PIPELINE. ANP prevê abrir em agosto a consulta pública da revisão tarifária da TAG e NTS. Atenções se voltam para a metodologia de valoração da base de ativos, objeto de queda-de-braço entre transportadoras e usuários e que pode pesar nas tarifas. Entenda.
MP abre caminho para leilão do gás da União ainda este ano. Angélica Laureano assume diretoria na Petrobras. Transportadoras montam plataforma de comercialização de gás. MME habilita Cemes Petróleo em projeto de fracking e mais. Confira:
EDIÇÃO APRESENTADA POR
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) prevê abrir em agosto a consulta pública da revisão tarifária da Transportadora Associada de Gás (TAG) e da Nova Transportadora do Sudeste (NTS).
Serão apresentadas, então, a Base Regulatória de Ativos (BRA) e as tarifas propostas pelas companhias para o ciclo 2026-2030.
Até lá, a ANP corre contra o tempo para avançar também com a revisão da Resolução 15/2014, que trata dos critérios de cálculo das tarifas e que toca em questões umbilicalmente ligadas às revisões tarifárias, como a definição da Receita Máxima Permitida (RMP) das transportadoras.
A expectativa é que a minuta de resolução seja apresentada ainda este mês.
As atenções se voltam, em especial, para a metodologia de valoração da base de ativos, ponto nevrálgico para definição das receitas das transportadoras e, por consequência, das tarifas.
- TAG e NTS defendem que a ANP mantenha a metodologia historicamente utilizada para valoração da BRA das demais transportadoras. Pregam estabilidade regulatória e regras menos suscetíveis a interpretações.
- Os usuários do sistema, por sua vez, defendem que o contexto dos contratos legados da TAG e NTS é outro e que, portanto, a metodologia precisa ser outra, sob o risco de as transportadoras recuperarem (ao menos em parte) aquilo que os contratos já lhes remuneraram.
A diferença entre metodologias pode impactar em bilhões de reais o cálculo das bases de ativos – e, ao cabo, o das tarifas.
A seguir, a gas week apresenta os principais pontos do debate sobre como valorar a BRA das transportadoras e seus impactos para o consumidor.
Mas, antes de mais nada, para situar nosso recorte:
- a tarifa de transporte responde por cerca de 10% do custo final do gás;
- essa tarifa é calculada pela divisão da receita (RMP) das transportadoras pela demanda (volume do mercado);
- a receita, por sua vez, cobre diferentes fatores, como custos operacionais e administrativos, custos de capital e a base de ativos;
- a BRA representa o conjunto de ativos diretamente relacionados à atividade de transporte; leva em conta os investimentos, depreciação e baixa de ativos e baixas e é o item de maior peso dentro do cálculo das receitas das transportadoras.
A escolha de bilhões
A metodologia a ser aplicada na valoração da base de ativos pode impactar em cerca de R$ 7 bilhões a conta, que, ao fim, influenciará as tarifas nos próximos anos, de acordo com estimativas preliminares do Conselho de Usuários (CdU). (veja a apresentação, na íntegra, em .pdf)
O CdU estima que as amortizações dos gasodutos dos contratos Malhas Sudeste (NTS) e Malha Nordeste (TAG) – os primeiros a vencer, no fim deste ano – já superaram o patamar de 97%, com base na análise das planilhas dos contratos legados abertas pela ANP.
- O Conselho de Usuários calcula que o valor residual (o quanto um ativo ainda vale após a depreciação) da base de ativos é de R$ 509 milhões nesses dois contratos;
- Mas que, se adotada a metodologia da revisão tarifária da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), em 2019, a conta é da ordem R$ 7,5 bilhões.
A metodologia em questão é a do Custo Histórico Corrigido pela Inflação (CHCI). Em resumo, ela incorpora a correção monetária pela inflação (o IGPM nesse caso), descontando-se o valor depreciado do ativo.
Durante reunião de trabalho convocada pelo Ministério de Minas e Energia, no último dia 30/6, para discutir as tarifas de transporte e o futuro da regulação do setor, diferentes agentes do mercado compartilharam suas visões sobre a revisão tarifária. A seguir, a gas week apresenta o debate.
Transportadoras pedem estabilidade
TAG e NTS, que vão passar este ano pela primeira vez por um processo de revisão tarifária, defendem que a ANP mantenha a metodologia historicamente utilizada para valoração da BRA das demais transportadoras.
O Custo Histórico Corrigido pela Inflação foi a opção escolhida pelo regulador para a TBG, em 2019, e também serviu como base para a valoração dos ativos da Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB) em 2023.
As transportadoras entendem que a revisão tarifária deve respeitar uma metodologia comum de cálculo das receitas e tarifas de transporte. (veja a apresentação, em .pdf)
Na visão delas, o CHCI é a metodologia de referência nos demais setores regulados (setor elétrico e saneamento, por exemplo) e, por ser baseada em dados contábeis auditáveis, é menos suscetível a interpretações.
As transportadoras também alegam que as bases de ativos de TAG e NTS foram herdadas da Petrobras – as tarifas dos contratos legados são objeto de um acordo entre partes (a estatal e transportadoras, então suas subsidiárias) e não seguiram os critérios de cálculo do marco hoje vigente, em revisão.
E argumentam também que, após a privatização das companhias, a ANP validou a relação dos bens e instalações (incluindo a vida útil, valor contábil, depreciação acumulada e data de imobilização de cada ativo).
Apesar dos precedentes, o debate está em aberto: na consulta prévia sobre a revisão da Resolução 15/2014 (critérios para cálculo das tarifas de transporte), a ANP colocou em discussão, dentre outros temas, justamente que metodologia deveria ser utilizada para valoração da base de ativos.
Depreciação econômica versus contábil
Existe um apelo dos usuários para que a revisão tarifária da TAG e NTS siga outra metodologia. O argumento central é de que a depreciação contábil, como propõem as transportadoras, tende a considerar uma curva de amortização mais longa (a vida útil dos ativos) do que a prevista nos contratos legados.
E que, portanto, o critério permitiria às transportadoras recuperar novamente aquilo que os contratos efetivamente já remuneraram.
O CdU defende que a definição de base de ativos da TAG e NTS siga a metodologia prevista nos contratos legados – aqueles assinados pela Petrobras antes de 2018, quando foi implementado o modelo de contratação de entrada e saída, e que constituem a base da remuneração herdada pelos novos controladores das transportadoras nas privatizações.
“É uma questão de coerência. Se não, vamos pagar o mesmo ativo duas vezes. Porque, do ponto de vista de balanço contábil, a depreciação de ativos é de 30 anos. Isso não traduz a realidade de como a tarifa foi definida nos contratos legados”, comenta o diretor de Gás Natural da Abrace e vice-presidente do CdU, Adrianno Lorenzon.
“Lá atrás, se a tarifa tivesse sido calculada com base nesses critérios contábeis, olhando depreciação em 30 anos, por exemplo, a tarifa ao longo do tempo teria sido menor, porque teria sido diluída por mais tempo”, completou.
Agentes como Petrobras, Eneva e Abegás (distribuidoras) acompanham esse entendimento – presente também em falas do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD).
Na visão do CdU, com base nas informações contidas nas planilhas dos contratos legados, como o fluxo de caixa dos contratos e a taxa de retorno dos investimentos, é possível calcular o valor residual dos ativos.
Como precedente, no caso TBG, a revisão tarifária de 2019 levou em consideração, na valoração da BRA, critérios contábeis e não os aspectos econômicos adotados na definição das tarifas originais.
A Petrobras destacou, nesse ponto, as particularidades de cada caso. Os contextos das revisões tarifárias da TBG e da TAG/NTS são diferentes.
No caso TBG:
- a estruturação do projeto do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) se deu antes da constituição da própria ANP;
- os contratos foram assinados num contexto de incipiência regulatória (as primeiras resoluções a regulamentarem o uso de dutos e a divulgação de tarifas é de 2005);
- cálculo tarifário desconhecido pela ANP.
Já nos casos NTS e TAG:
- a maioria dos projetos entrou em operação após a 1ª Lei do Gás (2009), que atribuiu à ANP a competência de aprovar tarifas;
- os contratos assinados já com regulação tarifária;
- cálculo tarifário conhecido pela ANP.
O perímetro da revisão
As transportadoras defendem um perímetro de discussão: que a revisão da base de ativos seja gradual e se dê à medida que os demais contratos legados forem vencendo, por uma questão de segurança jurídica.
No fim deste ano, vencem apenas os dois primeiros contratos legados: o Malha Nordeste (TAG) e o Malha Sudeste I (NTS). Ainda restarão oito deles, sendo que o último (Gasene) vence apenas em 2033.
Entidades como Abegás e Abrace, por sua vez, defendem a revisão integral da BRA de todos os contratos legados. Na visão das distribuidoras, essa seria uma oportunidade para “expurgar custos indevidos” das tarifas.
O diretor Econômico e Regulatório da Abegás, Marcos Lopomo, defende que a revisão tarifária da TAG e NTS e a adequação dos contratos legados ao modelo de entrada e saída (determinação legal, prevista para ocorrer até o fim de 2026) são oportunidades para rediscussão dos parâmetros de cálculo das tarifas.
Ele alega que as tarifas dos contratos legados não foram geradas a partir de um processo formal de revisão tarifária, seguindo os critérios da regulação da ANP ou de boas práticas regulatórias; e que a base de ativos das companhias está inflada indevidamente.
Revisar integralmente essa base de ativos seria uma forma, portanto, de dar mais transparência à composição das tarifas e adequá-las.
Para além da base de ativos
A revisão tarifária das transportadoras ocorre em meio a uma discussão mais ampla sobre o futuro das tarifas de transporte e que envolve não só a revisão da Resolução 15/2014 da ANP como também as regras transitórias da agenda de curto prazo do Gás para Empregar.
Separamos alguns dos assuntos para ficar de olho:
- O denominador das tarifas:
Como lidar com os volumes de mercado, no cálculo tarifário? Esse item é importante: a revisão da BRA das transportadoras pode não garantir a competitividade das tarifas, se houver uma frustração de demanda – associada, por exemplo, à redução da capacidade contratada pelas térmicas.
Nesse contexto entram não só a discussão sobre a modelagem do Leilão de Reserva de Capacidade e o mecanismo de pass-through (o repasse do custo das usinas com a contratação firme dos gasodutos na forma de encargos para o setor elétrico), como defendem as transportadoras.
A Petrobras alega que é economicamente inviável o pagamento de tarifa cheia de transporte pelas térmicas 100% flexíveis e que é importante dar um tratamento específico para as usinas, de forma a evitar a “evasão da malha integrada”.
Isso envolve, segundo a companhia, por exemplo, a separação de produtos no leilão e um produto de transporte específico, com parcela fixa reduzida para garantia de reserva.
Esse último ponto, o de tarifas diferenciadas (para térmicas, estocagem e o short-haul), a ANP pretende tratar em 2026.
A Eneva também tem se posicionado nesse debate. É contra o modelo de pass-through. E defende que os riscos de mercado (essencialmente, a fuga de demanda) não devem ser compartilhados com os usuários do sistema.
Argumenta, nesse sentido, que o risco de volume foi assumido pela Petrobras e transferido contratualmente para os novos proprietários das transportadoras (o marco legal trata de receita máxima permitida ao transportador, e não de receita mínima assegurada). Os investimentos dos contratos legados, acrescenta a companhia, foram feitos num ambiente de monopólio sem governança adequada (com participação dos usuários).
Uma possível saída, segundo a Eneva, é que, para fins de cálculo das tarifas, seja assumido como denominador a capacidade original do mercado (cerca de 90 milhões m³/dia).
- Tarifas postais
Um outro assunto que tem sido tratado como forma de mitigar riscos de pico tarifário é o da postalização das tarifas – resgatado pelo decreto 12.153/2024.
A integração tarifária está na agenda do MME. A bandeira tem sido levantada também pela Petrobras.
A estatal defende que a postalização reduzirá as discrepâncias de custo de transporte na malha integrada entre os sistemas das transportadoras TAG, NTS e TBG – o que dará mais liquidez ao mercado e mitiga incrementos tarifários decorrentes de reduções de oferta pontuais.
GÁS NA SEMANA
Leilão da PPSA. Governo publica MP 1304/2025 com mudanças na Lei de Partilha que visam acelerar contratação do escoamento e processamento pela PPSA e, assim, destravar o leilão de gás da União este ano.
- CNPE poderá determinar, especificamente para o gás da União, as condições (incluindo o valor) de acesso às infraestruturas; e a Petrobras poderá ser contratada como agente comercializadora.
Transportadoras na comercialização. TAG, NTS e TBG se preparam para lançar uma plataforma eletrônica de comercialização de gás, voltada para o mercado em geral. Será o próximo passo da Plataforma Eletrônica de Gás, que começa a rodar este mês uma nova versão, inicialmente voltada para compra e venda de molécula para fins operacionais.
Mudança na Petrobras. Angélica Laureano assume como nova diretora de Transição Energética e Sustentabilidade. Ela deixa o comando da TBG para tocar a pasta responsável por projetos ligados a energias renováveis, gás natural, descarbonização e metas climáticas da Petrobras.
- A estatal, aliás, considera novamente vender o Polo Bahia Terra, que chegou a ser negociado com operadores independentes, mas teve sua venda encerrada em 2023;
- A Petrobras também iniciou a análise das propostas para os serviços de manutenção das fábricas de fertilizantes da Bahia e Sergipe, que devem voltar a operar até novembro, após dois anos paradas.
Fracking. MME habilitou a Cemes Petróleo para participar do projeto Poço Transparente, voltado à avaliação do uso de fraturamento hidráulico na exploração de gás não convencional. A qualificação é apenas o primeiro passo e não autoriza o início de operações.
Edge multada. A diretoria da ANP rejeitou o recurso da companhia, proprietária do TRSP, e manteve a multa no valor de R$ 85 mil contra a empresa por iniciar a operação do terminal de regaseificação sem autorização da agência.
Comgás recebe 41 propostas. Ao todo, chamada pública aberta pela distribuidora paulista, para aquisição de gás, contou com oito propostas na modalidade firme inflexível; sete ofertas de gás firme flexível; a maioria (15 propostas) foram para assinatura de contratos master.
- A Bahiagás, aliás, abriu chamada pública para compra de 800 mil m³/dia.
Opinião: Encerramento de concessões estaduais de gás canalizado pode ser oportunidade para integrar o biometano à rede de distribuição, escreve Leonardo Campos Filho, sócio-diretor da Siglasul Consultoria.