Em 25 de fevereiro de 2025, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou o termo aditivo que permitirá a renovação das concessões de distribuição de energia elétrica, que vencem entre 2025 e 2031, por mais 30 anos.
Esse processo foi iniciado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), que, de forma oportuna, estabeleceu diretrizes para a modernização dos contratos visando adequar as estratégias, condutas e operações dos agentes aos desafios atuais e futuros do setor.
Com base nessas diretrizes a Aneel instituiu dispositivos contratuais que abarcaram de forma inovadora temas como:
- inserção e integração de recursos energéticos distribuídos e de sistemas de armazenamento no planejamento da expansão e ampliação do sistema;
- promoção da digitalização gradual das redes e serviços, inclusive de instrumentos de medição de energia elétrica;
- o desenvolvimento de ações para a redução da vulnerabilidade e para o aumento da resiliência das redes de distribuição frente a eventos climáticos;
- execução de ações para robustecer o nível de atendimento do serviço de eletricidade das áreas rurais, especialmente nas regiões com potencial para o agronegócio e a agricultura familiar;
- ações que promovam a inclusão energética, a redução de perdas não técnicas (como os furtos de energia), a regularização da prestação do serviço público em áreas de vulnerabilidade socioeconômica e o desenvolvimento tecnológico para a redução da pobreza energética.
Antes de serem colocadas em prática muitas dessas diretrizes terão de ser regulamentadas pelo próprio MME e Aneel, mas já colocam claramente nos contratos os objetivos de política energética que sinalizam para onde o setor deverá caminhar.
Um processo similar de vencimento de concessões acontecerá nos próximos anos no segmento de distribuição de gás canalizado. Concessões nos estados de Mato Grosso do Sul (MSGás), Rio de Janeiro (CEG e CEG-Rio) e São Paulo (Necta e Naturgy-SP) terminarão e as discussões dos processos de renovação estão em desenvolvimento.
À semelhança do que foi feito pela União com as distribuidoras de energia elétrica, essa oportunidade deve ser aproveitada pelos estados para a modernização dos aparatos contratuais e, caso não justificada a relicitação, que esses tragam instrumentos que posicionem o setor para os seus desafios futuros.
É, nesse sentido, que se coloca utilizar deste processo para dinamizar a expansão da produção, comercialização e da logística associada ao biometano.
O biometano é um gás combustível renovável produzido a partir do biogás gerado pela decomposição anaeróbica de materiais orgânicos contidos em resíduos agrícolas, aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto.
O biometano apresenta crescente potencial por conta do movimento de transição energética e de segurança energética, podendo ser empregado como substituto do óleo diesel, do óleo combustível ou do gás liquefeito de petróleo (GLP), ou ainda o próprio gás natural de origem fóssil.
Surge assim como uma solução sustentável capaz de contribuir para:
- a redução da emissão de gases de efeito de estufa;
- a expansão da economia circular e o reaproveitamento econômico dos resíduos, além de oferecer oportunidades de reindustrialização a partir de suas ramificações a montante (bens de capital) e jusante (ativos de transporte) da cadeia produtiva.
Há, no entanto, desafios regulatórios, comerciais e logísticos importantes que devem ser superados para um crescimento sustentável do biometano. Ganhos de escala, escopo e inovações tecnológicas são necessárias para redução de custos de produção.
A promoção da conexão da produção, em condições favoráveis, aos gasodutos disponíveis perto dos centros de produção e fontes de financiamento adequadas à etapa de desenvolvimento da indústria são igualmente fundamentais para viabilizar a multiplicação da oferta e sua comercialização em grande escala.
Portanto, o fim das concessões de gás canalizado nos estados coloca a oportunidade de uma modernização dos dispositivos contratuais que identifique e implemente eixos de uma vertente de política energética estadual voltada ao biogás e biometano.
Entre os possíveis dispositivos para discussão, podemos citar:
- estabelecimento que os planos de investimentos das distribuidoras incluam conexão de produtores e comercializadores de biometano às redes de gás canalizado;
- bonificação e regras de suporte (reconhecimento de investimentos intra-ciclo e redução de repasses de produtividade) visando a expansão dos investimentos para a conexão do biometano;
- realizações de processos públicos para comprar biometano visando o atendimento do mercado regulado;
- estabelecimento de metas para expansão de postos adaptados para o gás natural e biometano em rodovias estaduais e para disseminação de projetos de interiorização através do gás natural comprimido (GNC);
- criação de fundo de P&D para inovação & desenvolvimentos de tecnologias de promoção do biometano e de sua utilização em setores onde a substituição do combustível fóssil é desafiadora como no transporte aquaviário.
A propósito, na renovação do Contrato de Concessão da Comgás (SP), em 2021, o regulador Arsesp exigiu importantes investimentos em redes de distribuição para integração entre as áreas de concessão no estado de São Paulo, de forma a facilitar operações de venda de biometano e swap entre as concessões.
Agora, em 2025/2026, essas prerrogativas da renovação contratual poderão ir além, direcionadas a outras áreas de concessão, segmentos consumidores e abarcar novos instrumentos.
O Brasil possui elevado potencial para acompanhar essa tendência global, podendo se tornar um líder mundial na produção de biometano até o final desta década, segundo projeções da Abiogás.
Tornar esse potencial em realidade irá demandar ações seletivas e focadas para a remoção de obstáculos de curto prazo que até o momento trazem incertezas para o lançamento em grande escala do biogás/biometano.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Leonardo Campos Filho é sócio-diretor da Siglasul Consultoria.