área que corresponde a uma Jamaica.

No Cerrado, o desmatamento aumentou ainda mais: foram derrubados 7.340 km² (quase cinco vezes a área da cidade de São Paulo) de agosto de 2019 a julho de 2020, alta de 13% em relação ao mesmo período anterior.

Esses aumentos ocorreram em meio a uma estratégia explícita de desmonte das políticas ambientais e de fiscalização.

Segundo dados do projeto Política por Inteiro, de janeiro a dezembro de 2020, houve 593 canetadas do governo federal relacionadas ao meio ambiente.

Na classificação por impacto das normas, 57 determinavam reformas institucionais, 32 eram revisões de regulamentos, 32 promoviam flexibilização, 19 desregulação e 10 revogações.

As medidas passaram por temas que vão desde a flexibilização do controle da exportação de madeira até a tentativa de liberação de petróleo em áreas sensíveis, passando pelo corte orçamentário, militarização de órgãos ambientais e a proposta de extinção do Instituto Chico Mendes, entre outras.

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Governo pede US$ 1 bi para desmatamento, mas tem recursos paralisados no Fundo Amazônia

Para atingir a neutralidade de emissões de CO2 até 2050, Bolsonaro disse na Cúpula do Clima assumir compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, “com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal”, defendeu o desenvolvimento econômico da Amazônia e voltou a pedir recursos para tanto.

“Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental poder contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas”.

Antes da cúpula, o governo brasileiro vinha tentando, em reuniões com representantes da Casa Branca, pedir US$ 1 bilhão aos Estados Unidos para combater o desmatamento na Amazônia. Mas as conversas não foram bem sucedidas.

Apesar dos apelos por mais recursos para aplicar em ações ambientais, no ano passado o governo foi processado no Supremo Tribunal Federal (STF) em três ocasiões por sua má gestão nesse sentido.

Pela suspensão do Fundo Amazônia (ADO 59), paralisado desde o início de 2019 por iniciativa do próprio governo, sob alegação de irregularidades em repasses para ONGs; na ADPF 708 (Fundo Clima) e na ADPF 760, na qual partidos políticos e entidades ambientalistas apontam atos da União e de órgãos públicos federais que criam obstáculos à fiscalização e controle do desmatamento na Amazônia.

O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, cujo comitê gestor foi dissolvido no “revogaço” de 2019, ficou parado por mais de um ano. Somente após o governo ser processado no STF (ADPF 708), o MMA fez os aportes correspondentes a 2019 e 2020, num total de mais de R$ 580 milhões.

Mas, segundo relatório do Observatório do Clima, até o final do ano passado o único projeto aprovado foi um de R$ 6,2 milhões a fundo perdido (na parcela não reembolsável gerida pelo próprio MMA) do governo de Rondônia, para um programa de erradicação de lixões.

Após cortes no Ibama e ICMBio, Bolsonaro promete dobrar verba

Como uma das ações para combater o desmatamento ilegal, Bolsonaro prometeu dobrar recursos para órgãos de fiscalização.

“Apesar das limitações orçamentárias do governo determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais do governo, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização.”

Entretanto, este ano seu governo anunciou cortes nos recursos de institutos responsáveis por combater atividades ilegais nos biomas brasileiros.

O Ibama teve redução de 4% do orçamento, com R$ 1,65 bilhão e o ICMBio teve corte de quase 13% no seu caixa, ficando com R$ 609,1 milhões.

Salles quer recursos para batalhões militares

Logo após o discurso de Jair Bolsonaro na cúpula, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participou de uma coletiva de imprensa, em que reforçou a necessidade de recursos estrangeiros para a proteção da Amazônia e antecipação do desmatamento zero.

“Quanto mais recursos vierem, quanto mais apoio existir, maior a probabilidade de antecipar a extinção do desmatamento ilegal até 2030”, disse.

Parte desses recursos seria para reforço de batalhões militares na região, para fiscalização do desmatamento, no que Salles chama de comando e controle.

Entretanto, dados do Fakebook.eco sobre os resultados da operação militar Verde Brasil 2 mostram que a estratégia de militarização tem tido um resultado inverso.

Apesar do reforço de 3.400 militares no combate aos crimes ambientais e orçamento seis vezes maior que o do Ibama em 2020, o desmatamento aumentou e o número de multas e de propriedades embargadas caiu nos seis primeiros meses da operação.

Entre maio e novembro de 2019, o Ibama, com 750 fiscais envolvidos, aplicou R$ 2,12 bilhões em multas relacionadas a infrações ambientais.

Já em 2020, a operação Verde Brasil 2 aplicou R$ 1,79 bilhão em multas, com um efetivo de 3,7 mil entre militares e civis, no mesmo período.

“O Ministério da Defesa afirma que o valor das multas (R$ 1,79 bilhão) ‘corresponde a sete vezes o que foi investido na operação’, ignorando que apenas três multas do Ibama foram pagas em 2020, em razão de mudanças impostas pelo governo Bolsonaro”, diz o Observatório do Clima.

As mudanças a que o OC se refere estão no decreto que criou a chamada “conciliação de multas”. Desde que entrou em vigor, em outubro de 2019, as multas deixaram de ser cobradas.

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