Transição energética

Brics destaca fósseis e cobra países ricos por transição energética

Declaração final da cúpula no Rio de Janeiro reforça necessidade de financiamento climático acessível, condena barreiras comerciais “verdes” e defende reconhecimento das realidades nacionais nas transições energéticas.

Foto: Ricardo Stuckert/ PR
Foto: Ricardo Stuckert/ PR

Na declaração final da 17ª Cúpula dos Brics, divulgada neste domingo (6/7), no Rio de Janeiro, os países do grupo defenderam a transição energética justa, que leve em conta as diferentes realidades dos países em desenvolvimento. O bloco cobrou dos países ricos maior compromisso com o financiamento climático em condições viáveis. 

É formado por onze grandes economias em desenvolvimento, incluindo os países fundadores — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — e os novos integrantes: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.

A cúpula do Rio antecipa os debates da COP30, marcada para novembro em Belém, e traz evoluções da declaração conjunta do G20, presidida pelo Brasil no ano passado.

Ao reafirmar o compromisso com o Acordo de Paris e o princípio das “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, os líderes dos Brics defenderam que a ação climática deve estar ancorada  no respeito às “diferentes circunstâncias nacionais”, reforçando a agenda brasileira no G20, no ano passado.

O grupo ressaltou que garantir aos países em desenvolvimento financiamento climático “acessível, com a urgência adequada e sob custos viáveis” é essencial para facilitar transições energéticas justas e sustentáveis.

“A provisão e mobilização de recursos sob a UNFCCC e seu Acordo de Paris é uma responsabilidade dos países desenvolvidos para com os países em desenvolvimento”, diz o documento.

O presidente Lula criticou o atual arquitetura financeira global que privilegia investimentos no norte global, em detrimento aos países em desenvolvimento, em seu discurso durante a segunda sessão do Brics sob os temas do “Fortalecimento do Multilateralismo, Assuntos Econômico-Financeiros e Inteligência Artificial”, neste domingo (6/7).

“As estruturas do Banco Mundial e do FMI sustentam um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo mais desenvolvido”, afirmou o presidente. 

“Os fluxos de ajuda internacional caíram e o custo da dívida dos países mais pobres aumentou”, completou.

Contra barreiras “verdes” ao comércio

Os Brics voltaram a criticar o uso de medidas comerciais sob pretextos ambientais. “Enquanto o unilateralismo cria barreiras ao comércio, nosso bloco trabalha por sistemas de pagamento transfronteiriços mais rápidos, baratos e seguros”, provocou Lula.

A declaração conjunta condena as chamadas “medidas protecionistas unilaterais, punitivas e discriminatórias”, como o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM) — política da União Europeia que taxa produtos com base nas emissões de carbono de sua produção.

“Rejeitamos medidas protecionistas unilaterais, como mecanismos de ajuste de carbono nas fronteiras, regulações sobre desmatamento e requisitos de diligência prévia”, afirmam os líderes.

Para o grupo, tais medidas, além de ferirem o direito internacional e os princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC), “distorcem a concorrência e causam disrupções deliberadas nas cadeias globais de fornecimento e produção”.

O documento reforça a defesa de um sistema multilateral de comércio baseado em regras e tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento.

Fósseis ainda têm papel na matriz energética

A declaração reconhece que os “combustíveis fósseis ainda desempenham papel importante” nas matrizes energéticas, especialmente nos países em desenvolvimento. 

Ao mesmo tempo, os Brics reafirmam o compromisso com uma transição energética “justa, ordenada, equitativa e inclusiva” e com a redução de emissões em linha com o Acordo de Paris.

“Reconhecemos que os combustíveis fósseis ainda têm papel importante na matriz energética mundial, particularmente para mercados emergentes e economias em desenvolvimento”, afirma o texto.

O grupo defende o princípio da “neutralidade tecnológica” e o respeito às diferentes maneiras de transição, considerando “as circunstâncias, necessidades e prioridades nacionais”.

Contabilidade justa de carbono e SAF

Com a intenção de construir uma base técnica comum que evite distorções regulatórias e barreiras comerciais disfarçadas de ambientais, os Brics anunciaram a adoção dos “Princípios para a Contabilidade de Carbono Justa, Inclusiva e Transparente”. Outra evolução da declaração conjunta do G20. 

A medida visa orientar metodologias equilibradas para avaliar emissões e apoiar marcos regulatórios mais justos, inclusive em setores específicos, o que pode incluir biocombustíveis. 

Outro destaque da declaração foi a valorização de tecnologias para a aviação de baixo carbono. 

Os países reconheceram a importância dos combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e dos combustíveis de baixo carbono (LCAF), como parte da solução para reduzir as emissões do setor aéreo internacional e propuseram a cooperação tecnológica entre os membros para desenvolver e implantar essas alternativas.

Financiamento climático de baixo custo

O grupo também chamou a atenção para o ritmo lento e o volume insuficiente do financiamento climático atual. 

O comunicado conjunto dos ministros das Finanças e presidentes de Bancos Centrais reforça a necessidade de “financiamento previsível, equitativo, acessível e de baixo custo” para viabilizar as transições nos países do Sul Global.

“Chamamos as economias avançadas e atores relevantes do sistema financeiro internacional a prover financiamento substancial, incluindo a ampliação de recursos concessionais e a mobilização de capital privado”, diz o texto.

Nesse contexto, os Brics anunciaram a Declaração-Marco sobre Finanças Climáticas, com o objetivo de fortalecer a capacidade do grupo de levantar recursos nos próximos cinco anos. 

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), liderado por Dilma Rousseff, foi apontado como peça central dessa estratégia. O grupo também iniciou a criação de uma “iniciativa multilateral de garantias” para de-risking de investimentos em infraestrutura e desenvolvimento sustentável no Sul Global.

Inteligência artificial e cabos submarinos intercontinentais

Os Brics lançaram a primeira Declaração de Líderes sobre Governança Global da Inteligência Artificial, na qual defendem uma abordagem centrada no desenvolvimento sustentável, acesso justo a dados e soberania digital.

O documento propõe uma governança que mitigue riscos, mas que também amplie as capacidades dos países em desenvolvimento no uso da IA, com as Nações Unidas como espaço central para a construção de regras multilaterais.

Nesse sentido, os líderes anunciaram que está em curso o estudo de viabilidade para a construção de uma rede de comunicação de alta velocidade por meio de cabos submarinos intercontinentais ligando os países do Brics.

O projeto, segundo a declaração, envolverá simultaneamente diversos membros do grupo e busca garantir conectividade digital segura, resiliente e autônoma entre os países do Sul Global.

A iniciativa faz parte de uma estratégia mais ampla de independência tecnológica e infraestrutura digital integrada.

A rede de cabos submarinos é vista como um passo estratégico para fortalecer a soberania digital e o intercâmbio direto de dados entre os países do Sul Global, reduzindo a dependência de rotas dominadas por potências do Norte.

“Ao adotar a Declaração sobre Governança da Inteligência Artificial, o BRICS envia uma mensagem clara e inequívoca As novas tecnologias devem atuar dentro de um modelo de governança justo, inclusivo e equitativo”, disse Lula, neste domingo.

“O desenvolvimento da Inteligência Artificial não pode se tornar privilégio de poucos países ou um instrumento de manipulação na mão de bilionários”, defendeu.

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