O desenvolvimento do mercado de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês) no Brasil passa pelo aproveitamento de diferentes matérias-primas e pela regulamentação do sistema “book and claim”, analisa Amanda Gondim, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e coordenadora da Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Sustentáveis para Aviação (RBQAV).
Em entrevista ao ao estúdio eixos, durante a EVEX Brasil 2025,, realizada em Natal (RN), Gondim explica que o etanol, tanto de cana, quanto de milho, desponta como a nova fronteira na produção de SAF.
No entanto, é preciso um trabalho para abrir mercados.
“Está crescendo a cultura da safrinha do milho e a cana-de-açúcar. E está sendo feito um trabalho junto com o Corsia para que todas essas matérias-primas novas sejam aceitas. É um papel que está sendo feito pelo governo [brasileiro], de apresentar essas matérias-primas para o Corsia e certificá-las, para poder ser aceita como SAF e cumprir as metas [da aviação internacional]”, conta Gondim.
O Corsia é um acordo setorial assinado na Organização da Aviação Civil Internacional (Icao, em inglês) com metas para emissões líquidas zero em 2050 e padrões de combustíveis e créditos de carbono qualificáveis para cumprir o compromisso.
No final de junho, a segunda safra de milho ganhou o reconhecimento da Icao de seus benefícios ambientais na produção de SAF — o que deve favorecer o acesso do etanol de brasileiro aos mercados internacionais.
“É muito importante para o Brasil que esses feedstocks [matérias-primas] sejam aceitos. Algumas já são elegíveis, então tem dados, foram estudadas. Nós precisamos apresentar as nossas, para elas se tornarem elegíveis”, observa.
Historicamente, uma das principais dificuldades do Brasil neste cenário é superar a metodologia sobre o uso indireto da terra, conhecida como ILUC.
“Temos uma dificuldade do ILUC porque, na verdade, não fazemos [esse cálculo] no RenovaBio. Inclusive há projetos para tentar alinhar o RenovaBio com o Corsia. Lógico que fica a questão se a gente vai atender, porque essa é uma questão europeia”, explica.
“Precisamos, como país, decidir se vamos cumprir, de certa forma, porque temos um mercado interno e externo. Quando se trata do mercado externo, que é o caso de SAF, é preciso alinhar isso internacionalmente, por isso a importância de buscar no Corsia a validação de algumas das nossas matérias-primas nossas”.
Ela observa ainda que, se a intenção do Brasil é ser um player mundial na produção de SAF, será preciso também incentivar investimentos em biorrefinarias, aproveitando o potencial e diversidade de biomassas nacionais.
Além disso, enxerga que a regulamentação do “book and claim” é uma oportunidade para o Brasil destravar esse mercado, na medida em que permitiria às aéreas nacionais utilizarem o produto renovável, comercializando seu atributo ambiental para outras companhias com metas a cumprir.
“Se conseguirmos regulamentar isso, talvez seja uma grande oportunidade para o Brasil, porque podemos adicionar até 50% de SAF [no querosene convencional]”, pontua.
Isso significa uma margem enorme para as companhias brasileiras cumprirem suas metas de adição, que deve ficar em torno de 2% em 2027, e exportar o restante na forma de crédito.
Como funciona o book and claim?
O sistema “book and claim” permite que empresas comprem créditos de redução de emissões pelo uso de SAF sem necessariamente receberem o combustível fisicamente. É uma forma de desvincular os benefícios ambientais do SAF de sua localização física, facilitando a descarbonização da aviação, especialmente em locais onde produto não está disponível.
Novas rotas
Segundo Gondim, uma das rotas mais sustentáveis para produção de SAF é a Fischer-Tropsch (FT), que utiliza resíduos e combina CO2 oriundo de outros processos com hidrogênio.
Na Europa, há um mandato específico para essa rota. No Brasil, a professora avalia que a lei do Combustível do Futuro, ao definir um mandato de descarbonização pelo uso de SAF, ao invés de definir um volume de combustível, pode ajudar no desenvolvimento dessa tecnologia.
“É a mais sustentável das tecnologias, mas também é mais cara. Por isso a importância de termos feito a lei baseada no quanto mitiga o combustível, para não bloquear nenhuma tecnologia”, completa.
Piloto de Fischer-Tropsch no RN
O Brasil ainda não tem plantas de SAF e os primeiros projetos a sair do papel devem ser o coprocessamento da Petrobras, além de rotas que utilizam óleo vegetais ou etanol.
Mas alguns pilotos já estão testando a FT no país.
Em setembro de 2023, a Agência de Cooperação Alemã (GIZ) e o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) inauguraram uma planta piloto no Rio Grande do Norte para produção de SAF utilizando hidrogênio verde da glicerina – subproduto do biodiesel.
A glicerina é transformada em gás de síntese, em uma mistura de que combina hidrogênio renovável e monóxido de carbono. O gás de síntese passa por um reator Fischer-Tropsch, e é convertido em SAF.